O termo Homem de Davos (Davos Man) foi cunhado pelo cientista político norte-americano Samuel Huntington (1927/2008), que o utilizou pela primeira vez num ensaio em 2004. No texto, Huntington descrevia pessoas que ficaram tão ricas devido à globalização que estavam efetivamente vivendo sem lealdade a nenhuma nação em particular. Ele estava se referindo diretamente a qualquer pessoa que viajasse regularmente para Davos a fim participar do Fórum Econômico Mundial.
O novo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre o Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional 2022 mostra exatamente os resultados dolorosos dessa concentração de riqueza nas mãos de uma minoria no mundo devido a diversos movimentos, como a financeirização das economias ocidentais, iniciados nos anos 1970.
O relatório revela que 22,5% das pessoas na América Latina e no Caribe não têm meios suficientes para acessar uma alimentação saudável. No Caribe, 52% da população foi afetada por esta situação; na América Central esse número chega a 27,8% e na América do Sul, 18,4%.
A publicação informa que 131,3 milhões de pessoas na região não puderam pagar por uma alimentação saudável em 2020. Isso representa um aumento de 8 milhões em relação a 2019, e se deve ao maior custo médio diário deste tipo de alimentação na América Latina e no Caribe, em comparação com o resto do mundo, atingindo o valor de US$ 4,23 no Caribe, seguido da América do Sul e América Central com US$ 3,61 e US$ 3,47, respectivamente.
“Nenhuma política isolada pode fornecer a solução para este problema. É necessário fortalecer os mecanismos de coordenação nacional e regional para responder à fome e à má nutrição”, disse Mario Lubetkin, vice-diretor e Representante Regional da FAO para a América Latina e o Caribe.
“Para contribuir com a acessibilidade de alimentos saudáveis, é preciso criar incentivos para a diversificação da produção de alimentos nutritivos voltados principalmente para a agricultura familiar e pequenos produtores e produtoras; medidas para a transparência dos preços desses alimentos nos mercados e a comercialização; transferências de renda e outras ações como a melhoria dos cardápios escolares”, finalizou Lubetkin.
Nos quatro anos do governo Bolsonaro (2018/2021), a estrutura da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que deveria ter um estoque regulador para evitar a alta dos preços dos produtos no mercado interno, foi praticamente aniquilada.
Além disso, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentou 12 vezes consecutivas a taxa básica de juros, que estava em 2% ao ano em março de 2021 e hoje chegou a 13,75% ao ano. Tudo para controlar a inflação, que continua subindo não pelo consumo, mas pelo descontrole de preços que deveria ser administrado pela União, como os derivados do petróleo e energia.
A inflação é fundamentalmente uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real. A elevação do nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno, conforme escreveu Celso Furtado em seu livro clássico Formação Econômica do Brasil.
Reforma tributária
O 1% mais rico do mundo ficou com quase 2/3 de toda riqueza gerada desde 2020 – cerca de US$ 42 trilhões -, seis vezes mais dinheiro que 90% da população global (7 bilhões de pessoas) conseguiu no mesmo período. E na última década, esse mesmo 1% ficou com cerca de metade de toda riqueza criada. Pela primeira vez em 30 anos, a riqueza extrema e a pobreza extrema cresceram simultaneamente.
Os dados são do novo relatório da Oxfam, “A Sobrevivência do mais rico – por que é preciso tributar os super-ricos agora para combater as desigualdades”, lançado nesta semana (16/1) no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça.
No estudo, a Oxfam defende um amplo e sistêmico aumento na tributação dos super-ricos para recuperar parte dos ganhos obtidos por meio de lucros excessivos durante a crise iniciada em 2020, por conta da pandemia. Décadas de cortes de impostos para os mais ricos e grandes corporações alimentaram as desigualdades no mundo, fazendo com que os mais pobres pagassem mais impostos, proporcionalmente, do que os bilionários.
“Taxar os super-ricos é uma pré-condição estratégica para reduzir as desigualdades e fortalecer a democracia”, afirma Kátia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “O Brasil enfrenta uma das maiores crises orçamentárias da sua história. É fundamental que aqueles que vêm sendo privilegiados há anos passem a dar sua contribuição e assumam a sua responsabilidade na reconstrução do país, fortalecer os serviços públicos e promover sociedades mais saudáveis.”
Um imposto anual sobre a riqueza de até 5% sobre os super-ricos poderia arrecadar US$ 1,7 trilhão por ano, o suficiente para tirar 2 bilhões de pessoas da pobreza; financiar os existentes apelos humanitários pelo mundo; entregar um plano de 10 anos para acabar com a fome no planeta; apoiar os países mais pobres que estão sendo devastados pelos impactos climáticos; e ainda garantir saúde pública global e proteção social para todos que vivem em países com baixa e média rendas. “As pessoas comuns fazem sacrifícios diários para sobreviver, enquanto os super-ricos lucram cada vez mais. Os últimos dois anos, os da pandemia de Covid-19, estão entre os melhores da história para os bilionários. É um acinte!”, afirma Katia Maia.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse esta semana que o governo quer votar no segundo semestre a proposta de reforma tributária voltada sobre a renda. Já a parte centrada nos impactos sobre o consumo deve ser votada no primeiro semestre. Haddad deu as informações ao participar do Fórum Econômico Mundial ao lado da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na mesa Brasil: Um Novo Roteiro.
“A reforma tributária que nós queremos votar no primeiro semestre inclui o imposto sobre o consumo. Mas, no segundo semestre, queremos votar uma reforma tributária sobre a renda para desonerar as camadas mais pobres do imposto e para onerar quem não paga imposto. Vamos reequilibrar o sistema tributário brasileiro para melhorar a distribuição de renda no Brasil”, afirmou o ministro.
A correção da tabela do Imposto de Renda (IR) é um dos pontos centrais na agenda econômica do novo governo e foi promessa de campanha de Lula. A ideia é ampliar a faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. Atualmente, o limite é de R$ 1.903,98. O valor não é atualizado desde 2015.
Com Oxfam Brasil, Nações Unidas e Agência Brasil