Carne bovina está cara? Comam salsichão

Uma reportagem da mídia corporativa sobre o mercado da carne bovina é um bom exemplo de manipulação da informação. A matéria mostra que as exportações do produto cresceram e a consequência foi um aumento no preço interno de 30% no ano passado. Em tempos de pandemia e crise econômica, logicamente o consumo despencou.

Na sequência, um cidadão mostra um espeto com salsichão e diz que agora a carne de seu churrasco é essa ou um franguinho. E esboça um sorriso que pode ser traduzido: Tudo bem, vida que segue. Lembrei da Maria Antonieta, rainha da França, ao sugerir ao povo faminto: “Não tem pão, comam brioches”.

A matéria terminou assim, mas poderia continuar. Afinal, tanto a Constituição brasileira quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos garantem às pessoas o direito a uma alimentação adequada. A carne bovina pode até nem ser a alimentação mais adequada, mas é uma proteína essencial e cultural na dieta dos brasileiros, pois garante boa densidade calórica, sendo excelente fonte de proteína, ferro e diversos outros micronutrientes, e devem ter preços acessíveis ao consumidor, principalmente à população de baixa renda.

Por que a grande maioria da população brasileira está sem acesso à carne bovina, e não reclama? Porque isso é naturalizado pela mídia corporativa há décadas. Em nenhum momento é questionado, por exemplo, a possibilidade de  controle do governo federal sobre o volume de exportações para que a população não seja prejudicada.  Não é inviabilizar as exportações, mas apenas um controle para que o brasileiro tenha acesso ao produto. Estoque regulador.

Não devemos esquecer que os exportadores de carne não pagam Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS); Programa de Formação do Patrimônio (PIS); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), assim como todas as exportações de produtos primários e industrializados semielaborados. Isso está na Lei Kandir, aprovada em 1996. Se o Brasil chegou ao patamar atual, com o título de maior exportador de carne bovina no mundo, muito se deve aos benefícios fiscais concedidos pelo governo brasileiro.

Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) o volume dos embarques de carne bovina do país cresceu 7,5% em 2020 em relação ao ano anterior e a receita aumentou 10,5% na comparação, para US$ 8,4 bilhões. China e Hong Kong, em conjunto, absorveram 58,6% do volume total registrado no ano passado.

De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Abrafrigo, os embarques paulistas somaram 439,9 mil toneladas, ou 21,8% do total (2,016 milhões de toneladas), enquanto os mato-grossenses alcançaram 407,7 mil toneladas, ou 20,2%. O Rio Grande do Sul exportou só 83,5 mil toneladas, 4,1% do total. O solo gaúcho virou um grande campo de soja por todos os lados.

A solução para a redução do consumo do produto no país, que está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado via Projeto de Resolução 121/2019, é conceder ainda mais isenções. O projeto estabelece a redução das alíquotas sobre o ICMS também nas operações interestaduais relativas à carne bovina. A proposta do senador Eduardo Braga (MDB-AM) está com a relatoria da CAE.

De acordo com o texto, essas alíquotas passarão dos atuais 7% e 12%, a depender da origem e do destino das operações, para 3,5%, nas operações realizadas nas regiões Sul e Sudeste destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao estado do Espírito Santo. A alíquota será de 6% nas demais operações.

Esse pouco caso com o mercado interno, com aumento da fome e desemprego, dando prioridade às exportações primárias, não é novidade no Brasil, que tem uma organização econômica histórica presa na transição entre o feudalismo e o mercantilismo. Ainda somos uma grande plantation, um modelo em que se destacam quatro aspectos principais: latifúndio, monocultura, mão-de-obra escrava e produção voltada para o mercado externo.