Ele começara cedo. Aos quinze anos já trabalhava duro. Agora, acolhido pela cadeira confortável jogou seu corpo para trás. Através da janela gradeada do edifício, distanciou o olhar, em retrospectiva. Continuava trabalhando, apesar de seus muitos anos. “Por que parar? Sempre trabalhei!”.
A conversa se alongou: “Não entendo esse achaque que se faz sobre quem trabalha. Não me peçam dinheiro. Vão trabalhar!”
Ela nunca começara. Estava como sempre estivera: a espera de alguma coisa. Espera quase sem pressa, daquelas que o tempo estica e não rompe. De vez em quando reunia forças e pedia alguma esmola. Ao seu redor, um salgadinho e uma caixinha de suco. Vazios. “Não é a melhor coisa para se comer, mas é o que se encontra, o que me dão.” E continuou: “preferia algum trocado. Mas está difícil. Preferem dar o que lhes sobra, ou que já enjoaram.”
Perguntada do porque estar na rua e não acolhida em algum albergue, respondeu: “Cansei. É bom um banho, uma sopa, uma cama. Mas cansa. Gosto da rua”.
Um pouco adiante, dobrando a esquina uma menina mãe estendia o braço. Mostrava entalhes de jaguaretê e mudas de bromélias. Ao seu lado um menino dormia na calçada e uma menininha escondia o rostinho indígena na busca por aconchego. “Quanto custa?” “Dez” “Os filhos estão bem?” Não veio resposta.
As vezes silêncios são maiores que gritos. Silêncios de imigrantes, de estrangeiros em seu próprio planeta. Gritos das pessoas vendendo jornal, pipoca, espetinhos, cadarços, camisetas do Grêmio e do Inter, radinhos, antenas… Rente, lojas quase escondidas tentando expor camisas, sapatos. Muitas farmácias. Uma quase junto à outra. Músicos também. Anunciadores de fotos: “Foto, foto!” Gente, indo, voltando, circulando, andarilhando, sofrendo, vivendo. Cachorros acostumados, pombas ligeiras, baratas escondidas. Brisa de alguma árvore com saudade do rio. Gente com sacolas presas nos braços, ou sacolas com gente amarrada. Tem mais sacolas carregando gente do que gente com sacolas. Tudo e muito mais. Nada e quase nada.
Como não gostar da rua? A rua não julga. Acolhe. É solidária. Na rua não cabem cadeiras estofadas. Tiram muito lugar.
José Alberto Wenzel – analista ambiental