Seminário RS Pós-pandemia discute desconstrução dos direitos trabalhistas

Para Magda Biavaschi, a reforma, na sua síntese, trocou as fontes do direito do trabalho por pactos entre desiguais Crédito foto: Joel Vargas/ALRS

 

A quinta edição do seminário RS Pós-pandemia, realizada pela Assembleia Legislativa na semana passada, com a mediação do presidente da ALRS, deputado Gabriel Souza (MDB), teve como tema o trabalho e como a Covid-19 encontrou a classe trabalhadora brasileira no seu momento de maior fragilidade. O mérito do debate foi tratar de um tema que, apesar de sua vital importância, a mídia corporativa evita, por defender a atual política econômica do governo brasileiro, fruto de um liberalismo anacrônico da Universidade de Chicago dos anos 1960.

O debate sobre Marcos Regulatórios nos mais diversos setores se impõe ao Parlamento e às instituições públicas responsáveis pela mediação social entre o capital e o trabalho, reforçaram o professor José Paulo Chahad, da USP; o desembargador Luiz Eduardo Gunther, da Academia Brasileira do Direito do Trabalho; e a desembargadora da Justiça do Trabalho aposentada e pesquisadora do CESIT/Unicamp, Magda Biavaschi.

Segundo Magda Biavaschi, a reforma trabalhista de 2017, fundamentada no princípio da supremacia do negociado sobre o legislado, que avançou no sentido da supremacia do contrato individual, entre “indivíduos livres e iguais”, provocou a desconstrução de um processo lento, difícil, tipicamente brasileiro. O processo iniciou em 1930, simultâneo à industrialização, com avanços e recuos, passando pela CLT, as Juntas de Conciliação e Julgamento, a Justiça do Trabalho, chegando em 1988, na Constituição Cidadã, ampliando direitos para excluídos, como os rurais e domésticos.

Os “ventos liberais”, acrescentou a desembargadora, sopraram forte e a reforma, na sua síntese, trocou as fontes do direito do trabalho por pactos entre desiguais. Ela lembrou o papel da regulação pública e o sistema público de proteção social ao trabalho, onde estão as normas trabalhistas, para advertir que “as plataformas digitais dissolvem as relações sociais, intensificam o trabalho, o que exigirá regulação pública”.

Ela lamentou que a reforma trabalhista, na prática, excluiu 80 milhões de pessoas do mercado de trabalho, sem nenhuma proteção, e dos integrados à força de trabalho, a maioria está na informalidade e outros contratados como autônomos exclusivos, legitimados pela reforma trabalhista.

A desembargadora Magda Biavaschi trouxe elementos do Centro de Estudos do Trabalho da Unicamp e do Observatório dos Impactos da Reforma Trabalhista no mercado de trabalho. Ela resgatou o livro “O Direito Operário”, de 1905, de Evaristo de Moraes, o primeiro consultor do Ministério do Trabalho, criado em 1930. Já naquela época ele percebeu que o Brasil seria um país de capitalismo tardio.

Neste livro Moraes faz uma chamada aos trabalhadores brasileiros: “Trabalhadores uni-vos” para exigir uma regulação pública que proteja o trabalho. Mais de 100 anos atrás, ele escreveu que os economistas clássicos mantêm, contra a evidência dos fatos e no interesse do capitalismo moderno, a crença nas virtudes da liberdade de trabalho, não admitindo regras nem normas legais que fixem as bases do contrato entre empregador e empregado. E continua: “o homem é livre, argumentam eles” – dialogando com os economistas clássicos -, “tem o direito de vender o seu trabalho pelo preço e nas condições que ele desejar”.

No entanto, ressalta Magda Biavaschi, na vida industrial moderna essa liberdade de trabalho só tem gerado opressão e miséria, a exploração do operariado e seu rebaixamento progressivo. “Hoje, já ninguém contesta, o quanto influi a inexorável Lei da Concorrência na remuneração do trabalho operário. Isso basta para desfazer o encanto ilusório da liberdade do trabalho.”

