Fatiamento do Plano Diretor de Porto Alegre Parte II

A Lei Complementar 43, de 21 de julho de 1979, durante a gestão do prefeito Guilherme Socias Villela, trata do desenvolvimento urbano no município de Porto Alegre, institui o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA).  Teve como base o programa de reavaliação do plano de 1959,  recebendo mais de 200 emendas na Câmara de Vereadores. O Plano Diretor passa a ser revisado a cada 10 anos e o processo inclui elaboração do projeto pelo Executivo, envio para o Legislativo, debate em audiência pública, votação na Câmara e sanção do prefeito.

Na capital gaúcha isso parou de acontecer em 2019, durante a administração do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Em março de 2019, Marchezan optou por um contrato com o Iclei – que se define como uma rede global de mais de 2.500 governos locais e regionais comprometidos com o desenvolvimento urbano sustentável, liderados pelo presidente do Comitê Executivo Global, o norte-americano Frank Cownie.

Também foi assinado um acordo de cooperação técnica internacional em dezembro de 2019, entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a prefeitura da capital gaúcha e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para apoiar a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. Ao PNUD foi pago R$ 10,9 milhões para coordenar o trabalho. A iniciativa foi desenvolvida ainda em parceria com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat).

Em julho de 2020, Marchezan assinou o decreto 20.655, que criou o Comitê Especial de Monitoramento de Projetos Prioritários (CEMPP). Ficou estabelecido a análise prioritária de processos de licenciamento urbanístico e ambiental, mediante requerimento do interessado, nos seguintes casos: empreendimentos não residenciais com área total construída igual ou superior a 1.000m² (mil metros quadrados) e empreendimentos residenciais com área total construída igual ou superior a 5.000m² (cinco mil metros quadrados).

Antes, em abril de 2019, já havia sido aprovada a Lei Complementar 850, que tratava das alturas dos prédios, sem a revisão do Plano Diretor, como manda a lei. O projeto criou a Outorga Onerosa do Direito de Construir, um novo nome para o Solo Criado, aprovado na administração de Alceu Collares (PDT), 1986/1989), e o Fundo Municipal de Gestão de Território (FMGT), para gerir os valores decorrentes de alienação de Solo Criado de Médio Adensamento e de Solo Criado de Grande Adensamento.

Uma das principais mudanças está na possibilidade de se adquirir, sem licitação, o Solo Criado de “médio adensamento”. Pelo formato anterior, somente o Solo Criado de pequeno adensamento podia ser adquirido junto à prefeitura na modalidade “de balcão”. Agora, o de médio adensamento também pode, desde que exista “estoque de índice” – ou capacidade construtiva excedente – disponível para o terreno em questão.

O decreto 20.327, de agosto de 2019, regulamentou que os recursos provenientes do Solo Criado serão depositados no Fundo Municipal de Gestão de Território, além do Fundo de Habitação de Interesse Social, instrumento de política urbana, criado por Lei Complementar, em 2009, destinado a financiar e a implementar a política habitacional direcionada à população de menor renda.

Ação Civil Pública

A Câmara de Vereadores aprovou a Lei Complementar 850 e o prefeito Marchezan Júnior sancionou. No entanto, o Ministério Público Estadual entendeu que se tratava de uma lei de ocupação de solo. Por isso, deveria ocorrer um amplo processo participativo dos cidadãos porto-alegrenses. O MP entrou com uma ação civil pública, ajuizada em setembro de 2019, requerendo a anulação dos efeitos da lei.

Marchezan não conseguiu se reeleger, mas o novo prefeito Sebastião Melo (2021/2024-MDB) manteve no cargo o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), da administração Marchezan, Germano Bremm.

Segundo Bremm, para evitar uma insegurança jurídica, a administração Sebastião Melo optou por fazer um acordo com o Ministério Público. Foi prometido debates e Audiências Públicas com a população antes de enviar um novo projeto com pequenas modificações para a Câmara de Vereadores. O Ministério Público arquivou a Ação Civil Pública.

Para o secretário, o projeto aprimora especialmente a forma de adquirir o Solo Criado. “Expandimos de médio adensamento, que vai de acima 300m² até 1.000m² para o de grande adensamento, que se refere a áreas maiores que 1.000m²”, acrescentou.

