Para que serve a riqueza

 
 É constrangedor ver pessoas inteligentes repetirem chavões escravocratas
GERALDO HASSE
Uma noite dessas vi a jornalista Miriam Leitão entrevistando na Globo News o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Fiquei constrangido com a cumplicidade entre a repórter e o sábio das finanças da PUC-Rio.  
Perfeitamente à vontade, a entrevistadora limitava-se a levantar a bola para o Fraga vocalizar platitudes típicas do mercadismo dominante.
Ela não expressava nenhuma dúvida, estava ali apenas para convalidar as opiniões do convidado. Era um jogo de cartas marcadas – tudo combinado para dar publicidade ao famoso “pensamento único”. Uma cumplicidade tão grande que leva os telespectadores a descrer da proverbial “imparcialidade” dos jornalistas.    
O fato é que, na Rede Globo, praticamente todos os entrevistadores são assim, isentos da vivacidade que se deveria esperar de um repórter. Pior: a mega emissora brasileira nos condicionou a esse padrão de reportagem submetida às autoridades monetárias, que se guiam mais por cartilhas do que pela observação dos fatos.
Neste momento, por exemplo, os assuntos dominantes são os juros (altos), a cotação do dólar (em baixa), a inflação (baixando) e o desemprego (crescendo). Nesse quadro conjuntural complexo, não há lugar para discutir algo essencial como uma política de desenvolvimento capaz de promover o bem-estar da maioria das pessoas, o que seria normal numa sociedade democrática.
Para os economistas como Armínio Fraga e jornalistas como Miriam Leitão, o objetivo da economia é gerar lucros para os detentores dos capitais.
Se os empreendimentos não melhoram a vida das pessoas, a culpa não é dos empresários nem dos economistas. A culpa é da conjuntura… Ou, melhor, a culpa é do governo, que deixou a dívida pública virar essa bola de neve que condiciona a política monetária.
Caberia perguntar quem ao longo da história aconselhou os governantes a tomar empréstimos, dar incentivos a empresários e aceitar a absurda sujeição aos investidores internacionais. Os economistas são incapazes de  sugerir um passo “fora da curva”. São submissos por natureza. Seguem os manuais editados pelas matrizes.  
A doutrina da subserviência rola cotidianamente em estações de TV, emissoras de rádio, páginas de jornais e revistas. Nem se pode dizer que a doutrinação seja exclusividade da Globo, pois em outras emissoras e em outras publicações digitais ou impressas há repórteres segurando o microfone para a pregação das autoridades monetárias.  
Está montada e funcionando abertamente uma parceria habilidosa entre comentaristas jornalísticos, economistas do Mercado, assessores ministeriais e parlamentares chegados a ocupar tribunas e dar entrevistas, alimentando o círculo vicioso do noticiário tendencioso.
Muito desse jogo se alimenta de propinas. Na mídia, as jogadas têm nome: jabá ou jabaculê, geralmente mixarias. É constrangedor ver pessoas inteligentes vendendo-se por tão pouco. É humilhante ver pessoas com estudo se submetendo a propagar ideias escravizadoras da maioria.  
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Desde o advento da civilização, chegou a ser tão grande o aumento da riqueza, assumindo formas tão variadas, de aplicação tão extensa, e tão habilmente administrada no interesse dos seus possuidores, que ela, a riqueza, transformou-se numa força incontrolável, oposta ao povo. A inteligência humana vê-se impotente e desnorteada diante de sua própria criação. Contudo, chegará um tempo em que a razão humana será suficientemente forte para dominar a riqueza e fixar as relações do Estado com a propriedade que ele protege e os limites aos direitos dos proprietários. Os interesses da sociedade são absolutamente superiores aos interesses individuais, e entre uns e outros deve estabelecer-se uma relação justa e harmônica. A simples caça à riqueza não é a finalidade, o destino da humanidade.”
Lewis Henry Morgan (1818-1881), cientista social norte-americano citado por Engels e Marx em seus estudos sobre a realidade europeia do século XIX

 

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