Coleções do Museu de Ciências Naturais são referências no país e no exterior

Aline mostra alguns exemplares de percevejos/Cleber Dioni

Cleber Dioni Tentardin
As coleções científicas do JB e do MCN são consideradas pelos especialistas o maior acervo de material-testemunho da biodiversidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos do RS. A coleção de insetos, por exemplo, é considerada a melhor do Estado, com cerca de 400 mil exemplares, e está entre as cinco melhores do Brasil, no que diz respeito à conservação e organização.
São elas: Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém; Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus – INPA, ambas vinculadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação; Museu Nacional, que pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro; Museu de Zoologia da USP e Museu de Ciências Naturais, da Fundação Zoobotânica do RS. Estas duas últimas são instituições estaduais.
“As coleções se equivalem pela essência, mas, claro, tem algumas muito antigas, do século 19, como do Museu Nacional (1818), do Goeldi (1861) e da USP, antigo Museu Paulista (1890)”, explica o biólogo Luciano Moura, do Museu de Ciências Naturais.
Luciano é especialista em besouros e divide as atividades com as biólogas Hilda Gastal e Aline Barcellos Prates dos Santos. Os três são curadores da coleção de insetos, cada um responsável por determinados grupos. Ambos respondem pelo Setor de Entomologia, da Seção de Zoologia de Invertebrados do MCN/FZB. Aline e Luciano são taxonomistas, com conhecimento para identificar e descrever novas espécies.

Os pesquisadores e curadores da coleção de insetos acompanham Buckup em visita ao Museu/Cleber Dioni

Hilda trabalha com biomonitoramento, avalia a qualidade de ambientes aquáticos com base nos insetos encontrados. E, seguidamente, participa de feiras de ciências e exposições do museu nas escolas, nas praças e parques.
“Precisamos repassar todo este conhecimento, e não só às crianças, mas aos adultos, que também ficam maravilhados com tudo. Isso fortalece a conscientização ambiental. As pessoas acham, por exemplo, que o louva-deus é venenoso, o que não é verdade, mas acabam matando o animal por desinformação. Confundem cigarra com libélula ou inseto com aquelas listras parecidas com o barbeiro, mas que não causa danos”, explica Hilda, uma das mais antigas da Zoobotânica, com 42 anos de serviço.
Aline é especialista no grupo de insetos chamados de hemípteros, os populares percevejos, fede-fedes, cigarras e barbeiros. Ela ressalta que nenhum museu do mundo conta com especialistas de todos os grupos porque a diversidade é muito grande, sendo que o dos insetos é o maior grupo animal que existe.
Espécie de percevejo

Por isso remetermos material para ser identificado fora do Brasil ou aproveitar o conhecimento de especialistas estrangeiros que visitam a coleção do MCN. Esse intercâmbio é permanente”, completa a pesquisadora.
Aline reitera que o interesse dos estrangeiros em conhecer a coleção de insetos no museu é importante não só pela troca de conhecimento como também pela visibilidade da Fundação.
“Quando os trabalhos são publicados nas revistas científicas, o nome do museu e da Zoobotânica vão estar elencados entre o material examinado, aí a importância de uma coleção. Brecar esse intercâmbio, é retroceder na busca de maior conhecimento da nossa biodiversidade”, adverte. “E o pior é que, além de toda essa fonte de informação ficar inacessível para a comunidade científica, a coleção torna-se obsoleta”, completa.
Arlequim-da-mata, espécie de besouro

Luciano ressalta que o Rio Grande do Sul tem particularidades que atraem muitos pesquisadores de outros estados e países. “É o estado mais meridional do Brasil, com uma diversidade de ambientes, formações vegetais, num espaço relativamente pequeno, o único estado com o bioma Pampa, a região do Espinilho, na Barra do Quaraí, é a única formação savana no Estado, sem falar no clima que é bem diferente. Então, há espécies que só ocorrem aqui”, destaca.
Espécie de besouro Megasoma actaeon, machos (maiores) e fêmeas

Coleção de insetos

Do ponto de vista da infraestrutura, o Museu de Ciências Naturais é uma referência no Brasil, segundo Aline. “Nós temos a melhor estrutura no Estado para abrigarmos coleções, tanto que boa parte dos professores da UFRGS deposita material de estudo no museu”, diz orgulhosa.
Ela lembra que há dois anos receberam uma coleção de insetos de interesse agrícola, do antigo Instituto Borges de Medeiros, que estava na Faculdade de Agronomia. “Essa coleção está sendo recuperada, estamos retirando fungos dos insetos”, afirma.
 
Borboletas papilionídeas da Coleção Mabilde, tombada pelo IPHAN

A pesquisadora entende que as coleções acabam por ser prejudicadas pela falta de cargo de curador na universidade federal. E, entre dar aulas e realizar pesquisas, os professores talvez nem tivessem tempo”.
Dois técnicos dividem as atividades de manutenção da coleção de insetos (controle dos desumidificadores, limpeza de exemplares, confecção de etiquetas, elaboração de planilhas de controle, organização dos laboratórios). Tomaz Aguzzoli, biólogo e técnico agrícola, atende também ao setor das aranhas, escorpiões, ácaros), e a bióloga Caroline Silva, que trabalha com toda a seção da Zoologia de Invertebrados.
Os estudantes também ajudam na conservação das coleções, durante os estágios. Há dois alunos da Biologia da Unilasalle que possuem bolsas de iniciação científica do PIBIC-CNPq, e uma de mestrado, orientada por Aline, na UFRGS.
Retorno institucional
Luciano toca num ponto que comumente é cobrado dos pesquisadores, principalmente os taxonomistas: “Os gestores nos consideram individualistas, reclamam que não damos retorno institucional, mas eles não se dão conta que contribuímos não só com a nossa pesquisa, quando a Fepam exige um laudo técnico da Zoobotânica para o licenciamento ambiental, mas com a infraestrutura, como os equipamentos ópticos adquiridos, que poderá ser aproveitada por gerações”, afirma.
Aline cita os projetos viabilizados pelo CNPq: “Reunimos pesquisadores de invertebrados, especialistas em moluscos, aranhas e insetos, fizemos em 2004 o projeto na Mata Atlântica, em Maquiné, um estudo de invertebrados em copas de árvores, e outro, em 2008, naquelas áreas de arenização do Pampa, em São Francisco de Assis.”
Variação de cores de besouros da Família Chrysomelidae

