Análise das metas dos programas de Sebastião Melo e Nelson Marquezan Jr. para a Educação

Jorge Barcellos – Historiador, Mestre e Doutor em Educação
As propostas dos candidatos no ciclo de políticas
A abordagem do ciclo de políticas públicas formulada pelo sociólogo inglês Stephen Bown e Richard Bowe é útil para avaliar o teor das metas propostas dos candidatos à eleição para Prefeitura de Porto Alegre no campo da educação. Segundo os autores, as propostas dos candidatos constituem a primeira etapa do ciclo de políticas públicas porque constituem as “intenções” dos candidatos que orientarão a ação da Secretaria Municipal de Educação e demais burocratas encarregados de implementar sua política educacional. No entanto, os próprios autores alertam que tais definições não devem ser rígidas, já que ‘há uma variedade de intenções e disputas que influenciam o processo político”.
Para os autores, segundo a interpretação do Doutor em educação e professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Jeffeson Mainardes, a formulação de políticas públicas de educação não pode excluir totalmente de sua formulação os interesses dos “profissionais que atuam nas escolas” e uma forma de diferenciar as propostas é determinar em que medida eles são envolvidos nas metas das políticas propostas. Para isso, o autor destaca que Bown & Bowe indicam dois tipos de textos comuns para a elaboração de tais programas, apontados por Roland Barthes, o writerly e readerly:
“Um texto readerly (ou prescritivo) limita o envolvimento do leitor ao passo que um texto writerly (ou escrevível) convida o leitor a ser co-autor do texto, encorajando-o a participar mais ativamente na interpretação do texto. Um texto readerly limita a produção de sentidos pelo leitor que assume um papel de “consumidor inerte”. Em contraste, um texto writerly envolve o leitor como co-produtor, como um intérprete criativo. O leitor é convidado a preencher as lacunas do texto. ”
Considerando este ponto de partida, identifico neste artigo os conteúdos e estilos das propostas para compreender o contexto da formulação política educacional dos candidatos Sebastião Melo e Nelson Marquezan Jr em seu contexto, conforme apontam os autores, que  “writerly e readerly podem aparecer de diferentes formas”, podem ser usados ao mesmo tempo em uma proposta, ou emergirem nos estilos adotados pelos candidatos no contexto  eleitoral, podendo ser mais democrático, para angariar votos para depois, em outro contexto, como no exercício do governo, assumirem seu viés autoritário.
Um dos pontos importantes apontado por Mainardes no pensamento de  Bown & Bowe para esta análise é sua reflexão sobre o que eles definem como contexto de influência, isto é, para avaliar metas dos candidatos a prefeito precisamos fazer um exercício para localizar o campo ideológico onde insere-se a proposta eleitoral, o contexto em que um grupo de interesse, seja como partido desafiante ou da continuidade, afirma-se e se movimenta. É esse contexto que define o centro de cada proposta eleitoral em disputa para educação, e isso significa explorar o significado das finalidades sociais da educação e o que significa ser educado como a base real das propostas de políticas educacionais de um candidato. Quer dizer, cada proposta em disputa apresenta metas a serem atingidas que ocultam a concepção de educação e processo de ensino. O discurso do candidato desafiante usa de argumentos mais amplos que o discurso da continuidade para mostrar sua superioridade em relação as propostas do candidato da continuidade nas arenas públicas dos profissionais de ensino enquanto que o discurso do candidato da continuidade usa argumentos que combinam interesses novos e projetos em andamento.
A análise das propostas: neoliberalismo gradual ou radical?
Analisando as metas dos programas de Sebastião Melo (PMDB) e de Nelson Marquezan Jr (PSDB), a que tipos de textos correspondem e que características apresentam suas propostas?
A primeira característica é que ambas propostas são marcadas pela contradição de serem alinhadas a uma visão neoliberal de educação ao mesmo tempo que buscam incorporar reivindicações dos professores em menor grau. Isso significa que compartilham, em menor ou maior grau, de uma proposta que vê como finalidade da educação a necessidade de ser alinhada à formação de mão de obra e veem o objetivo de ser educado na criação de um cidadão subordinado ao sistema capitalista e não crítico. Nos termos dos autores, entretanto, diferenciam-se no uso de argumentos e na intensidade de suas propostas: enquanto o texto da proposta que representa a continuidade é um texto voltado para aprofundar de forma gradual a política em andamento, o texto desafiante usa também de argumentos mais amplos e supostamente democráticos para mostrar sua superioridade, que, no entanto, contradiz-se com outras medidas defendidas no próprio conjunto de metas e termina por constituir-se numa proposta de avanço radical em termos neoliberais.
