Entidades e oposição querem auditoria da dívida do RS

A audiência pública da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa, realizada na quarta-feira (18/5), proposta pelo deputado Zé Nunes (PT), debateu o impacto do endividamento público federal na capacidade de investimento público e produtivo do país e do estado do Rio Grande do Sul.

Em 1998, o então governador Antônio Britto (PMDB) assinou um acordo com o governo federal, quando o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões pelo prazo de 30 anos. O Rio Grande do Sul já pagou R$ 37 bilhões e ainda deve mais de R$ 70 bilhões. Uma ação patrocinada pela OAB/RS no Supremo Tribunal Federal discute a ilegalidade dessa cobrança. A bancada do PT/RS na ALRS, o Partido dos Trabalhadores no RS e um conjunto de entidades se somaram a esta iniciativa.

A audiência aconteceu um dia depois da aprovação, com 32 votos favoráveis e 13 contrários, do PLC 48 2022, do Executivo, que tramitou em regime de urgência. O projeto estabelece mecanismos de limitação do gasto público.

Assim, o governo estadual concluiu o processo necessário para efetivar a homologação pela União da adesão do RS ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que suspende por um período de até dez anos o pagamento da dívida do Estado, sob a justificativa de ajustar as contas.

A contrapartida é que o RRF permitirá o congelamento de investimentos em educação, segurança, saúde, assistência e todas as demais áreas de atuação do poder público. Retira a autonomia do Estado e, inclusive, da Assembleia Legislativa sobre orçamento público, delegando decisões como o reajuste de servidores para os gestores do Ministério da Economia.

A partir de agora, o Estado aguarda a manifestação formal da União sobre o plano gaúcho, por meio de três pareceres técnicos. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) informará sobre a capacidade de o plano gaúcho promover o equilíbrio fiscal ao longo dos anos do PRF, ponderando os riscos em sua implementação.

Os deputados contrários ao projeto reclamaram do regime de urgência. Queriam mais tempo para analisá-lo.

Audiência pública

Na abertura da audiência pública, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdeci Oliveira (PT) disse que o debate sobre a dívida pública do RS com a União não pode se esgotar pela vontade apenas do Executivo Estadual. Para ele, o melhor caminho sobre o tema seria a realização de uma auditoria da dívida. “A partir da auditoria poderíamos tratar com profundidade deste tema e não simplesmente acatar aquilo que é definido no projeto neoliberal do governo federal”, acrescentou.

O deputado Zé Nunes destacou alguns pontos centrais do acordo como negativos para o RS. Entre eles: o Estado abrir mão de todas as discussões judiciais sobre os termos da dívida; limitar as possibilidades de investimentos por uma década e a submissão total da gestão estadual a uma junta burocrática financeira do governo federal, que vai tirar a autonomia dos próximos governos. “Vamos eleger governos que estarão parcialmente com as mãos amarradas. Só isso é motivo de que estejamos muito atentos ao que foi aprovado, e o que o Estado está aderindo neste momento”, reforçou.

O professor Hermes Zaneti, autor do livro “O Complô – como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira” (2017), deputado federal constituinte eleito em 1986 pelo então PMDB do Rio Grande do Sul, falou sobre a dívida pública brasileira, explicando a relação das dívidas dos estados com a União.

Zaneti afirmou que um estudo da Secretaria da Fazenda gaúcha sobre a Lei Kandir, atualizado em 2019, fundamenta a extensão do problema. Segundo ele, pelo estudo apresentado, o RS tinha um crédito de R$ 67 bilhões a receber pela Lei Kandir. “Mas o Governo gaúcho de então fez um acordo com o governo Federal renunciando ao valor inicial, sendo ressarcido em apenas R$ 5 bilhões. O que acontece de fato é que aquilo que a União deve, ela não paga aos estados, mas cobra o que não tem direito de receber”, lastimou. Pelas contas do ex-deputado, o RS tem R$ 165 milhões a receber da União, somados os valores da Lei Kandir e dívidas já quitadas.

Depois, ao analisar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, disse que a limitação do teto de gastos, inclusive para investimentos, é um crime. “O que foi decidido aqui na Assembleia é impedir o Regime de Recuperação Fiscal. Como você vai recuperar a capacidade fiscal do Estado, se você impede o investimento? É um contrassenso”, sublinhou. Ao final do seu pronunciamento, Zaneti garantiu que os estados brasileiros, incluindo o RS, não têm mais autonomia. “O que foi aprovado ontem foi a outorga da soberania do estado para três mandaletes, que em nome da União, vão gerir o que eles não sabem gerir lá”, salientou.

No início de 2022, a Comissão Especial sobre a Crise Fiscal e a Reforma Tributária Necessária, da Assembleia Legislativa gaúcha, presidida pelo deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), já apresentava no seu relatório final, um documento com 102 páginas, quatro recomendações: foco em políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento, capazes de fazer o estado crescer e catapultar a receita; um movimento em defesa de uma ampla reforma tributária nacional, que garanta justiça fiscal e distribuição mais equânimes dos recursos entre os entes subnacionais; revisão da Lei Kandir, que, atualmente, isenta de impostos estaduais as commodities primárias, o que repercute em perdas na ordem de R$ 4 bilhões/ano para o RS e um forte questionamento aos valores atuais da dívida gaúcha para com a União. O governo de  Eduardo Leite (PSDB) ignorou o documento.

O deputado Elton Weber (PSB) concordou que nada seja definido antes da revisão dos valores da dívida. Ele lembrou que esta é uma das considerações finais da Comissão Especial que analisou a dívida do Estado. O deputado declarou ainda acreditar que, pelas características dos acordos firmados com a União, a dívida gaúcha não logrará êxito em ser quitada.

Ao final da audiência, o deputado Zé Nunes disse que a Comissão de Economia vai encaminhar documento com a síntese do debate para os candidatos a governador do Estado e presidente da República. Além disso, ele firmou um compromisso de disponibilizar um espaço permanente no Colegiado para a discussão sobre o tema.

 

Com Agência de Notícias da Assembleia Legislativa/RS