geraldo hasse
No programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, dias atrás, o juiz Sergio Moro sugeriu a criação de um grupo de trabalho (Judiciário+Parlamento), visando mudar a Constituição de modo a abreviar os processos penais estendidos indefinidamente por uma vasta gama de recursos que permitem aos advogados de defesa esticar as demandas a ponto de garantir a impunidade de infratores ou alcançar a prescrição das penas.
A proposta conciliatória-reformista do juiz estabelecido em Curitiba não teve a menor repercussão.
Foi simplesmente ignorada diante do tiroteio armado entre os punitivistas e os garantistas dos direitos civis dos réus ou indiciados. O próprio juiz Moro se esqueceu de dizer que o Judiciário poderia esforçar-se para ser mais rápido enquanto as regras não mudarem.
Fiel à bandeira punitiva, ele foi rápido no gatilho ao assinar a ordem de prisão do ex-presidente Lula, o maior líder popular surgido no Brasil no vácuo político aberto pela ditadura militar.
Com a ordem de prisão de Lula após a confirmação da sentença em segunda instância e a negação de habeas corpus em terceira instância, a Operação Lava Jato, que tem como estrela principal o juiz Moro, atinge o maior alvo entre os membros do Poder Executivo desde a prisão preventiva do deputado Eduardo Cunha, cabeça do Legislativo e líder do golpe parlamentar que tirou da Presidência da República a economista Dilma Rousseff em 2016.
Fora Lula, estão presos também empresários e ex-executivos da Petrobras, além de ex-ministros petistas como José Dirceu e Antonio Palloci. Nunca se puniu tanto por corrupção. Já não se descarta nem a figura do vice-presidente em exercício Michel Temer. E é possível que sejam alcançados pela Lei até outras figuras notórias dos principais partidos políticos.
Na prática, com o enfraquecimento dos Poderes Executivo e Legislativo, o mando está bastante concentrado nas mãos de membros do Judiciário, que atua em parceria com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. No entanto, o próprio Judiciário está em xeque por sua lerdeza, seletividade e outras contradições bastante evidentes.
Por exemplo, ao transmitir ao vivo as sessões do Supremo Tribunal Federal, a TV Justiça se tornou um palco de exibição de erudição, retórica e vaidades de membros da mais alta corte judicial brasileira.
Por falar demais sem clareza ou por fazer malabarismos ou por andar no fio da navalha ou por mudar de opinião, quase todos os ministros são alvos de críticas e objeções. No entanto, nenhum membro do Judiciário alcançou a notoriedade do juiz Sergio Moro — sem sair da primeira instância, ele tem sido aplaudido por milhares de manifestantes espontâneos e/ou manipulados.
Sem rompantes retóricos, revelando até uma certa timidez, Moro foi duro na condenação de Lula a nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Sete meses depois, em janeiro de 2018, três desembargadores do TRF de Porto Alegre confirmaram a sentença de Moro e aumentaram a pena do ex-presidente para 12 anos e um mês.
À espera dos desdobramentos do caso, restou a Lula sair em caravanas pelo Brasil. Primeiro ele andou pelo Nordeste. Na segunda quinzena de março, circulou em ônibus por cidades do Sul onde foi ovacionado por aficcionados e atacado com ovos e ameaçado com chicote por adversários identificados com candidaturas de Direita, especialmente o deputado Jair Bolsonaro, classificado em segundo lugar em pesquisas de intenção de voto que dão a preferência a Lula.
Se antecipou a campanha eleitoral à Presidência da República, a caravana de Lula pelo Sul pode ser tomada também como o canto de cisne do fundador do Partido dos Trabalhadores e presidente do país por oito anos, período marcado por uma inclusão social sem precedentes na História do país.
Também é inédita no país a situação que se criou: colocar na cadeia o candidato presidencial preferido dos eleitores.
Ao perder a liberdade aos 72 anos, Lula provavelmente será alijado da disputa eleitoral. No entanto, na condição de “preso político” que alega ter sido condenado sem provas concretas, ele tende a ser o maior eleitor de outubro próximo de 2018. Para o mal e/ou para o bem.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Os processos contra Lula e outros indiciados na Operação Lava Jato escancararam as contradições do Judiciário, que precisa passar por uma reforma que agilize os processos sem ferir os direitos dos cidadãos. É um desafio que não depende dos agentes da Justiça, mas da criação de novas normas pelos membros do Legislativo, também mergulhado numa crise de representatividade; e do Executivo, que atua com escassa legitimidade e sob suspeitas generalizadas da maioria dos brasileiros.