Isso fica evidenciado na proposta de Sebastião Melo (PMDB) para a educação quando o candidato defende “qualificar o aprendizado nas escolas municipais, com ênfase no ensino de Português e Matemática”. A qualificação é uma política defendida pelos educadores, mas por que estas só estas duas disciplinas ficam em evidência? A resposta é que elas são as mais importantes para o sistema produtivo, enquanto que disciplinas como história, filosofia e sociologia, já objetos de reforma pela PEC do Ensino Médio, de seu próprio partido, são descartadas porque colaboram na formação crítica dos cidadãos.  Adiante, enquanto que o candidato defende que o “foco na qualificação da educação e na acessibilidade são o caminho para um futuro melhor para nossa cidade”, quer dizer, enquanto defende nas metas de acessibilidade na educação, o próprio candidato minimiza este caráter quando foca em disciplinas específicas e não numa grade curricular ampliada, perspectiva que acredita melhor para a conquista de votos. O problema é: qual é a proposta de ensino de qualidade de Sebastião Melo?
A proposta de Marquezan, ao contrário, propõe uma visão democrática de gestão, já que afirma que irá “dialogar com professores e gestores para corrigir os gargalos da educação municipal”, sugerindo, nos termos dos Bown & Bowe, que o candidato se movimenta num contexto político superior, e portanto, mais democrático, mas este objetivo é negado logo adiante, quando no mesmo programa de metas do candidato desafiante, afirma que quer “estruturar o Currículo a partir da definição das habilidades e competências a serem desenvolvidas, criando um padrão de orientação para os professores”. Quer dizer, se propõe a dialogar, mas, adiante, assume o papel autoritário de definidor dos padrões a serem obedecidos pelos professores no seu processo de ensino. Essa estratégia é muito mais perversa do que a do candidato da continuidade porque oculta a face dissimulatória do seu programa, mostra na superfície seu programa foi feito para cativar audiências enquanto impõe no seu interior um processo centralizado, radical e autoritário de gestão.
Entre intenções subjetivas e metas bem definidas
Já a proposta de metas do candidato Sebastião Melo, ainda que compartilhe com Nelson Marquezan Jr o campo da direita, em alguns momentos revela sutis diferenças que podem justificar para o eleitor a escolha entre um e outro. A razão das diferenças entre uma e outra proposta pode ser explicada pelo campo em que se apoia o candidato da continuidade: enquanto Sebastião Melo tem Juliana Brizola, do PDT, um partido ligado visceralmente ao campo da educação, Nelson Marquezan possui Gustavo Paim, do PP, um partido ligado visceralmente à defesa do capital. Repercussões destas posições podem ser encontrada em outra meta presente em ambas propostas, a defesa da bandeira da educação em tempo integral.
A diferença é sutil nos programas dos candidatos, mas merece reflexão.  Enquanto Melo aponta como meta geral “ampliar por meio de novos convênios a escola em tempo integral, que já atinge toda a rede pública, focada no esforço escolar no turno inverso, com atividades como reforço escolar, letramento, artes, esporte, lazer, educação ambiental, inclusão digital, entre outros”, Marquezan divide a mesma meta em duas, ainda que complementares, de “ampliar oferta de educação em tempo integral e de reforço no contraturno escolar” e “oferecer atividades extracurriculares, estimulando a interação com as famílias e a comunidade nas escolas”.  Mas há uma diferença: enquanto Melo define o currículo a partir de uma visão ampliada de educação que inclui, artes, esporte, lazer e educação ambiental, Marquezan silencia quais serão as atividades e não explica como se daria a interação com as famílias e as comunidades, ainda que desejável. Fica a questão em aberto no programa de Marchezan: as atividades seriam voltadas para a formação cidadã ou para o mercado de trabalho? Para Melo, neste aspecto, ao contrário das ênfases que defende em outra meta, indica que formação geral predomina, enquanto Marquezan silencia.
Outra meta proposta pelos candidatos no campo educacional encontra-se nas demandas para o público de 0 a 3 anos. Nesse campo, há uma notável diferença entre as propostas dos candidatos. Enquanto que Melo promete “garantir vagas nas creches para 100% das crianças na faixa de 0 a 3 anos, oferecendo tranquilidade para às mães trabalhadoras”, Marquezan fala em “ampliar o atendimento para crianças de 0 a 3 anos em creches, qualificando e aumentando os convênios”. Observe que enquanto o primeiro apresenta uma meta objetiva, o segundo apresenta uma intenção, mas Marquezan leva vantagem no quesito educação de 4-5 anos, não mencionada nas metas do candidato da situação e defendida por ele, ainda que apenas novamente na forma de intenções de “acelerar o processo de ampliação da oferta de pré-escola, para atendimento da totalidade das crianças de 4 e 5 anos.” A vantagem desta meta termina por ser equilibrada pela contraposta por Melo por outra que não consta do programa de Marquezan, de “aumentar a qualificação dos espaços físicos das escolas, com acessibilidade plena decorrente da inclusão de alunos com necessidades especiais.”Nesse sentido, é uma diferença significativa, já que a inclusão é uma bandeira dos movimentos sociais.
