“Estamos promovendo este evento porque até agora não vimos este debate acontecer aqui dentro da faculdade”.
Com esta frase, a estudante Marina Gulart deu início ao debate “revitalização pra quem?”, na noite de terça-feira, 29, na Faculdade de Arquitetura da UFRGS.
O evento pretende ser inicio de um debate sobre o futuro do cais dentro da faculdade de arquitetura. Estavam presentes cerca de 70 estudantes, além de professores e integrantes do grupo Cais Mauá de Todos.
A iniciativa partiu do Escritório Modelo Albano Volkmer, projeto de extensão da universidade, que desenvolve projetos arquitetônicos junto a comunidades pobres.
Marina, que é integrante do Emav, defendeu a importância de reunir pensamentos divergentes em torno do debate, “para não ficarmos nós falando para nós mesmos” e reconheceu essa carência na composição da mesa.
Marina, que é paranaense e veio para Porto Alegre para estudar, disse ver uma “cidade cheia de cortes, porque não se tem uma gestão coesa, não se tem continuidade.”
Pelo Cais Mauá de Todos, falaram a advogada Jacqueline Custódio e o arquiteto Cristiano Kunze. Jacqueline falou da complexidade do processo, por envolver as três esferas de poder: a área é federal, o contrato foi assinado pelo governo do estado e os estudos de viabilidade da obra acontecem no âmbito municipal.
A advogada fez um breve apanhado das questões jurídicas envolvendo o projeto de revitalização, que motivou a abertura de quatro inquérito no Ministério Público Estadual, ações na Justiça estadual e federal além de uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado.
Ela utilizou uma comparação com uma obra em casa para expor a situação atual da revitalização: “A pessoa que eu contratei para a obra não é a que vai entrar na minha casa, o prazo já não é aquele, o projeto mudou e a máquina que só aquela empresa tinha, já não tem mais.”
Para Cristiano Kunze, o consórcio vendeu o projeto se utilizando de exemplos inadequados, como o do Puerto Madero, em Buenos Aires, e o do porto de Barcelona. “Foram mais de 70 projetos inscritos para o Puerto Madero, aqui só tivemos um. E em Barcelona tem shopping sim, mas o porto é muito maior que o nosso e o shopping, menos da metade.”
Kunze criticou a estagnação da área. “Se não tem nada lá no cais, não é culpa de quem é contra, mas de uma série de irregularidades”.
Modelo atual impede gestão participativa
Para Leandro Andrade, professor da Faculdade de Arquitetura, a concessão tem tantos problema jurídicos que resta pouco a dizer sobre o projeto em si, que, segundo ele, é muito mal feito. “Sou professor de urbanismo há 28 anos e olhando os projetos dá vontade de se esconder embaixo da mesa. Acho que esses caras seriam reprovados aqui na faculdade.”
Leandro defendeu que “não existe projeto sem gestão” e que “Barcelona, que é um exemplo muito usado, só começou a fazer projeto para o porto depois de anos de discussão e planejamento.”
O professor defendeu ainda que Porto Alegre tem um pensamento crítico acumulado desde a década de 1980 sobre o que fazer com a área do Cais Mauá. “Temos um conjunto de ideias que precisa ser resgatado” Para o professor, o modelo utilizado, com o lançamento de um plano de negócio antes do projeto, impede uma gestão participativa.
O outro representante da faculdade na mesa foi o professor João Rovati. Ele recordou o contexto da moda da sua juventude para defender que o projeto é ultrapassado. “Quando eu era jovem, morava no interior e a calça da moda era a Faroeste. Eu comprei uma e vim para Porto Alegre, quando cheguei aqui, a moda já era a Topec. E assim foram passando as marcas da moda, Faroeste, Topec, Lee, Levi’s.” E Comparou: “Este projeto do Cais é uma calça Topec quando a moda já é Levi’s”
João Rovati defendeu também a importância de se construir um debate amplo, para se chegar a uma solução para a área que agrade a maior diversidade de opiniões possível. “Tem gente que gosta do projeto do atual, por exemplo.”
O desafio é ampliar o debate
O debate foi aberto para colocações dos estudantes presentes entre as falas dos integrantes da mesa. A estudante Bruna Chiesa criticou o exemplo de Buenos Aires, frequente nos debates sobre o Cais Mauá, seja pelos favoráveis ou pelos contrários ao projeto. “Fui ao Puerto Madero e, mesmo sendo uma pessoa privilegiada, não tinha dinheiro para jantar lá. Enquanto um parque, por exemplo, é uma solução que serve para toda a população.”
Isabel Perez manifestou um “desconsolo” e catalizou o que parece ser o sentimento comum dos cidadãos que tem se envolvido nos debates sobre a revitalização do Cais Mauá. “Estamos todos de acordo e mesmo assim acontece o que está acontecendo. O que fazer?”
Para uma construção plural do projeto do cais, Isabel defendeu a importância de se entrar em contato com gente de opinião diferente e de se ter a capacidade de mudar de ideia.
Outra estudante fez uma crítica à ideia de que shopping centers são locais de acesso público. “É só lembrarmos dos rolezinhos, que aconteceram em São Paulo. Se eles não quiserem que alguém entre, eles colocam os seguranças na porta e não entra”
Rafael Passos, vice-presidente do IAB, defendeu que não se crie um projeto alternativa ao que aí está. “O projeto é ruim porque foi feito a portas fechadas. Por que um projeto nosso feito a porta fechadas seria melhor que o deles?”Passos defende que se faça um grande debate que abranja o máximo de opiniões possível. “E só depois se faz a licitação.”
O vereador Marcelo Sgarbossa (PT) integrou o coro e criticou o “nós falando para nós mesmos”. Ele citou o exemplo da articulação que possibilitou a aprovação do seu projeto que criou a lei municipal que impede empresas doadoras de campanha de prestarem serviços à prefeitura. “Só conseguimos virar o jogo e aprovar o projeto quando fomos conversar com os adversários políticos e com veículos de imprensa que eram contrários. Teve gente que veio me dizer: ‘olha, Sgarbossa, discordo de ti e não gosto do teu partido, mas o projeto é bom, vou votar a favor.”