Enfrentar a pandemia sem teto de gastos

O Brasil passa por uma pandemia devastadora de Covid 19, com explosão de casos, uma economia cambaleante, com o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil estagnado ou em queda desde 2015. Estabelecimentos comerciais fecham aos milhares país afora e, como consequência, falta trabalho para mais de 30 milhões de brasileiros, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Desprezando essa realidade aterradora, o governo federal acabou com o auxílio emergencial em dezembro passado. Segundo a Caixa Econômica Federal, 67,9 milhões de pessoas receberam o benefício — ou seja, 4 em cada 10 brasileiros em idade de trabalhar, principalmente os informais. Até agora, a discussão para retomada foi para definir o valor irrisório das parcelas, que deve variar entre R$ 150 e R$ 375, por três ou quatro meses, dependendo da composição familiar, conforme o ministro da Economia Paulo Guedes.

Somente nesta segunda-feira, 15/3, o Congresso Nacional promulgou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite ao governo federal pagar, em 2021, um novo auxílio emergencial à população mais vulnerável. São CR$ 44 bilhões por fora do teto de gastos, e prevê regras mais rígidas para contenção fiscal, controle de despesas com pessoal e ainda a redução de incentivos tributários a setores da economia.

De acordo com a Emenda Constitucional 109, o valor total gasto com o auxílio poderá até ser maior, mas somente os R$ 44 bilhões poderão ficar de fora do teto de gastos (Emenda Constitucional 95) e da meta de resultado primário (estimada em déficit de R$ 247 bilhões).

A captação de recursos para o auxílio com títulos públicos não precisará seguir a “regra de ouro”, que proíbe o governo de contrair dívidas para o pagamento de folha salarial e manutenção de órgãos públicos e de programas sociais, entre outros compromissos

Já o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou dia 11 de março o plano de resgate para a pandemia de Covid-19 anteriormente sancionado pelo Congresso, no valor de US$ 1,9 trilhão. Trata-se de um dos maiores pacotes de estímulo desde a Grande Depressão da década de 1930.

No sentido inverso, o projeto neoliberal do ministro da Economia Paulo Guedes, de controle fiscal, como o teto de gastos, por exemplo, restringe os gastos públicos como forma de equilibrar as contas da União. Na verdade, o neoliberalismo é uma fachada usada pela mídia corporativa para esconder o verdadeiro sistema implantado no Brasil desde a invasão portuguesa, com o assassinato de milhares de nativos e ocupação de suas terras.

O aumento da fome e desemprego, dando prioridade às exportações primárias, não é novidade no Brasil, que tem uma organização econômica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo. Ainda somos uma grande plantation, um modelo em que se destacam quatro aspectos principais: latifúndio, monocultura, mão-de-obra escrava e produção voltada para o mercado externo.

No momento em que o mercado brasileiro está em frangalhos, com poucas exceções como os exportadores de commodities e produtores de agrotóxicos, economistas Keynesianos entendem que o papel do estado é investir sem o controle do teto de gastos, além de um auxílio emergencial substancial às famílias e liberação de crédito a fundo perdido às empresas, e não o Programa de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe), com o sistema bancário evitando emprestar dinheiro para aqueles em dificuldades. Só assim será possível manter os estabelecimentos fechados até o declínio da pandemia.

O economista britânico John Keynes (1883/1946) defendia uma intervenção reguladora do Estado na economia capitalista. Keynes, com o seu livro clássico “Teoria geral do emprego, dos juros e da moeda”, lançado nos anos 1930, mudou a história da economia.

Em algum momento, para evitar uma tragédia social de proporções inimagináveis, o governo brasileiro vai ter que abandonar as ideias ultrapassadas há mais de 60 anos do economista Milton Friedman, difundidas no livro “Capitalismo e Liberdade”. A crise financeira de 2008, devido a uma bolha imobiliária nos Estados Unidos, considerada por muitos economistas como a pior crise econômica desde a Grande Depressão, sepultou de vez o neoliberalismo, menos no Brasil.