Brics mostra sua força na Cúpula do Rio e Trump reage

Foto Tomaz Silva - Agência Brasil

A 17ª Cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho, sob presidência do Brasil, mostrou que o bloco do Sul Global se tornou o contraponto importante dos países em desenvolvimento à política controlada pelos países mais ricos do Ocidente, que dominam as organizações multilaterais mais importantes, como ONU, OMC ou OMS.

Os 11 membros permanentes representam 39% da economia mundial, 48,5% da população do planeta e 23% do comércio global. Em 2024, países do Brics receberam 36% de tudo que foi exportado pelo Brasil, enquanto nós compramos desses países 34% do total do que importamos.

Desde sua criação, o Banco do Brics aprovou mais de 32,8 bilhões de dólares em financiamentos de projetos no Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Bangladesh e Egito. Somente para o Brasil foram cerca de 5,2 bilhões de dólares para 31 projetos.

O texto final da 17ª Cúpula recebeu o título de Declaração do Rio de Janeiro: Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável e contém 126 pontos, divididos em cinco tópicos:

  • Fortalecendo o Multilateralismo e Reformando a Governança Global;
  • Promovendo a Paz, a Segurança e a Estabilidade Internacionais;
  • Aprofundando a Cooperação Internacional em Economia, Comércio e Finanças;
  • Combatendo a Mudança do Clima e Promovendo o Desenvolvimento Sustentável, Justo e Inclusivo;
  • Parcerias para a Promoção do Desenvolvimento Humano, Social e Cultural.

Em relação à cooperação financeira, entre outros pontos, o documento afirma que os países buscarão, juntos, promover um sistema tributário internacional justo, mais inclusivo, estável e eficiente. Certamente para se contrapor aos tarifaços do presidente dos Estados Unidos (EUA) Donald Trump.

A mídia corporativa brasileira, submissa aos interesses do imperialismo, tentou de todas as maneiras diminuir a importância do evento.  Afirmou que a Cúpula não dava sinais de que apresentaria uma ideia clara do que quer e do que é. Seria incapaz de apresentar resultados substantivos. Por isso, a decisão do presidente chinês Xi Jinping de não comparecer. A realidade foi muito diferente.

Durante a sessão plenária da cúpula de líderes, no Museu de Arte Moderna (MAM), dedicada ao fortalecimento do multilateralismo, assuntos econômico-financeiros e inteligência artificial (IA), o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi muito incisivo e criticou o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições que, na visão dele, “sustentam um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo mais desenvolvido”. ​​​ Para Lula, enquanto o FMI e o Banco Mundial se voltam ao mundo desenvolvido, “os fluxos de ajuda internacional caíram, e o custo da dívida dos países mais pobres aumentou”.

 O presidente aproveitou a reunião de líderes do Brics, comandada pelo Brasil, para pedir mais poder dos países do Sul Global no FMI. “As distorções são inegáveis”, declarou Lula. “Para fazer jus ao nosso peso econômico, o poder de voto dos membros do Brics no FMI deveria corresponder pelo menos a 25% – e não os 18% que detemos atualmente.”

Ele também fez críticas ao neoliberalismo, diminuição do Estado na economia, responsável, segundo ele, por aprofundar desigualdades. “Três mil bilionários ganharam 6,5 trilhões de dólares desde 2015.”

Em seu discurso por videoconferência, o presidente da Rússia Vladimir Putin enfatizou que o modelo liberal de globalização está perdendo viabilidade à medida que o centro da atividade econômica e política se desloca decisivamente para o Sul Global – países em desenvolvimento com crescente potencial demográfico, de recursos e tecnológico.

Bretton Woods anacrônico

A Carta Final do BRICS reafirmou a necessidade urgente de reformar o sistema de Bretton Woods, em vigor há mais de 80 anos, para torná-lo mais ágil, eficaz, confiável, inclusivo, adequado à sua finalidade. O sistema deve reformar sua estrutura de governança para refletir as mudanças na economia mundial desde sua criação.

