Caminhos tortuosos do dólar

Quem garante que o dólar estadunidense continue como moeda de referência no comércio internacional nas próximas décadas? Economistas de peso como Joseph Stiglitz, Nobel de economia e professor da Universidade de Columbia, ressaltam a importância de ter uma nova moeda independente como reserva mundial que tomasse o lugar do dólar. Ela não dependeria do desempenho econômico de nenhum país, provocando em tese mais estabilidade ao sistema monetário internacional.

A participação do dólar estadunidense nas reservas cambiais globais caiu para o menor nível em quase 30 anos, de acordo com o levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a Composição em Moedas das Reservas Cambiais Oficiais (COFER), que corresponde a uma base de dados que contém informações trimestrais de 149 países/jurisdições, representando até 93% das reservas cambiais globais, com a identificação separada em várias moedas.

As estatísticas monitoradas pela instituição sediada em Washington mostram que a participação do dólar nas reservas oficiais caiu 0,85% entre julho e setembro de 2024, e agora está em 57,4% — seu menor nível desde 1995. O FMI não fornece estatísticas para anos anteriores.

O FMI sinalizou a tendência em junho de 2024, quando observou em um blog oficial que o declínio do dólar estava ocorrendo em meio a esforços de diversificação por países ao redor do mundo. Por exemplo, enquanto os dados mostram que a participação do dólar tem caído constantemente nos últimos três trimestres, a participação de moedas “não tradicionais” ganha terreno.

De acordo com dados de setembro de 2024, os países integrantes do bloco econômico BRICS estão agora usando moedas nacionais em 65% dos acordos comerciais mútuos. Em um discurso na cúpula do BRICS em Kazan em outubro de 2024, o presidente russo Vladimir Putin alertou que o uso político do dólar por Washington por meio de sanções e negação de acesso dos países ao sistema financeiro ocidental foi um “grande erro” que os forçará “a procurar outras alternativas, que é o que está acontecendo”.

Títulos chineses em dólar

E agora a China emite títulos em dólar na Arábia Saudita, oferecendo alternativas de investimento para os excedentes financeiros do reino. Essa iniciativa permite que a Arábia Saudita diversifique seus investimentos e reduza a dependência dos mercados financeiros ocidentais.

O Ministério das Finanças da China, com auxílio dos bancos do país, afirmou recentemente que vendeu títulos de dívida denominados em dólar no mercado financeiro de Riad, capital da Arábia Saudita. O valor anunciado da emissão foi de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões), um valor mínimo, que serve mais como teste na região. A emissão foi um sucesso, quase 20 vezes mais subscrita.

Esta foi a primeira transição de título soberano da China emitido e negociado no Oriente Médio. A venda significa que Pequim emitiu uma “dívida externa” em dólares ao invés de emitir “dívida interna” na sua própria moeda, a Renminbi.

Agora, a Arábia Saudita pode utilizar seus petrodólares em um investimento oferecido pelo governo chinês. Dessa forma, eles têm a segurança de manter investimentos em dólar, não em moeda chinesa, mas também estão livres da influência dos Estados Unidos e suas ameaças e sanções.

Embora a escolha da Arábia Saudita seja incomum — Hong Kong, Nova York e Londres são as escolhas tradicionais para as emissões de títulos soberanos denominados em dólares da China — ela marca laços crescentes entre o reino e a China. No início deste ano, a Investcorp, o maior investidor alternativo do Oriente Médio, criou um fundo de US$ 1 bilhão com investidores da China Investment Corp., um fundo soberano chinês. Em 2025, a operadora da bolsa de valores de Hong Kong abrirá um escritório na capital saudita, Riad.

Empresas chinesas estão envolvidas em diversos projetos de infraestrutura na Arábia Saudita, contribuindo para a construção de instalações industriais e de transporte que apoiam a diversificação econômica prevista na Visão 2030 do país, que inclui a construção de uma megacidade que pode exigir mais de um trilhão de dólares.

A Arábia Saudita busca fortalecer a cooperação com a China na indústria verde, reconhecendo a liderança chinesa em tecnologias de energia renovável, veículos elétricos e robótica. O ministro das Finanças saudita, Mohammed Al-Jadaan, destacou a importância dessa parceria para o desenvolvimento sustentável do reino.

Com Global Times, Nikkei Asia e Xinhua