A transferência do acervo artístico da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, do Instituto de Artes, para o segundo andar do prédio da Reitoria, no antigo Salão de Festas, no Campus Centro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é o reconhecimento da importância para a cultura gaúcha e brasileira, desse conjunto de manifestações artísticas que denominamos artes plásticas.
Com mais de 2,5 mil itens, entre desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, fotografias, vídeos e objetos, a Pinacoteca é a mais antiga coleção pública de arte do Rio Grande do Sul e uma das mais importantes coleções universitárias do Brasil.
O acervo estava em um espaço muito pequeno, praticamente inacessível para o público, no prédio do Instituto de Artes, Centro Histórico de Porto Alegre. Em 2021, graças a uma parceria com a Pró-Reitoria de Extensão, o acervo artístico da Pinacoteca foi transferido, provisoriamente, para a Sala Fahrion, na Reitoria, conquistando agora um local definitivo.
De acordo com a coordenadora da Pinacoteca, curadora, historiadora da arte, professora do Instituto de Artes, Paula Ramos, a conquista desse espaço, no coração da Administração Central, confirma a vocação museal da Pinacoteca como mediadora e referencial para a sociedade e consolida um projeto em desenvolvimento desde 2014, em parceria com a Pró-Reitoria de Extensão e o seu Departamento de Difusão Cultural.
Para ela, é muito emblemático a instalação da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo no prédio da Reitoria. “Até pouco tempo atrás, esse importante espaço servia como depósito. Agora, a estrutura da Pinacoteca ainda não está totalmente pronta, pois precisa ser mais bem equipada. No entanto, esse primeiro passo de torná-la visível é fundamental.”
A partir da aprovação do projeto pela Reitoria, o tempo para montar o acervo no novo espaço foi de um mês e meio, sendo inaugurado em 10 de setembro passado, em cerimônia para a comunidade acadêmica. “A coleção foi distribuída em cada parede por afinidades entre os trabalhos, independente da data de criação”, revela Paula Ramos.
Em uma das paredes, por exemplo, há quatro trabalhos em torno de fotografia. Um conjunto de três fotografias é de Marina Camargo, artista visual que trabalha em várias mídias, egressa do Instituto de Artes, e que hoje se divide entre Porto Alegre e Berlim, participando de exposições pelo mundo. Ao lado tem o trabalho de Sandra Rey, professora do Instituto de Artes. Ela entende a fotografia como imagem contaminada pelo real, mas uma vez isolada de seu contexto, é trabalhada como um material.
No mesmo espaço tem fotos de Rômulo Vieira Conceição, professor da UFRGS do curso de Geologia, artista visual que trabalha com diversos meios, entre eles a fotografia. Ele fez uma série ressaltando fragmentos. Ao lado, obras do artista Rogério Livi, professor de Física aposentado, com a série Floresta Encantada, fotografias de um mangue. São quatro trabalhos de fotografia dialogando com a terra de formas distintas.
Em outra parede tem fotos jornalísticas e históricas, como as do jornalista e professor de Fotografia da UFRGS, Eduardo Achutti, com as obras “Diretas Já”, imagem para fixar o momento icônico que representava toda a luta pela volta da democracia em 1984 e “O último trem”, com mecânicos da Rede Ferroviária Federal, extinta em 1999, empoleirados numa antiga locomotiva.
Neste espaço tem ainda Dirnei Prates, que desenvolve sua pesquisa artística desde 2007 com fotografia e vídeo utilizando imagens apropriadas de jornais, filmes antigos, fotografias e imagens do arquivo pessoal; além de trabalhos de José Leopoldo Plentz, fotógrafo graduado em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da UFRGS e Luiz Carlos Felizardo, especialista em fotos preto e branco e em grande formato, com imagens de Maria Lídia Magliani, gaúcha de Pelotas, falecida em 2012, primeira mulher negra a formar-se no Instituto de Artes.
O acervo mais antigo do Instituto de Artes está numa sala climatizada, onde estão obras de Pedro Weingärtner, Ado Malagoli, João Fahrion, Oscar Boeira, Aldo Locatelli, Chico Stockinger, Iberê Camargo, entre tantos outros artistas.
O começo
O Instituto Livre de Bellas Artes (IBA) do Rio Grande do Sul foi fundado em 1908, apenas com o Conservatório de Música. Em 1910, foi criada dentro dele a Escola de Artes, com Libindo Ferrás como único professor e diretor.
A Pinacoteca surge com o objetivo primordial de constituir um acervo didático e, desde 1943 – com a inauguração do edifício do Instituto de Artes, no Centro Histórico, passou a se chamar “Pinacoteca Barão de Santo Ângelo” (PBSA), em homenagem a um dos mais notáveis nomes da arte oitocentista no Brasil: Manuel de Araújo Porto Alegre (Rio Pardo 1806/1879 Lisboa). Gaúcho que partiu muito jovem para a Corte, no Rio de Janeiro, e não mais retornou. Discípulo de Jean-Baptiste Debret, teve atuação fundamental nas instituições culturais de Segundo Reinado.