Magda Biavaschi cita também o artigo recente, denominado “Angústias individualistas”, do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que de certa forma, dialoga com essa preocupação de Evaristo de Moraes. “O professor Belluzzo mostra que o capitalismo hoje, esse sistema econômico, social e político, que agora está globalizado, recrudesceu a concorrência e, ao fazê-lo, exacerbou três tendências do capitalismo, que não são novas e estão inscritas no seu DNA: a mercantilização de todas as esferas da vida, em suas múltiplas dimensões; segunda, a universalização da concorrência e, terceira, a concentração do poder econômico e político.”

Para a desembargadora, este Brasil de tempos de capitalismo globalizado, movido pelo seu desejo insaciável de acumulação de riqueza abstrata, busca dissolver todas as relações sociais, em suas múltiplas expressões, e no campo do trabalho as relações salariais. “Ele vai satisfazendo esse desejo onde não há diques suficientes para contê-lo.”

Nessa démarche, conforme Magda Biavaschi, no Brasil, país de resilientes heranças patriarcais e escravocratas, os capitalistas encontraram as condições para se espraiar. Assim, eles sinalizam para caminhos que já se mostraram desastrosos no final do século XIX e início do século XX.

E finaliza: “Isso, nos remete ao cenário de uma Casa Grande de uma sociedade escravocrata e patriarcal, na qual o acesso a cidadania foi sonegado a grande maioria, herança dos tempos coloniais, que acabaram inscritas a ferro e fogo, na nossa estrutura social, econômica e política do Brasil.”

 

Robotização

 

Relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial prevê que, até 2025, a automação e a divisão do trabalho entre humanos e máquinas fecharão 85 milhões de empregos no mundo em empresas de médio e grande porte em 15 setores e 26 economias, incluindo o Brasil.

O professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP, José Paulo Chahad, mostrou o impacto da crise sanitária em todo o planeta, promovendo recessão econômica, alterando as rotinas dos indivíduos, das famílias e do trabalho. Segundo ele, as alterações provocadas no mundo do trabalho, como o trabalho remoto, as tecnologias digitais e o uso intenso da automação, serão de longa duração e irreversíveis.

Ao lado da aceleração da digitalização dos processos de trabalho, outros dois impactos surgem com evidência: o aumento da pobreza e a redução do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Home office, teletrabalho ou trabalho remoto, online ou a distância são nomenclaturas que trazem vantagens e desvantagens para os trabalhadores, como a redução do custo de transporte, proximidade da família e flexibilidade de horário de trabalho, mas a contrapartida exige infraestrutura doméstica, a conciliação com a vida familiar, a redução da sociabilidade laboral”, disse Chahad.

Ele também destacou o avanço irreversível do comércio eletrônico, que na Europa cresceu de duas a cinco vezes mais do que as vendas a varejo, e três quartos desses usuários não pretendem voltar ao modo presencial de compras, “isso requer políticas para disciplinar o comércio eletrônico, e treinamento das pessoas, o que está associado ao futuro das profissões”, observou.

O desembargador Luiz Eduardo Gunther, membro da Academia Brasileira do Direito do Trabalho e da Unicuritiba, afirmou que será necessário a adaptação das empresas e dos serviços, em especial na Justiça, ao trabalho remoto. Apontou questões como o direito à desconexão, “a ideia de que o trabalhador que lida com o teletrabalho precisa ter o respeito a seus intervalos, férias e descanso semanal”, o que nem sempre é observado no trabalho a distância.

Os professores, observou, tiveram aumento de tarefas nesta condição, com exigências de tarefas extras. Por isso advertiu que os contratos de trabalho devem ser claros em relação ao teletrabalho. “Há uma crença de que o trabalhador em home office não está sujeito a fixação de jornada de trabalho e nem mesmo ao controle, mas naturalmente os trabalhadores passam a ser expostos a longas jornadas e devem ter algum tipo de reparação”.

Ao final do evento, o deputado Gabriel Souza informou que, como nas edições anteriores, o tema do seminário também irá nortear a pesquisa de opinião a ser feita pela Casa. Os resultados deverão ser divulgados em coletiva de imprensa após a conclusão do levantamento.

 

Com Agência ALRS