Nei Duclós

Nei Duclós

Nei Duclós (Uruguaiana, RS, 1948) estreou como poeta pregando poemas em cartolina nas árvores das praças de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, junto a outros autores da mesma geração. Mesmo sob o ambiente opressivo do regime militar, lançou seu primeiro livro, Outubro, em 1976. Em 1979, foi a vez de No Meio da Rua, apresentando a seguir No Mar, Veremos (2001), assim como Partimos de Manhã, em 2012, todos de poesia. Publicou como romancista, como autor de literatura juvenil, de livro de contos e crônicas. Trabalhou em veículos de comunicação como Folha de S. Paulo, IstoÉ, Senhor e foi colaborador de Veja e Estadão com resenhas de livros. É formado em História pela USP desde 1998. Nos últimos anos, lançou vários e-books de poesia, contos e crônicas, e participa com ensaios, artigos, contos, crônicas e poesia nas mídias sociais. Publica poemas e contos na revista virtual Sagarana, editada em italiano. Teve poemas traduzidos para o inglês na revista novaiorquina Rattapalax. Participou de diversas antologias.
 
Carta ao companheiro exilado
Aqui, o sol obstinado
ainda banha a folhagem
a chuva nos visita
e deixa o arco-íris quando parte
As cores da saudade
abriram a palma
de nossa mão pálida
e a vontade de buscar-te
soltou-se como um raio
Descobrimos que era muito tarde
Agora, que a madrugada se acaba
e o sol nos dá na cara
não sabemos o que fazer
com esta ressaca
Batem nas portas e revistam roupas e pacotes
Estamos na praia do naufrágio
Do mar vieram boiando coisas mortas
entre elas
nossos sonhos e emboscadas
 
Cais
O passageiro não perde a vez de partir
e parte
pois é tarde
Este cais apodreceu as cordas
que soltam a sua carne
Os bares silenciam
a memória é uma cadeira que ringe
como um cofre de vime
(o que passou não é sonho
é desafio)
De pé, a mão na vista
ele toca o horizonte com a saliva
Sua boca guarda um aviso
(o tempo é um susto, uma víbora)
 
Apesar de tudo
Apesar de tudo
sou teimoso
e vivo
sou teimoso e visto
a pele dos soldados mortos
Neste carrossel de espanto
que carrego dentro dos olhos
toco melodias
que me ressuscitam
Levanto com esforço
as âncoras e parto nas naus sem volta
do meu canto
E sempre tenho que mudar as velas
arrebentadas de vento
com remendos colhidos
dos violentos panos do tempo
O tempo é novo
e eu tenho a mania insone
de rebentar em pranto
Mas sou teimoso e insisto
sou teimoso e visto
a pele dos soldados mortos
 
Outubro
Trago a nova: eu mudo
lento, e é tudo
Sinto ser assim
por estações: aos turnos
Posso voltar
ao ponto de partida
mas luto
Sei que vem outubro
Flores, fruto de seiva
romperão no mundo
(Trabalho duro:
sugar de pedras
rasgar os caules
colher ar puro)
Lento e bruto
eu mudo
Sei que vem
outubro
 
Toca
e os meus mortos
quem chora
os milhares que caem
enquanto passo?
o exílio, quem paga
e a tortura, seu fruto
quem devora?
somos herdeiros
da vida amarga e da morte
as prisões cobrem
o canto dos escravos
com a mão no horizonte
os bravos aguardam
breve
sairemos da toca

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