Desmonte da Petrobras continua com liberação da venda de refinarias

O Supremo Tribunal Federal (STF) liberou nesta semana, por 6 votos a 4, a venda de refinarias da Petrobras à iniciativa privada sem necessidade de autorização do Congresso ou licitação. Por maioria, o plenário entendeu que não há ilegalidade na criação proposital de subsidiárias para posterior alienação de seus ativos. Como o julgamento se deu em caráter liminar, o STF deve rediscutir novamente o tema na ocasião da análise de mérito do processo, o que ainda não tem data para ocorrer.

Para o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, a decisão, apesar de ser em caráter liminar, permite que o governo esquarteje não só a Petrobrás como outras estatais, criando subsidiárias para vender o patrimônio público, à revelia do Poder Legislativo.

As Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados encaminharam um pedido ao STF para que a Corte interviesse na criação e venda de subsidiárias de empresas estatais. A prática é questionada como uma “estratégia” do governo federal para privatizar partes dessas empresas sem a participação do Congresso Nacional.

O pedido partiu de um questionamento feito pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Petrobras, ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Para o senador, esses procedimentos não são apenas decisões de gestão que a diretoria da estatal possa tomar sozinha.

“A missão da Petrobras sempre foi abastecer o país de derivados de petróleo. Quando muda a missão da empresa, se ela é estatal, precisa haver a participação dos representantes do povo. É um aspecto de decisão nacional”, disse Jean Paul.

O Senado e a Câmara pedem para ser incluídos como partes interessadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.624, que questiona vários pontos da Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei 13.303, de 2016). Em 2019, o STF decidiu cautelarmente, no âmbito do julgamento da ação, que a venda de subsidiárias de empresas estatais não depende de autorização do Congresso. No entanto, a criação de subsidiárias precisa ser chancelada pelo Congresso.

Acordo Cade-Petrobras

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Petrobras celebram acordo em julho de 2019 para venda de ativos no mercado de gás natural. Em despacho, o presidente do Cade, Alexandre Barreto, ponderou que o Termo de Compromisso endereça os principais problemas estruturais do mercado de gás natural. “O presente acordo amplia o acesso a mais uma importante fonte de insumos relativos ao mercado de gás natural de modo a torná-lo mais atrativo – e menos concentrado –, e de maneira a permitir a entrada, nesse setor crucial da economia brasileira, de novas empresas e de novos investimentos nacionais e internacionais nos parâmetros da regulação vigente.”

O engenheiro Paulo Cesar Ribeiro Lima, ex-consultor da Câmara dos Deputados, durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) disse que Petrobras e o Cade violam a lei brasileira quando, no âmbito de um acordo, determinam a privatização de oito refinarias.

Segundo ele, esse acordo jamais poderia ter sido celebrado. “O acordo prevê que a Petrobras vai criar uma subsidiária para vender as oito refinarias, assim como seus dutos e terminais. É baseado numa decisão recente do STF que permite a venda de subsidiárias. Mas o processo caracteriza-se como uma fraude à Lei das Licitações [Lei 8.666, de 1993], à Lei do Petróleo [Lei 9.478, de 1997] e até à Constituição, que determina que a criação de uma subsidiária está ligada ao exercício de atividades de relevante interesse coletivo. Criar subsidiárias para vender patrimônio é uma fraude ao processo licitatório e ao Congresso Nacional, a quem cabe esse tipo de decisão”, afirmou.

O engenheiro ainda criticou fortemente o Preço de Paridade Internacional (PPI), critério que passou a ser usado pela Petrobras na definição da maior parte dos preços de combustíveis vendidos pela empresa ao consumidor brasileiro. O ex-consultor adverte que, sob o manto do PPI, o que a Petrobras pratica de fato é o preço de paridade de importação, e quem paga a conta é o povo. Outro problema causado pelo PPI é a ociosidade na capacidade local de refino, conforme ele.

“O povo brasileiro paga o preço de paridade de importação do óleo diesel, no QAV [querosene para aviação], no óleo combustível e no GLP [gás de cozinha]. Outra consequência do PPI é que nós poderíamos estar refinando 2,4 milhões de barris por dia, mas estamos refinando só 1,7 milhão (2019). Os critérios da Petrobras estimulam a importação, e nós ainda ficamos com capacidade ociosa. Quase 30% da capacidade das refinarias já está ociosa”, lamentou.

Ribeiro Lima também alerta que a privatização das refinarias deve aumentar o custo de produção dos derivados em quase 70%. Isso porque, além de a Petrobras produzir a um custo menor, as compradoras buscarão compensar o investimento realizado.

Importação de derivados

Um estudo do BNDES informa que a demanda brasileira por derivados de petróleo, em 2017, foi de aproximadamente 2,23 milhões de barris/dia. No entanto, nesse ano, o Brasil produziu apenas cerca de 1,82 milhão de barris/dia de derivados, o que resultou em importação líquida de cerca de 400 mil barris/dia de gasolina, diesel, querosene de aviação (QAV), nafta e gás liquefeito de petróleo (GLP).

A Petrobras executou um vigoroso programa de modernização, ampliação e aumento da eficiência de suas refinarias entre 2002 e 2013. Nesse período, ela investiu R$ 174,8 bilhões em sua área de abastecimento, atingindo, em 2014, um volume recorde de produção de 2,17 milhões de barris/dia de derivados.

A partir de 2015, contudo, o volume produzido foi diminuindo até chegar a 1,8 milhão de barris/dia em 2017, o que, segundo a Petrobras, ocorreu “principalmente em função do aumento da importação por terceiros”. Em 2017, o país importou US$ 9,4 bilhões em derivados de petróleo.

De acordo com as projeções contidas no Plano Decenal de Energia (PDE) – 2026, o Brasil deverá exportar em torno de 2,6 milhões de barris/dia de petróleo cru em 2026. Contudo, caso não sejam realizados novos investimentos na expansão da capacidade de refino do país até lá, isso levaria a um déficit estimado em mais de 370 mil barris/dia de derivados de petróleo, resultando em um impacto de cerca de US$ 9,2 bilhões na balança comercial do país em 2026.