Ala militar do governo propõe participação do Estado na recuperação da economia

Em ritmo alucinante, o noticiário vindo de Brasília termina a semana com a polêmica saída do ministro da Justiça, Sérgio Moro do Governo Bolsonaro. Estupefato, o brasileiro comum, confinado de pijama e chinelos devido a pandemia do novo coronavírus, acompanha sem saber se terá dinheiro para comer nos próximos dias.

Pelo viés econômico da coluna, ressalto o anúncio do ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, nesta quarta-feira (22), de um novo programa de investimento lançado pela ala militar do governo em conjunto com os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) batizado de Pró-Brasil.

O objetivo, segundo o general, é gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país em resposta aos impactos trazidos pela pandemia do novo coronavírus. O programa reúne ações de todos os ministérios e será coordenado pela Casa Civil.

Braga Netto ressaltou que não se trata de um Plano Marshall – ajuda dos Estados Unidos para Europa no pós- 2ª Guerra -, por ser um programa interno.  Na verdade, lembra mais o New Deal, um plano coordenado pelo Estados Unidos sob o governo do presidente Franklin Delano Roosevelt. A ideia era que o Estado usasse do seu poder para acelerar a aprovação de medidas e de ferramentas de ampliação de gastos, para recuperar a economia norte-americana após a Grande Depressão dos anos 1930.

O New Deal foi influenciado pela teoria econômica de John Maynard Keynes, economista britânico que apontava a necessidade da mediação econômica do Estado para garantir o bem-estar da população. Portanto, totalmente contrário ao liberalismo radical do ministro da Economia Paulo Guedes, que não compareceu na coletiva de imprensa de lançamento do programa.

É digno de nota os nomes dados aos dois eixos de ação no Pró-Brasil: Ordem e Progresso. No eixo Ordem serão contempladas medidas como o aprimoramento do arcabouço normativo, atração de investimentos privados, segurança jurídica, melhoria do ambiente de negócios e mitigação dos impactos socioeconômicos. No eixo Progresso, estão previstos investimentos com obras públicas, custeadas pelo governo federal, e de parcerias com o setor privado.

É o lema do Positivismo. O principal movimento de oposição à República Oligárquica durante a década de 1920 foi o Tenentismo, formado principalmente por oficiais de baixa patente do Exército Brasileiro. Os tenentes lutavam, entre outras reivindicações, contra a perda de um espaço de formação política positivista que havia caracterizado o Exército desde os finais do Império. Os ideais tenentistas acompanharam boa parte dos militares durante todo o século XX.

Não podemos esquecer que em 1974, no governo do general Ernesto Geisel, foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), definido no estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) como uma das mais ousadas iniciativas do nacional‑desenvolvimentismo. O objetivo era enfrentar a crise internacional da época sem levar o país à recessão, definindo uma série de investimentos em setores-chave da economia. Combinava ação do Estado, da iniciativa privada e do capital externo. “Foi capaz de dotar o Brasil de uma cadeia produtiva completa, algo inédito na periferia.”

Até o momento, os generais integrantes do Governo Bolsonaro não tinham demonstrado claramente se apoiavam uma política desenvolvimentista, com participação do Estado, ou o ultraliberalismo do ministro Paulo Guedes, que em uma conferência na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, em Washington, disse que o Brasil estava à venda.

Parte dos empresários e economistas conservadores, mas não da extrema direita, já vinham pedindo ao governo federal a elaboração de um “novo Plano Marshall” para salvar a economia brasileira de um possível colapso.

No entanto, a reação negativa da Globo, de entidades como a LIDE – Grupo de Líderes Empresariais – e o mercado financeiro ao Pró-Brasil foi imediata. Vieram os discursos do déficit primário na casa dos R$ 550 bilhões, equivalente a 7,5% do PIB, pelas perdas de receitas com a recessão e do aumento das despesas para mitigar os efeitos perversos da pandemia. A área econômica do governo apelidou o Plano Pró-Brasil de “Dilma 3” por prever a ampliação do gasto público para a retomada econômica por meio de obras em infraestrutura.

O economista André Lara Resende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, em mais um artigo provocador publicado no jornal Valor Econômico, diz que dogmatismo fiscal não ameaça só a economia: “é hora de parar de repetir chavões anacrônicos e de repensar, senão quem pagará é a democracia.” E acrescenta: “Até os mais empedernidos defensores do equilíbrio fiscal – e no Brasil de hoje eles dão as cartas – reconhecem que diante da crise é preciso que o Estado gaste para evitar uma verdadeira catástrofe humanitária.”

Os defensores do equilíbrio fiscal preferem não lembrar que na Europa, o BCE já sancionou uma expansão monetária superior a 6% do PIB.  A França aprovou gastos de emergência que chegam a mais de 15% do PIB. Talvez o temor do mercado financeiro é que o programa Pró-Brasil tire dinheiro do pagamento dos juros a dívida pública, que chega a 45% do orçamento, que vai para os cofres dos bancos.

Eles esquecem também que, ao contrário de países como Estados Unidos, França e Alemanha, o Brasil já está em estado de calamidade pública há muito tempo, piorando nos últimos cinco anos. O Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) prevê uma “profunda recessão” em 2020, com o desemprego próximo dos 18%.

No Relatório de Riqueza Global, divulgada pelo banco Credit Suisse em 2019, o Brasil foi um dos países do mundo onde mais cresceu o grupo de milionários “ultra-high”, aqueles com riqueza acima de US$ 50 milhões, perdendo apenas para os Estados Unidos. A estimativa do banco é que o 1% mais rico da população brasileira detém 49% de toda a riqueza familiar do país. Quem sabe taxando as grandes fortunas teremos dinheiro para financiar o Pró-Brasil.