A insubordinação antes atribuída aos adolescentes e crianças quando admoestados, em priscas eras, ao se intrometerem em “conversas de adultos” transmutou-se em necessidade de alerta ao mandatário maior da Nação: “Cala a boca, já morreu, presidente!”.
E por que isto? Porque os vitupérios e vociferações presidenciais têm se sucedido em profusão no circo matinal dos horrores montado diariamente na saída do Palácio da Alvorada, transmitido ao vivo pelas redes sociais.
Mais até do que no período de escuridão, entre 1964 e 1985, quando jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, nos plúmbeos tempos atuais, os profissionais de comunicação têm sido insultados, atacados e ofendidos, quando não agredidos, diuturnamente, nas redes e nas ruas.
No Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio, jornalistas e auxiliares sofreram ataques físicos ao cobrirem atos contra o isolamento social em razão da atual pandemia defronte outro palácio: o do Planalto.
Segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o presidente da República, no ano passado, atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas.
Defronte o Alvorada, a enxurrada de sandices se sucederam ao longos dos 17 meses de mandato: “Você está falando da tua mãe?”; “Você tem uma cara de homossexual terrível”; “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai”, “Vocês são uma raça em extinção”. “Ela [Patrícia Mello, da Folha de S.Paulo] queria um furo. Ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim”; “Imprensa canalha”, “Globolixo”, etc.
O comandante em chefe das Forças Armadas assim se refere aos comunicadores, além de promover o boicote oficial à imprensa, ameaçando com o fim da publicidade oficial, a restrição às publicações contábeis, a não renovação das concessões, entre outras manifestações virulentas de sua ojeriza à vigilância imparcial da imprensa e às críticas formuladas pelos comunicadores nas diversas mídias.
Um festival de violência que atenta contra tudo o que possa se imaginar de obediência aos preceitos constitucionais e ordenamentos internacionais acerca das liberdades de imprensa e de expressão.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem é taxativa em seu artigo 19: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
A Declaração de Chapultepec, de 1994, reafirma em seu inciso I: “Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.”
Apesar de bradar que “eu sou a Constituição”, o mandatário não respeita o que está consignado nos artigos 5º. e 220 da Carta Magna, garantindo plena liberdade de imprensa cá em Pindorama. Em 5 de maio, o presidente, ao ser questionado por jornalistas sobre mudanças na Polícia Federal, em duas oportunidades, defronte o “cercadinho” na saída do Alvorada, vituperou: “Cala a boca, não perguntei nada!”.
Ao tentar calar e desacreditar a imprensa, o político eleito com mais de 57 milhões de votos coloca em xeque sua biografia, desacredita seu governo, ameaça a democracia e confronta inclusive parcela significativa daqueles que o elegeram.
A imprensa não é nem nunca será massa de manobra, nem deve informar ao bel-prazer do governante de plantão ou do inquilino de ocasião do Palácio do Planalto. A imprensa é pilar fundamental do Estado Democrático de Direito. É a trincheira da boa informação e repositório da cidadania. Cala a boca já morreu, presidente!
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(*) jornalista, membro da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).