Ignorância Histórica

Kenny Braga
Quando me perguntam qual foi a melhor obra da literatura universal com que me deparei na vida adulta, hesito por algum momento em responder. É o tipo de pergunta que exige uma reflexão, que ninguém tira de letra. Então ao invés de indicar rapidamente a obra mais grata ao meu gosto, a minha sensibilidade de leitor exigente, alinho no mínimo 10 livros que eu levaria desta para outra, se lá houvesse licença para conviver com o gênio criador de todos os tempos. Não vou referir aqui todos os títulos. Pretendo faze-lo aos poucos, na maré de publicações das minhas crônicas aqui no jornal.
Mas, hoje vou citar um livro que não me canso de folhear, para ter certeza de que ganho muito com o vigor do seu conteúdo e o estilo pessoalíssimo da sua autora, Margarite Yourcenar. A obra, que vocês devem encomendar ao livreiro mais próximo , para uma remessa urgente, intitula-se “Memória de Adriano”. Escrito na primeira pessoa, técnica extraordinária, na qual a autora se coloca na pele do imperador romano, o livro reconstitui a vida de um dos governantes mais lúcidos de todos os tempos.
Homossexual assumido, circulando à vontade no meio do patriciado romano, onde ninguém seria capaz de diminuí-lo ou tentar desmoralizá-lo, Adriano esteve a frente do seu tempo. Se existisse hoje, fosse brasileiro e concorresse a prefeito do Rio ou São Paulo, seria crucificado pelos moralistas de plantão, inclusive os que se dizem de esquerda, da boca para fora. Mas exatamente por que comento a excelência de um livro de conteúdo histórico com lugar cativo na minha cabeceira?
Porque estou cada vez mais chocado com a ignorância dos fatos da história do Brasil e do mundo até mesmo no ambiente universitário, onde deveria existir um mínimo de interesse pelo assunto. Já havia percebido isso em algumas palestras que tenho feito a propósito de fatos da história do Brasil contemporâneo, que acompanhei de perto na condição de jornalista e d e cidadão.
Mas o que me parecia uma ignorância localizada, vai assumindo aos poucos aspectos de epidemia analfabeta em relação a um assunto da máxima importância para que tenhamos condições de construir nosso futuro. No suplemento semanal “Aliás”, do jornal “ O Estado de S. Paulo”, da semana passada, colhi uma pérola em forma de ignorância histórica.
Um professor de História Moderna, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Oswaldo Munteal Filho, que organizou um debate sobre a ditadura brasileira, perguntou aos jovens, no início da sua palestra, quem era João Goulart, o grande líder trabalhista. A resposta foi um silêncio tumular. Era como se o professor tivesse perguntado a respeito de um líder da República do Congo ou do Afeganistão. Imagino que o silencio se manteria caso aludisse ao nome d e um presidente brasileiro mais próximo de nossos dias.
O fato é grave, porque mostra uma grande parcela da juventude alheia aos episódios marcantes da história brasileira. Contraditoriamente, no momento em que mais se fala na comunicação através da internet, a ignorância dos jovens em assuntos relevantes assume um aspecto assustador.
É indispensável que haja de parte dos professores, políticos, lideres comunitários mais esclarecidos e comunicadores,um mutirão para fazer com que os adolescentes conheçam assuntos vitais ao exercício qualificado da cidadania. Do contrário, seu destino será o de expectadores alienados e bestificados diante da realidade social e política do país. Nunca é demais lembrar que o velho Monteiro Lobato insistia na idéia de que um país se faz com homens e livros. A propósito:quem foi Monteiro Lobato?

9 comentários em “Ignorância Histórica”

  1. Bom texto. Mas o que mais me impressiona em tudo isso é a não capacidade de resolver esta deficiência na sociedade brasileira. Há algum tempo já foi constatado que o jovem brasileiro é, de uma modo geral, alienado perante aos acontecimentos recentes e/ou históricos. Depois de diagnosticar o problema é preciso solucioná-lo…

  2. Só não esqueça, meu Kenny, que a Alemanha de Hitler era de homens cultos e letrados. Honestidade, serenidade e bom coração não se aprende nos livros.

  3. Remindo,
    te informa, vivente.
    A base hitlerista era de pessoas pobres e ignorantes. A elite apoiou para lucrar, como sempre fazem as elites.
    Poucos asseclas proximos de Hitler eram cultos e letrados, e quem se opos contra ele eram justamente faccoes das forcas armadas mais “cultas e letradas”, tanto antes quanto durante a guerra.
    No mais, excelente cronica do Kenny.

  4. Meu caro Kenny
    Seu texto trouxe-me à memória um aforismo helenico da antiga Grécia :: Quando a ignorância entra em ação, até mesmo os deuses lutam em vão. Ah! por favor alguns leitores, não apresentem o nacional socialismo alemão como referência à situação que vivemos hoje no mundo, e no Brasil principalmente. Conheçam melhor a complexidade do fenômeno, para não ficar replicando informações lançadas nos meios de comunicação de massa.

  5. João Goulart, o “grande líder trabalhista”??? Há, há, há!… Acorda, cara-pálida! O que ele fez para ser considerado de “grande” além de ser adorado pelos lacaios microcéfalos do PDT???

  6. kenny braga, mesmo sendo um colorado dos mais chatos (no bom sentido da rivalidade fundamental que nos une-separa), é um sujeito realmente complexo: ao mesmo tempo em que anda pelas ruas da cidade e convive desassombradamente com os populares, é um erudito que escreve deliciosamente. muito bom, seu kenny, o senhor é uma grande figura da nossa aldeia!!

  7. Isso me fez lembrar da paródia que um programa humorístico de sábado, na TV, fez da proclamação da república. Ao invés de tratar nossos vultos históricos com desdém, poderiam ensinar História para o povo!

  8. Kenny Braga, por quê o susto com a desinformação dos universitários? A academia deixou de ser a responsável pela defesa da aristocracia há tempos! Uma faculdade hoje forma trabalhadores e não pensadores, e é melhor que seja assim, porque ela não conseguiria mesmo, não com os professores trabalhando por dinheiro.

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