O ponto de conexão: o discurso gerencialista
A segunda característica neoliberal que os programas revelam é a defesa de princípios como competitividade, mérito e eficiência. O objetivo é instaurar um tipo novo de gerencialismo nas escolas, que nos termos da educadora Raewyn Connell (2010) se revela quando “certas competências docentes, como a experiência prévia, são desvalorizadas em prol de práticas gerenciais pouco específicas, como “inovação” e “empreendedorismo”. Entre essas competências está o treinamento para novas tecnologias que emerge nas metas dos programas. Esse elemento aparece nas metas do programa de Sebastião Melo quando o candidato afirma que dará “atenção na formação das pessoas, com treinamento para novas tecnologias”. Essa postura tem repercussão na política de investimentos da escola, pois seleciona os ambientes, no caso o tecnológico, que deverão ser objeto de modernização e oculta que outros espaços podem sofrer abandono, já que afirma que seu objetivo é ”modernizar os espaços tecnológicos das escolas, com laboratórios de informática, lousas interativas, acesso pleno à Internet e incentivo à robótica”.
Outra característica preocupante desta característica que emerge nas propostas dos candidatos é a “cultura de auditoria” que promovem,  nos termos de Connell (2010), onde o centro das políticas educacionais se foca na promoção de avaliações sistemáticas “com especial atenção à produção de dados quantitativos” . Essa filosofia introduz e transforma avaliações escolares em formas de auditorias, isto é, introduz uma cultura de avaliação autoritária caracterizada pela eleição de ”testes nacionais, o ranqueamento de escolas (entendidas como empresas que competem entre si)”. A consequência é que “tanto escolas quanto professores são estratificados a partir da lógica empresarial de profissionais bem ou mal sucedidos em função de seu próprio mérito”.
Essa característica aparece no projeto de Sebastião Melo quando o candidato aponta que seu objetivo é “diminuir a repetência escolar, com melhoria na nota do IDEB. A meta é que a nota seja 6 no ano de 2022, correspondendo à qualidade de ensino dos países desenvolvidos”. Essa estratégia é aprofundada, por outro lado, no programa de Marchezan, quando ele aponta como objetivo “aumentar a frequência e a periodicidade das avaliações, monitorando a evolução dos resultados e garantindo a efetiva aprendizagem dos alunos. ” Ambos candidatos adotam a estratégia neoliberal de controle, seja através da aferição externa, por meio de nota do IDEB, seja por avaliações internas e monitoramento de resultados. Que papel resta ao professor no processo de ensino? Esse gerencialismo é maior no programa de Nelson Marquezan, já que o candidato também opta pela ênfase em “desenvolver programa de formação de professores e gestores”, que dizer, o candidato divide o universo escolar entre aqueles que ministram conteúdos e portanto, obedecem e aqueles que administram e gerenciam, e portanto exercem poder. Fim da gestão democrática de ensino. Não passa pela concepção do candidato Nelson Marquezan Jr que o professor é também um gerente dos seus processos de trabalho, a ideia de autonomia da escola ou que as decisões podem ser democraticamente compartilhadas com os estudantes. Nesse sentido, em termos de políticas educacionais, o projeto de Marquezan é pior que o de Melo porque afeta mais a construção da democracia na escola.
Em ambos projetos, observa-se a ausência notável de metas quanto a valorização profissional dos profissionais de ensino, seja em termos de progressões para professores, valorização salarial, estabelecimento de políticas de formação continuada entre outros, outro indicador notável do caráter neoliberal de ambas propostas.
Avaliando as propostas dos candidatos, apesar de ambos compartilharem uma concepção neoliberal e produtivista em educação, o candidato Sebastião Melo (PMDB) se sai melhor que seu oponente no campo das metas de educação propostas pelas seguintes razões: a) defende a meta de uma escola integral de formação geral enquanto que seu oponente silencia; b) defende a meta de universalização do acesso para crianças de 0 a 3 anos, enquanto seu oponente subjetiva a meta; c) defende a qualificação de espaços escolares com acessibilidade, reivindicação dos educadores e d)reivindica uma cultura da auditoria menor na escola que o projeto de seu oponente, valorizando a autonomia escolar defendida pela escola cidadã.
FONTES:
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas públicas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr. 2006 . Disponível em http://www.cedes.unicamp.br
https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/08/09/as-politicas-neoliberais-na-educacao-um-panorama-geral/
 
 
 
 

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