Melo prometeu enviar o projeto de revisão do Plano Diretor à Câmara de Vereadores no segundo semestre de 2023. No entanto, avisou, em entrevista ao site Sul21, que não iria se ater a discussões de altura, como nas revisões anteriores. Até 2023, optou pelo que definiu como fatiamento do Plano Diretor em regiões de Porto Alegre

Em outubro de 2021, Melo sancionou a Lei Complementar 916, alterando a composição do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS).

O artigo 4° definia a composição do Conselho Gestor do FMHIS:

I – 3 (três) representantes governamentais;

II – 3 (três) representantes de entidades de classe; e

III – 3 (três) representantes do movimento popular comunitário.

Em 2021, mudou para:

I – 3 (três) representantes governamentais;

II – 1 (um) representante de entidades de classe;

III – 2 (dois) representantes do movimento popular comunitário.

O que está em jogo
Índice de aproveitamento: Fator que multiplicado pela área do terreno resulta na área edificável do terreno. Determina o quanto você pode construir sem ter que pagar nada. Geralmente o valor dele é 1, isso é, te permite construir o equivalente a área total do terreno. Exemplo: um terreno de mil m2, se tiver o índice de aproveitamento 2, pode construir até dois mil m2, se tiver o máximo de 4 pode construir mais dois mil m2, chegando a 4 mil m2.
Áreas adensáveis e não adensáveis.
A densidade é o aproveitamento da estrutura existente. A adequação do adensamento ao acesso à educação, saúde, lazer, espaços de emprego e consumo. Garantir uma estrutura adequada. Quando não existe esta infraestrutura é preciso qualificar a área para possibilitar o adensamento.
Áreas adensáveis: são aquelas que geram incremento de densidade aos projetos. As áreas das unidades de apartamentos, unidades comerciais, que geram incremento de população.
As áreas não adensáveis não geram incremento de densidade, como áreas de apoio, de circulação, de uso comum.
Outorga Onerosa do Direito de Construir: uma concessão emitida pelo poder público para que o proprietário do imóvel construa acima do coeficiente básico estabelecido mediante o pagamento de uma contrapartida financeira. Com o Estatuto das Cidades, em 2001, o governo federal disciplinou a matéria, caracterizando Solo Criado como Outorga Onerosa do Direito de Construir.
Fundo Municipal de Gestão de Território (FMGT)
De natureza contábil especial, é destinado à arrecadação e à aplicação principalmente de valores decorrentes de alienação de Solo Criado de Médio Adensamento e de Solo Criado de Grande Adensamento.
Comitê Gestor do FMGT
Órgão de caráter deliberativo, atua na gestão das receitas e na destinação dos recursos que integram o Fundo.
Solo Criado
Os cidadãos podem adquirir da Prefeitura o direito de construir acima do coeficiente fixado em lei. O mecanismo tem relação direta com o adensamento, servindo como um indicador das áreas onde a concentração de pessoas será maior.
O Artigo 111 da Lei Complementar 646, de 2010, traz as seguintes tipificações de solo criado:
I – Solo Criado de pequeno adensamento: Potencial construtivo adensável com, no máximo, 300m² (trezentos metros quadrados) por empreendimento, com aquisição direta;
II – Solo Criado não-adensável: Áreas construídas não adensáveis e terá estoque ilimitado, com aquisição direta;
III – Solo Criado de médio adensamento: Potencial construtivo adensável maior que 300m² (trezentos metros quadrados) até 1.000m² (mil metros quadrados) limitado, em qualquer caso, a 30% da área adensável do empreendimento;
IV – Solo Criado de grande adensamento: a aquisição se dá exclusivamente por meio de Licitação junto à Secretaria Municipal da Fazenda e não pode ser solicitado no Portal de Licenciamento.
Fontes: Arquiteta Vanessa Henriques, coordenadora de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Lei Complementar nº 850, de abril de 2019, e Prefeitura de Porto Alegre

Centro Histórico

Em novembro de 2021, começou o chamado fatiamento do Plano Diretor com o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE 23/21), que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico, aprovado pela Câmara de Vereadores.

O principal objetivo do projeto é criar instrumentos legais para recuperação e transformação urbanística do Centro Histórico e atrair novos empreendimentos para a região, especialmente os residenciais. A meta é dobrar o número de moradores no centro.

Para atrair investimentos, o projeto prevê a adoção de novos padrões para o regime urbanístico, com flexibilização nas alturas e no potencial construtivo com a utilização do Solo Criado. Com isso a área construída poderá ser acrescida em até 1.180 mil metros quadrados.

