Indústria e varejo descem ladeira abaixo e os juros, lá em cima

Em 2022, a produção industrial caiu em oito dos 15 locais pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), destacando-se o Pará (-9,1%) e o Espírito Santo (-8,4%). Na média móvel do trimestre terminado em dezembro, houve queda em 10 dos locais pesquisados, frente ao trimestre encerrado em novembro. Frente a dezembro de 2021, houve quedas em 11 dos 15 locais pesquisados.

No acumulado do ano de 2022, frente a 2021, o Rio Grande do Sul ficou estagnado, com crescimento de 1,1%, enquanto o Paraná caiu 4,2% e Santa Catarina, -4,3%. Na série com ajuste sazonal, na passagem de novembro para dezembro de 2022, o Rio Grande do Sul manteve a estagnação, com crescimento de 1,0%, o Paraná teve índice positivo de 3,9%, liderando a Região Sul, e Santa Catarina, 0,7%.

Em 1985, a indústria de transformação representava 36% do PIB. Desde a década de 1990, o Brasil tem sofrido processo de desindustrialização, que se agravou na última década. Em 2021, em plena pandemia, caiu para 11% do PIB.

Neste cenário perturbador, o presidente da FIERGS, Gilberto Porcello Petry, disse, no início de fevereiro, que a ausência de uma âncora fiscal confiável e o acaloramento das discussões com as propostas do governo Lula, que defende a mudança das metas de inflação e critica a independência do Banco Central, explicam a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa Selic em 13,75%. Ou seja, a economia despencando, junto com a indústria, e Petry acha correta a decisão do BC que arrocha o setor produtivo e mantém ganhos fabulosos no mercado financeiro. Pelo menos, ele reconhece que os juros, no patamar atual, oneram muito o capital de giro das empresas e a atividade produtiva.   

O volume de vendas no varejo restrito – que mede a performance do comércio de bens não-duráveis e semi-duráveis – também teve desempenho pior do que o esperado em dezembro de 2022, puxado por hiper e supermercados, alimentos e bebidas. No curto prazo, a tendência é de estagnação. O volume de vendas no varejo restrito teve queda de 2,6% em dezembro ante novembro, na série com ajuste sazonal, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE. Com o desempenho de dezembro, o varejo restrito encerrou 2022 com alta de 1% em volume de vendas. Praticamente estagnado, como em 2021, em plena pandemia, quando teve crescimento de 1,4%.

A economia interna destroçada pelo governo de Jair Bolsonaro tem reflexo no varejo de forma dura. Uma decisão da Justiça de São Paulo decretou a falência da Livraria Cultura, após descumprimento de termos no plano da recuperação judicial da rede. Segundo administradores judiciais da companhia informaram ao jornal Valor Econômico, a inadimplência é de R$ 1,6 milhão e existem relatos de “indícios de fraudes” em movimentações financeiras realizadas pelos sócios. A empresa foi fundada em 1947.

A rede de lojas Marisa, informou a saída do diretor-presidente, Adalberto Santos, e a contratação da BR Partners para assessorá-la no processo de renegociação de seu endividamento financeiro. Parte da pressão financeira na rede refere-se ao vencimento de dívidas de curto prazo, de até um ano, que responde por cerca de 40% da dívida bruta total. São quase R$ 900 milhões de dívida bruta. 

Caso Americanas

A crise da Americanas, rede varejista em recuperação judicial, envolve uma dívida ainda em crescimento. Até o momento, o número oficial é de R$ 47,9 bilhões,   envolvendo “inconsistências contábeis”, que muitos definem como fraude.

A Americanas utilizou o chamado risco sacado, prática comum no varejo brasileiro, que se trata da obtenção de recursos financeiros para o capital de giro da empresa através da antecipação de recebíveis.   A Americanas usou esse formato, com os bancos pagando os fornecedores e a rede jogando para frente a dívida com os bancos. Usava o risco sacado também em dívidas já vencidas. O total  é em torno de R$ 15 bilhões. 

O banco quita o contrato em nome da companhia, no caso Americanas, que passa a dever para o banco com a cobrança de juros. Portanto, isso deveria constar como dívida financeira no balanço. Na prática, nem em conta de fornecedores o valor está contabilizado, provocando uma bonificação  substanciosa aos executivos e acionistas.

A dívida com os cinco maiores bancos,  que pagaram valores a fornecedores que não estão nos balanços,  chega a  R$ 15,2 bilhões. Eles estão incluídos na lista de credores da Classe III, chamados de quirografários, que não possuem garantias reais fornecidas pela empresa, que até agora chega a R$ 42,290 bilhões.  As dívidas da Classe I, que envolvem pendências trabalhistas, somam quase R$ 120 milhões.   E da Classe IV, com micro e pequenas empresas, totaliza pouco mais de R$ 70 milhões.

 A admiração por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, acionistas majoritários da Americanas, donos de 30,13% da companhia, que eram vistos como gestores exemplares, foi para a lata de lixo. 

Lemann é o homem mais rico do Brasil, segundo a última atualização da revista Forbes, em 15 de dezembro do ano passado, com uma fortuna avaliada em R$ 93,3 bilhões. Em terceiro lugar está um dos sócios de Lemann na 3G Capital, Telles, com R$ 47,3 bilhões. Em quarto lugar, o outro sócio, Sicupira, com fortuna de R$ 39,9 bilhões. 

Nesta semana, o trio bilionário foi autorizado pela Justiça a dar andamento a um modelo de financiamento (chamado “DIP, da sigla em inglês), que está sendo  negociado pelo trio de acionistas, com fundos e bancos que não são atuais credores, que pode chegar até R$ 2 bilhões. E a operação será dividida em etapas, que vão integralizar emergencialmente até a totalidade da primeira delas, de R$ 1 bilhão. Já foi divulgado que, para sair da crise, seria preciso que os sócios de referência — Lemann, Telles e Sicupira — colocassem em torno de R$ 15 bilhões na companhia. Esse valor ainda pode aumentar.

Atualmente,  os fornecedores só vendem às Americanas com pagamentos à vista. Fundos imobiliários de shopping ameaçam iniciar uma ação de despejo contra a Americanas, caso a varejista não honre os pagamentos de aluguéis. 

A bolsonarista Riachuelo

Também as ações da Guararapes, controladora da Riachuelo, fecharam em queda, entre as maiores desvalorizações do mercado. O volume financeiro foi de R$ 45,5 milhões. A empresa anunciou o fechamento da sua fábrica em Fortaleza (CE), que emprega cerca de duas mil pessoas. A maior parte desse total deve ser demitida.

Outrora apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, para quem fez campanha, o presidente do Conselho de Administração da Riachuelo, Flávio Rocha, afirma que empresários não devem mais se manifestar sobre política, muito menos declarar voto. Agora, diz ser melhor ficar na moita.