O maior banco comercial da China, Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), processou a primeira liquidação transfronteiriça em yuan no Brasil em sua filial local informou a agência de notícias Xinhua na quarta-feira, 12.
A transação é a primeira desse tipo desde que o banco central da China autorizou o ICBC Brasil a atuar como o banco de compensação do yuan em solo brasileiro, para permitir que as empresas usem diretamente o yuan para acordos comerciais. A China e o Brasil assinaram um memorando de entendimento para introduzir gradualmente o acordo de compensação do yuan.
Empresários chineses disseram que a medida abre caminho para laços comerciais e de investimento mais profundos entre a China e o Brasil, já que os dois países estreitam laços em meio à visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a China.
O presidente honorário da Câmara Geral dos Empresários Chineses no Brasil, Guo Haiping, disse que o procedimento de liquidação em yuan facilitará o comércio e o investimento bilateral e reduzirá os riscos do volátil dólar americano. “O yuan ajuda a reduzir o risco de mercado, bem como reduz os custos de negociação.”
O presidente Lula, definido pelo presidente chinês, Xi Jinping, como “um velho amigo do povo chinês”, começou sua visita de Estado à China em Xangai, na noite de quarta-feira, 12, para a posse de Dilma Rousseff na presidência do NDB, sigla em inglês de Banco de Novo Desenvolvimento, mais conhecido como banco dos Brics (bloco econômico composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os países-membros desse bloco representam 40% da população mundial, um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, cerca de 25 trilhões de dólares.
A música “Novo tempo”, autoria de Ivan Lins, com letra de Vitor Martins, lançada em 1980, executada por uma banda na recepção do presidente Lula por Xi Jinping, na Praça da Paz Celestial, em Pequim, foi de um sensível simbolismo. Há expectativas generalizadas de que as relações China-Brasil entrarão em uma nova fase de “estreitas relações políticas e econômicas”. Sob a liderança estratégica dos dois chefes de estado, China e Brasil, mostram ao mundo um modelo de cooperação Sul-Sul.
No seu primeiro discurso em solo chinês, o presidente Lula sinalizou na direção de um mundo mais plural. Lula disse que os países não precisam ficar sempre atrelados ao dólar nas suas transações internacionais. Que é possível fazer um comércio direto usando as moedas locais, de uma maneira diferente e com muita paciência, uma marca dos chineses. E que o banco tem um potencial transformador para o mundo.
O NDB não tem a participação do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou instituições financeiras de países de fora do grupo. Fato destacado por Lula: “Pela primeira vez, um banco de desenvolvimento de alcance global é estabelecido sem a participação de países desenvolvidos em sua fase inicial. Livre, portanto, das amarras e condicionalidades impostas pelas instituições tradicionais às economias emergentes. E mais, com a possibilidade de financiamento de projetos em moeda local.”
Se o plano vingar, os países terão uma alternativa para driblar as sanções financeiras impostas pelos norte-americanos. Hoje, o governo sancionado não consegue usar o dólar, praticamente inviabilizando qualquer relacionamento com o exterior. Rússia, Coreia do Norte, Cuba, Irã, Síria e Venezuela são países que sofrem com as sanções.
Hegemonia do dólar
A reunião na pequena cidade rural de Bretton Woods, estado de New Hampshire, EUA, em 1º de julho de 1944, quando a Segunda Guerra Mundial encaminhava-se para o seu final, com a vitória dos Aliados, é considerada um marco no processo hegemônico dos Estados Unidos.
A Conferência de Bretton Woods foi um dos mais importantes eventos para consolidação do dólar como a principal moeda da economia. O objetivo ali era revitalizar a economia mundial no pós-guerra. Ou, em outras palavras, reerguer o capitalismo sob o controle dos Estados Unidos. Ficou estabelecido que cada país deveria manter a taxa de câmbio de sua moeda em paridade com o padrão dólar-ouro, com uma margem de manobra de cerca de 1%.
No entanto, poucos lembram que nesta conferência havia inicialmente o projeto de criação de uma moeda internacional neutra, não o dólar, permitindo que os países trocassem mercadoria por mercadoria. A proposta do economista inglês John Keynes era criar o Fundo Monetário Internacional para ser uma espécie de banco central mundial para regular a liquidez, estabelecer a União de Compensações, baseada na moeda bancária internacional sem pátria.
Também estava nos esboços de Keynes o fim do padrão ouro, que para ele provocava recessão e desemprego. Os países que não tinham reservas em ouro suficientes para enfrentar o déficit em suas contas externas só poderiam reduzir suas importações. As perdas em reservas eram compensadas com o encolhimento da moeda nacional em circulação e mesmo a desvalorização unilateral em relação ao dólar. Tudo isso provocava recessão, atingindo principalmente os países periféricos. No entanto, o padrão dólar-ouro foi o que vingou no final da conferência, durando até 1971.
Segundo o economista Celso Furtado, (A Nova Dependência), a suspensão da convertibilidade do dólar em ouro pelos Estados Unidos, em agosto de 1971, veio apressar a transnacionalização do sistema financeiro. A brusca elevação do preço do ouro em todas as moedas e a concomitante depreciação do dólar vis-à-vis de outras moedas conduziram, nos anos subsequentes, a uma inusitada ampliação da massa de reservas monetárias mundiais. Os preços do ouro passaram de US$ 35/onça, em 1972, para mais de US$ 800/onça no início de 1980.
No período 1970-1979 o acréscimo às reservas monetárias foi de US$ 842,8 bilhões, quando no decênio anterior o aumento havia sido de US$ 21,9 bilhões. A grande expansão do valor das reservas ocorridas nos anos 1970 decorreu em cerca de três quartas partes de aumentos no valor do ouro e de flutuações nas taxas de câmbio do dólar.
Os beneficiários desse formidável aumento de reservas criadas, conforme expressão de Furtado, ex-nihilo (do nada) foram exatamente os países que lideraram o processo de transnacionalização, mais particularmente os Estados Unidos. Deixando de lado o ouro, as reservas de crédito totalizavam, em fins de 1979, US$ 350 bilhões, sendo que os países periféricos aparecem como credores na proporção de 44% e como emprestadores de apenas 4%. Enquanto isso, as reservas que detinham os Estados Unidos em outras moedas correspondiam tão somente a 2% do total (menos de US$ 8 bilhões) e as que outros países mantinham em dólares alcançavam 52% (US$ 183 bilhões).
A recuperação do poder do dólar instaurou um novo regime de coordenação da economia mundial e abriu espaço para o comando dos mercados financeiros anglo-saxões sobre as estratégias empresariais, conforme os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, no livro “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo”.
Hoje, é isso que está em jogo, sem esquecer que o dólar americano continua sendo a grande referência de reserva de valor do planeta e segue responsável por mais de 80% das transações globais.
Com as agências de notícias Xinhua, Global Times e Brasil.