De acordo com a proposta, quem empreender nos três primeiros anos, na área localizada junto à avenida Mauá, Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria, poderá ter a isenção do valor da compra de Solo Criado. Neste eixo, o governo estuda realizar um concurso para projetar a construção de elementos de integração, como passarelas e esplanadas, na divisa com o 4º Distrito, entre as edificações e o Cais Mauá.

Pelo projeto há a previsão de arrecadação com o Solo Criado de cerca de R$ 1,2 bilhão. Os valores poderão ser transformados em contrapartidas destinadas à qualificação dos espaços públicos na própria região. Entre as justificativas para as alterações propostas pela prefeitura está a de que haverá maior liberdade para a mudança de uso de edificações já existentes, como as garagens comerciais, que poderão se transformar em prédios residenciais ou comerciais.

A Prefeitura destaca que o Centro tem, segundo dados do IBGE, 39 mil moradores em uma área de 2,44 km², o que representa uma densidade de cerca de 16.080 habitantes por km². O estudo que originou o programa comparou a região com bairros que a prefeitura considera de perfis parecidos em grandes cidades do mundo, como o Leblon, no Rio de Janeiro, que tem densidade de 24 mil hab/km² e a Recoleta, em Buenos Aires, com 35 mil hab/km².

O programa, conforme a apresentação, estima três cenários de aumento populacional: para 54.630 economias, 66.274 economias e 85.566. Segundo a Prefeitura, os três cenários manteriam o bairro dentro dos padrões de densidade sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas) e da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde).

O secretário Bremm acompanhou a votação do plenário. “O resultado da votação comprova que nosso trabalho está de acordo com o desejo da sociedade. As peculiaridades do Centro Histórico precisam ser respeitadas, com um plano setorial. Assim vamos fazer na revisão do Plano Diretor, considerando as características de cada região para evoluir ao máximo no urbanismo da cidade”, afirmou na época.

Programa +4D

Também no final de 2021, o prefeito Sebastião Melo apresentou na Câmara Municipal, a mais nova proposta para desenvolver o 4º Distrito, que inclui os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos. O Programa +4D propõe a transformação da região, incentivando também a uma maior ocupação. A prefeitura projeta três fases de implementação.

No primeiro trimestre ocorreram as discussões com a comunidade e as discussões nas comissões da Câmara de Vereadores. Após, pode ir para votação a qualquer momento. “O 4º Distrito tem vocação para a inovação e está na hora de virarmos a chave de forma concreta nesta transformação”, disse Melo. Como é uma área muito grande, a recuperação foi pensada ao longo de vários anos, seguindo o exemplo da Orla do Guaíba, onde uma gestão colheu e seguiu o legado da outra.

Para atrair investimentos, o projeto prevê a adoção de novos padrões para o regime urbanístico, com flexibilização nas alturas e no potencial construtivo com a utilização do Solo Criado. Com isso a área construída poderá ser acrescida em até 1.180 mil metros quadrados.

De acordo com a proposta, quem empreender nos três primeiros anos, na área localizada junto à avenida Mauá, Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria, poderá ter a isenção do valor da compra de Solo Criado. Neste eixo, ainda, o governo estuda realizar um concurso para projetar a construção de elementos de integração, como passarelas e esplanadas, na divisa com o 4º Distrito, entre as edificações e o Cais Mauá.

Na norma urbanística, a proposta é descontar em 75% o valor do Solo Criado e em 100% nas áreas prioritárias da região. “O município vai abrir mão de receita para fomentar os investimentos no 4º Distrito”, explicou.

A área prioritária do projeto tem 267 hectares e vai da Estação Farrapos até a Rodoviária. O índice construtivo nessa área pode chegar ao máximo permitido hoje e terá regras diferenciadas de aprovação, desde que cumpra alguns dos 20 itens elencados pelo programa +4D. Quanto mais itens forem contemplados pelo projeto construtivo, maior e mais alto ele poderá ser.

O planejamento contempla quatro pontos com índice livre de construção, os chamados “marcos arquitetônicos”. Nessa região, nas proximidades do aeroporto, Estação Farrapos, Avenida Cairu, antiga sede da Gerdau e Rodoviária, não há limite para construir prédios. “A ideia é criar edifícios icônicos diferenciados no entorno da rodoviária e do aeroporto”, explicou o coordenador do Programa +4D, vice-prefeito Ricardo Gomes.