População será beneficiada com privatização da Corsan?

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou, no final de agosto passado, o Projeto de Lei 211/2021, que autoriza a privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan).  O questionamento mais óbvio é qual o motivo para privatizar a Corsan se, em 2020, obteve receita líquida de R$ 3,2 bilhões e lucro líquido recorrente de R$ 480 milhões, segundo relatório da administração?

A justificativa do governador Eduardo Leite (PSDB) para propor a privatização seria a incapacidade da empresa em cumprir as metas do Marco Legal do Saneamento Básico. A nova lei foi sancionada em 2020 pelo presidente da República Jair Bolsonaro.

A meta do governo federal é alcançar a universalização dos serviços de saneamento básico até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90%, ao tratamento e à coleta de esgoto. Então, a partir de “possíveis metas futuras”, sacadas do bolso do colete, o Marco Legal do Saneamento Básico abre a porta das privatizações.

O Rio Grande do Sul salta na frente e poderá ser o primeiro estado a privatizar a sua companhia de saneamento. Assim, o governador Eduardo Leite fortalece sua imagem de gestor neoliberal, candidato da terceira via à Presidência da República.

No entanto, devido à resistência dos prefeitos, até mesmo da base aliada, e a necessidade de destravar a pauta do Legislativo gaúcho, em 14 de setembro passado foi retirado o regime de urgência do PL 210/2021, que trata da regionalização do saneamento, com a criação da Unidade Regional de Saneamento Básico Central, composta pelos 307 municípios que têm contratos ativos com a Corsan. O plenário aprovou por unanimidade (46 votos favoráveis) o requerimento para retirar o projeto da pauta de votações.

O diretor de Divulgação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS), Rogério Ferraz, explica que, ao contrário do que muitos pensam, a votação do último dia 31 de agosto na Assembleia Legislativa não privatizou a Corsan. “Os deputados não têm este poder. Eles apenas retiraram da Lei Estadual 5.167 um artigo que dizia que o Estado deveria ser sempre o controlador acionário da Companhia. Só quem tem o poder de autorizar a venda total das ações da Companhia, dado pelo Convênio de Cooperação e pelo contrato de Programa, são os prefeitos.”

Unidades regionais

Outro Projeto de Lei que trata do tema continua tramitando: PL 234 /2021, cria unidades regionais de saneamento básico Sul, Nordeste e Noroeste e Litoral Norte, que ainda depende do parecer do relator, deputado Elizandro Sabino (PTB), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa.

A Comissão de Segurança e Serviços Públicos realizou audiência pública na quinta-feira passada (30/9) para debater o posicionamento dos municípios detentores de estruturas próprias para gestão dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgotos diante das propostas de regionalização contidas no Projeto de Lei 234 /2021. Estão envolvidos no projeto 190 municípios não atendidos pela Corsan porque têm empresas próprias de saneamento, ou já privatizaram o serviço, como Uruguaiana e São Gabriel, ou têm o serviço prestado diretamente pela prefeitura ou por uma associação comunitária. O governo do Estado não mandou representantes para participar da audiência.

Ao término do encontro, ficou acertado que a comissão contataria o relator na CCJ, deputado Elizandro Sabino, para tratar dos pontos levantados pelos participantes, como a necessidade de se levar em conta o critério das bacias hidrográficas na definição das unidades regionais, a autonomia dos municípios, a apresentação por parte do governo de um plano estadual de saneamento e a planilha de investimentos previstos em cada município.

O presidente do Sindiágua/RS, Arilson Wünsch, está circulando pelo interior do Estado com o objetivo de esclarecer parlamentares sobre as consequências de uma possível privatização da Corsan. Ele destaca a importância da água, que é um bem comum para os munícipes, e acredita que esta pauta requer muita discussão.

Para o coordenador do Observatório Ondas, um canal de produção e difusão de conhecimento e de atuação política direcionado ao direito à água e ao saneamento, Marcos Elano Montenegro, o estado estaria dando um golpe, pois tomará as decisões pelos municípios.  “Chama a atenção no projeto um esquema de governança que praticamente aliena os municípios da decisão e transfere para o chamado organismo de governança, designação do prestador ou licitação para a escolha de um concessionário. Tudo isso sai do controle do prefeito e vai para organismo de governança.”

O projeto sofreu críticas na audiência como do prefeito de São Leopoldo Ari Vanazi (PT). “Este debate não está claro. Não vem à tona a real intenção do governo do Estado.  Isso vai trazer problemas jurídicos, econômicos, técnicos com municípios que não terão investimentos públicos porque não são viáveis economicamente. Ele acredita que cerca de 200 municípios ficarão sem abastecimento de água.