A pesquisadora ressalta ainda a demanda de trabalhos de pesquisa da SEMA e Fepam, que chegam até a Fundação Zoobotânica, e o apoio que seguidamente o seu setor presta ao Centro de Informações Toxicológicas, sobre os mais variados insetos.
“E tem pessoas que vêm aqui nos trazer insetos porque ficaram assustadas ao encontrar dentro de casa, no berço do filho, então a gente também dá esse retorno imediato”, diz Aline.
Uma vida dedicada à Zoobotânica
Hilda Gastal é uma das funcionárias mais antigas na FZB. É pesquisadora há 42 anos. Ingressou em 1975. Era estagiária em 1969 na entomologia, com as professoras Jocélia Grazia e Miriam Becker. O museu era na avenida Mauá, esquina da Carlos Chagas, onde funcionava também a Fepam. Dali, mudou para o prédio da antiga Mesbla e, da Mesbla, o museu foi transferido para o Jardim Botânico.
Hilda mostra exemplares usados em feiras escolares e em parques/Cleber Dioni

Fez mestrado na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Estudou uma mosca que parasita o percevejo que, por sua vez, era a praga das plantações de couve. A mosca depositava o ovo em cima do percevejo e a forma jovem se desenvolvia dentro para se alimentar.
Ao retornar ao Rio Grande, Hilda foi contratada pela Fundação Zoobotânica. Entre seus trabalhos, destaca os estudos realizados na Braskem, na época Copesul, onde fez o biomonitoramento de invertebrados aquáticos no Rio Caí e no Arroio Bom Jardim, que recebe efluentes do Polo Petroquímico.
“Meu primeiro e único emprego, uma vida inteira dedicada. Como vou pra casa sabendo que querem acabar com a Fundação, me dá uma tristeza só de pensar nisso”, diz, com lágrimas nos olhos.
“O primeiro dia aqui foi o mais feliz da minha vida”
Aline completou neste mês de julho 15 anos de Zoobotânica. Ingressou via concurso em 2002 e, hoje, concilia as pesquisas no museu com aulas do curso de pós-graduação em Biologia, na Universidade Federal.
Aline identifica novas espécies de percevejos/Cleber Dioni

Teve como orientadora durante toda sua formação a professora Jocélia Grazia, do Departamento de Zoologia da Ufrgs, e servidora do Museu, hoje aposentada. Jocélia, por sua vez, foi discípula do professor Ludwig Buckup, pioneiro da coleção de entomologia e um dos fundadores do MCN.
Aline ingressou em 1982 na Ufrgs, mas mestrado e doutorado concluiu na Universidade Federal do Paraná, que possui curso específico de pós em entomologia. De volta à capital gaúcha, trabalhou na Ong UPAN – União Protetora do Ambiente Natural, de São Leopoldo, como professora substituta na Ufgrs e, em projetos, contratada por uma empresa terceirizada, quando teve a oportunidade de atuar no programa do Pró-Guaíba, de 1998 a 2000. Aí foi aprovada nos concursos da Fepam e FZB em 2001, sendo chamada no ano seguinte.
“Eu posso dizer que o primeiro dia em que subi a lomba do Jardim Botânico, como funcionária concursada, foi o dia mais feliz da minha vida. Porque eu já havia sido chamada para assumir na Fepam, mas não consegui ficar tão feliz como eu imaginava que iria estar na Zoobotânica”, revela. E completa: Temos que achar uma saída para preservar todo este conhecimento acumulado aqui. Ainda mantemos a chama acesa principalmente porque amamos o que fazemos e pelas gerações de estudantes que ainda poderão passar por esta instituição, que tem profissionais dentre os mais preparados no país, assim como as coleções estão entre as melhores.”
Único no Estado habilitado a descrever espécies de besouro
Luciano trabalha com os besouros, que integram a ordem Coleóptera, simplesmente a que possui maior número de espécies dentre todos os seres vivos — cerca de 400 mil. E detalhe: no estado, ele é o único especialista com conhecimento suficiente para descrever espécies novas.
Luciano mostra que a produção científica inclui desenhos fiés das espécies

 
Besouro Macrodontia cervicornis

Apesar de ser o funcionário concursado mais novo dentre os colegas do seu setor – ingressou em 2014 -, há mais de trinta anos desenvolve estudos na Fundação Zoobotânica, primeiro como aluno/bolsista de Iniciação Científica, depois nas pesquisas para os cursos de mestrado na PUCRS e doutorado na Ufrgs. A maior parte de sua formação profissional foi dada pela professora Maria Helena Galileo, que também era pesquisadora da FZB.
“Eu nem imaginava que iria trabalhar com besouros, na verdade, nem pensava em ser biólogo, na minha adolescência eu só queria saber de aviação, mas hoje estou aqui graças aos professores e pesquisadores da Zoobotânica e espero poder ajudar na formação de muitos outros estudantes”, conclui.

Deixe uma resposta