O polêmico projeto de construção de um prédio de 41 andares da incorporadora e construtora Melnick no terreno ao lado do Museu Júlio de Castilhos, entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre, foi pauta durante a reunião da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), nesta semana (21/11) na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O proponente foi o vereador Jonas Reis (PT).
A construção enfrenta muitas críticas dos porto-alegrenses porque vai desfigurar um espaço histórico, com vários prédios importantes tombados, contrariando a legislação. O Ministério Público analisa inclusive um pedido de embargo da obra que está em fase de licenciamento.
O vereador Jonas destacou a necessidade de debater o impasse da construção nos arredores do museu, já que prédios com mais de 100 metros são proibidos legalmente de serem construídos. De acordo com ele, no entorno do Museu Júlio de Castilhos, os prédios deveriam ser construídos com no máximo 45 metros. “A construção deste empreendimento burla a legislação que proíbe a construção de prédios altos”, disse. Ele questionou a falta de diálogo com os moradores da rua Duque de Caxias, que estão revoltados com o projeto da Melnick.
Para o representante do Museu Júlio de Castilhos, o tesoureiro Antônio Medeiros, a notícia da construção do prédio trouxe diversos problemas e questionamentos. “A partir daí, tivemos a ideia de abrir uma ação civil pública, para barrar o projeto”, afirmou Medeiros. Porém, segundo o tesoureiro, a prefeitura afirmou que já existia um projeto aprovado e licenciado que permitia a construção do prédio.
“Tivemos que abrir uma nova ação civil pública, que está na entidade federal”, complementou Medeiros. Ele ressaltou que o Ministério Público foi favorável aos dois processos. E destacou que não é contra a construção de prédios e o avanço da cidade, mas que tudo deve ser feito dentro da legalidade.
A presidente da Associação de Moradores do Centro Histórico, Ana Maria, disse que é necessário um encontro com o secretário Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, para que ele esclareça pontos importantes do projeto de construção. Segundo ela, um dos problemas deste tipo de construção na Capital é a descaracterização da cidade. “Nós precisamos continuar lutando,” concluiu.
Em resposta às entidades, a representante da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), Debora da Costa, disse que somente são aprovados projetos que tenham vínculo com a preservação. “As áreas especiais, os bens tombados e o inventário do patrimônio cultural do municipio”. Ela também disse que houve mudanças na legislação que devem ser debatidas e entendidas, para o esclarecimento da questão.
Ficaram como encaminhamentos a possibilidade da instalação de uma Comissão Especial para debater a pauta, um pedido do processo completo do projeto da construção do prédio ao secretário Germano Bremm, além da promoção de um debate sobre as legislações referentes à construção de prédios na cidade de Porto Alegre.
Atualmente, a Melnick tem 20 canteiros de obras em andamento, totalizando 45 torres e mais de 3.600 unidades em construção, segundo a nota distribuída pela assessoria de imprensa.
Plano Diretor fatiado
Para entender o caso do projeto da Melnick na rua Duque de Caxias é preciso voltar no tempo. A Lei Complementar 43, de 21 de julho de 1979, durante a gestão do prefeito Guilherme Socias Villela, trata do desenvolvimento urbano no município de Porto Alegre, institui o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA). Teve como base o programa de reavaliação do plano de 1959, recebendo mais de 200 emendas na Câmara de Vereadores. O Plano Diretor passa a ser revisado a cada 10 anos e o processo inclui elaboração do projeto pelo Executivo, envio para o Legislativo, debate em audiência pública, votação na Câmara e sanção do prefeito.
A gestão do prefeito Alceu Collares (PDT, 1986/89), é marcada pela presença do lobby da construção civil na linha de frente da discussão e redefinição do Plano Diretor. Em 1987, a prefeitura cede e permite alterações que flexibilizam as regras, resultando, por exemplo, em alterações nos índices de aproveitamento. Solo Criado é o termo pelo qual é conhecida a permissão oficial para que um empreendimento possa construir acima do coeficiente (índice construtivo privado) previsto dentro do Plano Diretor de cada região, respeitando limites específicos.
Com o Estatuto das Cidades, em 2001, o governo federal disciplinou a matéria, caracterizando Solo Criado como Outorga Onerosa do Direito de Construir.
A revisão do Plano Diretor a cada 10 anos não acontece em 2019, durante a administração do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). No mesmo ano, a alternativa para construir “mais” no mesmo espaço, a compra de Solo Criado na capital gaúcha, se expandiu quase 19%.
Segundo dados daquele momento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, as construtoras Melnick e Cyrela responderam por 46% do valor negociado com a prefeitura dentro das vendas de Solo Criado. A Macrozona 1, que concentra o Centro Histórico de Porto Alegre, registrou 72% da quantidade efetiva e em andamento de Solo Criado em 2019.
Marchezan não conseguiu se reeleger, mas o novo prefeito Sebastião Melo (2021/2024-MDB) manteve no cargo o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, da administração Marchezan, Germano Bremm. Praticamente continuou com os projetos em andamento na administração de Marchezan na área de planejamento urbano. Depois anunciou que colocaria em discussão o Plano Diretor somente em 2023, o que está acontecendo agora, com os projetos na área já aprovados pela Câmara de Vereadores.
Em novembro de 2021, começou o chamado pelo prefeito Melo de fatiamento do Plano Diretor com o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE 23/21), que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico, aprovado pela Câmara de Vereadores. Para atrair investimentos, o projeto prevê a adoção de novos padrões para o regime urbanístico, com flexibilização nas alturas e no potencial construtivo com a utilização do Solo Criado. Com isso a área construída poderá ser acrescida em até 1.180 mil metros quadrados.
Com agência de notícias da Câmara de Vereadores de Porto Alegre