No sistema de Bretton Woods, a voz e a representação das economias de mercado emergentes e em desenvolvimento devem refletir seu crescente peso na economia mundial. Por isso, a necessidade do aprimoramento dos procedimentos de gestão, incluindo a construção de um processo de seleção inclusivo, o aumento da diversidade regional e da representação das economias de mercado emergentes no FMI e Banco Mundial.

A reunião na pequena cidade de Bretton Woods, estado de New Hampshire, EUA, em 1º de julho de 1944, com a proximidade da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, é considerada um marco no processo hegemônico estadunidense. Os Estados Unidos conduziram as negociações para a construção de uma nova ordem mundial e, ao longo desta, conseguiram definir sua moeda nacional, o dólar, como o padrão de referência internacional.

Os países do Brics buscam exatamente estimular o uso de suas moedas nacionais em transações internas, visando reduzir a dependência do dólar e aumentar a autonomia financeira. Houve avanços na identificação de caminhos para a integração dos sistemas de pagamento entre os membros do bloco, incluindo a criação de um ecossistema financeiro próprio, com apoio de instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). 

A iniciativa de desdolarização é um passo concreto para proteger os países do bloco contra sanções unilaterais principalmente dos Estados Unidos e garantir maior autonomia monetária e financeira, especialmente relevante no contexto de ameaças protecionistas. 

Trump reage

Apenas 48 horas após a divulgação da Declaração do Rio – particularmente a seção que denuncia tarifas unilaterais e medidas não tarifárias – o presidente Donald Trump respondeu. Do gramado da Casa Branca, ele ameaçou impor uma tarifa de 10% sobre todas as importações dos países do Brics e acusou o bloco de tentar “degenerar o dólar”.  

Trump também anunciou nesta quarta-feira, 9, a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os EUA em carta pública ao presidente Lula, na qual mistura alegações comerciais e políticas. Afirma ser “uma vergonha internacional” o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF).

No documento, Trump defendeu as big techs (como Google, Amazon, Apple, Meta e Microsoft), afirmando que a “Suprema Corte do Brasil emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e INJUSTAS para plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro”.

A medida deve valer a partir de 1º de agosto. Atualmente, o Brasil já paga 10% de tarifas sobre produtos que exporta para os EUA.

No mesmo dia, o presidente Lula respondeu, afirmando que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e que não aceitará ser tutelado por ninguém. Ressaltou, ainda, que o processo judicial contra os acusados de planejar um golpe de Estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça.

No contexto das plataformas digitais, Lula declarou que a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio e que a liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. “Para operar no Brasil, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira.”

Washington vê os Brics não como um clube econômico neutro, mas como uma ameaça estratégica crescente, e o Brasil fundamental para o controle da América Latina pelos EUA. Trump utilizou Bolsonaro e as big techs como pretexto para taxar as exportações brasileiras.

Em 2 de dezembro de 1823, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe (1817-1824), enviou a mensagem anual ao Congresso que tratava da política externa norte-americana, que passou a ser conhecida como “Doutrina Monroe”.  O discurso oficial de Monroe era para que os impérios mundiais da época, principalmente da Europa, deixassem as Américas sob o controle de Washington.

Nas décadas seguintes, essa política foi evocada e adaptada por sucessivos presidentes para garantir a exclusividade dos interesses econômicos e políticos dos EUA no hemisfério ocidental. Em 2025, a retórica da Doutrina Monroe continua, principalmente contra a cooperação entre China e América Latina.

O melhor exemplo é o Corredor Bioceânico, projeto estratégico, criando uma saída alternativa pelo Oceano Pacífico, facilitando o acesso do Brasil e de outros países da América Latina aos mercados asiáticos. Através da Rota Amazônica será possível uma ligação direta e mais rápida para o transporte de mercadorias entre a Ásia e a América Latina, conectando os oceanos Atlântico e Pacífico.

O Brics foi fundado em 2006 pelo Brasil, Rússia, Índia e China, com a África do Sul se juntando a ele em 2011. Em 1º de janeiro de 2024, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos também se tornaram membros, assim como a Indonésia em 6 de janeiro de 2025. São países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.