O acervo incorpora, majoritariamente, obras de professores e egressos do Instituto de Artes, bem como obras de artistas que participaram, entre 1939 e 1977, dos diversos salões de Arte que atraíam a Porto Alegre expoentes do circuito nacional e latino-americano.
A partir de 1939 começam a ser organizados os Salões de Arte do IBA com o objetivo de dar visibilidade ao que era produzido no Rio Grande do Sul e atrair pessoas de fora para participar. Por isso, a coleção tem um pé muito fincado nesses Salões. Esta prática vem desde o século IX com os Salões da Academia Imperial de Belas Artes, depois Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, que dava prêmios em dinheiro para a melhor pintura, escultura e desenho.
Algumas cidades começaram a promover Salões de Arte e o que tinha mais visibilidade era o de Porto Alegre. A pintura de Dimitri Ismailovitch, por exemplo, artista que veio da Ucrânia na década de 1920 para o Rio de Janeiro, passou a integrar a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo em 1955, quando foi uma das premiadas no VI Salão de Belas Artes.
Os Salões de Belas Artes do Rio Grande do Sul, promovidos entre 1939 e 1956, foram os eventos que efetivamente deram corpo à Pinacoteca. Na década de 1970 foram incorporadas as obras premiadas no Salão de Artes Plásticas da UFRGS, que ocorreu em quatro edições – 1970, 1973, 1975 e 1977.
Seis expulsões
Em janeiro de 1939, o Instituto de Artes foi expulso pela primeira vez da então Universidade de Porto Alegre por vários motivos, entre os quais a estrutura do prédio na rua Senhor dos Passos, Centro Histórico, que não atendia as necessidades de uma universidade. O Instituto de Artes foi expulso seis vezes e nesses períodos em que ficou fora se mantinha com a mensalidade paga pelos alunos.
Segundo Paula Ramos, o então diretor do Instituto de Artes, Tasso Corrêa, que ficou no cargo de 1936 a 1958, percebeu que era necessário dar visibilidade ao que era feito no Instituto de Artes para evitar novas expulsões. “Ele lutava para que o estudo da arte estivesse dentro da universidade e seus contemporâneos acreditavam que não era um tipo de conhecimento acadêmico.”
Em 1958, quando o Instituto completa 50 anos, Tasso Corrêa juntamente com os professores, organiza o 1° Congresso Brasileiro de Arte e o 1° Salão Panamericano de Arte. Um Salão Internacional que pode ser considerado o embrião da Bienal do Mercosul que vai acontecer em 1997. O prédio inteiro tomado pelos participantes do continente americano. Participaram do salão 670 obras de 297 artistas divididas nas categorias: – Pintura – Desenho – Escultura – Gravura – Arte Decorativa – Arquitetura e Urbanismo -Teatro.
Junto com o Salão Panamericano acontece o 1° Congresso Brasileiro de Arte com intelectuais de todo o Brasil para discutir artes visuais, literatura, arquitetura, teatro e educação. Na época, a Revista do Globo ressaltou que um dos pontos importantes do Congresso foi a tese apresentada pela direção do Instituto de Belas Artes com recomendação para a formação de um Ministério das Artes, não aprovada pela maioria dos participantes.
Tasso Correa, conforme Paulo Ramos, temia pela manutenção do Instituto de Artes fora da universidade, cobrando mensalidade dos alunos, além do descarte da tese da criação do Ministério das Artes que seria encaminhada ao então presidente da República Juscelino Kubitschek. “Ele doou para UFRGS obras emblemáticas para ficarem no salão do Conselho Universitário. Uma delas, uma pintura imensa feita em 1958 por Aldo Locatelli chamada ‘As profissões’. Ali estão representadas as áreas de conhecimento da universidade e no meio está a representação do artista.”
Em 1962, quem recebe esses trabalhos é o reitor Elyseu Paglioli, que ficou 12 anos no cargo. Ele incorpora definitivamente o Instituto de Artes à UFRGS.
Em agosto de 2024, a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo foi homenageada pela Associação Brasileira de Críticos de Arte com o Prêmio ABCA 2023 – Destaque Regional – Região Sul, durante uma cerimônia realizada no Teatro do SESC Vila Mariana, em São Paulo.
A comunidade pode conhecer o acervo artístico da Pinacoteca de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30, mas é necessário agendamento prévio pelos e-mails acervoartes@gmail.com e/ou acervoartes@ufrgs.br. O visitante será acompanhado por integrante da equipe da Pinacoteca.