Sangria

De tempos em tempos o subgoverno tampão do vice-presidente Michel  Temer libera alguns bilhões de reais à população trabalhadora – foi assim com o FGTS de contas inativas e com parcelas do PIS – mas o que ele dá com uma mão, tira com a outra em muito maior volume.
É uma prática criminosa deliberadamente cínica porque vem acompanhada de argumentos mentirosos.
Agora, por exemplo, no afã de reativar a indústria de construção civil, a Caixa Econômica Federal foi autorizada a baixar as taxas de juros e a aumentou para 70% o índice de financiamento de imóveis para as famílias que ganham até três salários mínimos.
Tal medida foi apresentada dias atrás como uma dádiva extraordinária, mas na realidade é um embuste que o governo apronta em cima das baixas taxas de inflação.
Se há dois anos, com a inflação a 7% ao ano, a CEF emprestava a 11%, agora que a inflação está abaixo de 3% ela poderia emprestar a 7% e manteria seus ganhos (e até os ampliaria porque emprestaria maiores volumes).
No entanto, o que faz a CEF, o “banco social” da república? Baixa a sua taxa para “apenas”  9,5%, anunciando-a como um benefício.
Ora, o que aconteceu é que a diferença entre a taxa de juros e a inflação, que era de 4 pontos, subiu para 6,50 pontos. Ou, seja, a Caixa vai ganhar mais do que já vem ganhando. No exercício de 2017, segundo o balanço publicado dias atrás, ela registrou um lucro de R$ 12 bilhões.
Jogada semelhante foi praticada com o salário mínimo, reajustado no limite da inflação passada, sem repor as perdas cumulativas do poder aquisitivo dos trabalhadores que têm nesse valor uma referência de remuneração.
A pergunta que fica no ar é: como o governo quer que a economia cresça se a população perdeu poder aquisitivo? A massa salarial caiu, a capacidade de consumo minguou até nas classes médias.
Quanto a isso, é preciso compreender que a medida governamental mais perversa — aprovada pelo Congresso, que se preocupou prioritariamente em atender aos anseios dos empresários, ignorando os interesses dos trabalhadores –, foi a reforma da legislação trabalhista, que retirou direitos e garantias dos empregados, minando profundamente os fundos de desemprego (FGTS) e da Previdência (INSS).
Tudo isso está comprovado pelo relatório divulgado na sexta (20) pelo Ministério do Trabalho, que “comemorou” os resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do país. Segundo esses dados, em março passado o mercado formal de trabalho registrou 1340 mil admissões e 1284 mil demissões, do que resultou um saldo positivo de 56 mil postos de trabalho.
Pelos números, parece que vai tudo bem no mercado. Na realidade, parte desse saldo positivo vem de contratações sob regime de trabalho intermitente ou parcial, de menor remuneração e proteção.
Além disso, o salário de quem é contratado continua sendo menor do que a remuneração daqueles que são dispensados, uma prática que se tornou sistemática.
A remuneração média dos que foram demitidos em março era de R$ 1.650,88, enquanto o ganho médio dos contratados foi de R$ 1.496,58 – diferença, para menos, de 9,3%.
A “modernização da legislação trabalhista” prevê ainda desligamentos de pessoal mediante acordo, em que o empregado abre mão de parte de seus direitos. No mês passado, foram realizados 13.522 desses acordos em 9.775 estabelecimentos.
Enquanto isso, permanece intocado o fluxo de recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, que absorve 51% do Orçamento da república.
Num balanço sumário, se pode dizer que o governo trabalha para dar aos bancos o que vem tirando dos trabalhadores, aos quais oferece em compensação um saque no FGTS aqui ou um empréstimo habitacional ali – como o cafezinho ou o copo d’água que os laboratórios de análises clínicas ofertam após coletar o sangue dos pacientes que precisam se apresentar ali em jejum, depois de levantar cedinho.
A nefasta sangria financeira praticada pelo governo acaba aparecendo nos índices de desemprego, que se mantém na faixa de 13%; reflete-se no aumento do número dos caídos abaixo da linha da pobreza (1,4 milhões de pessoas em dois anos); e se reflete na estagnação da economia, que não reage aos “estímulos” da equipe econômica do governo.
 

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