Protestos

Jorge Barcellos – Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Mantém a coluna Democracia e Política, do Jornal O Estado de Direito. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). É colaborador dos jornais Estado de Direito, Sul21, Zero Hora, Le Monde Diplomatique Brasil, Lamula (Peru) e Sapo (Portugal) e Medium (EUA).
Vivemos uma era de protestos. Neste mês, professores, servidores públicos e operadores do aplicativo Uber fizeram protestos no Ginásio Gigantinho, na capital. Mas como funcionam? Como se organizam? Como escolhem suas pautas?
O tema é objeto de “Protesto, uma introdução aos movimentos sociais”, (Zahar,2016), de autoria de James M. Jasper. “Governos são sempre atraentes como alvos de protestos”, afirma o autor e a ideia não poderia ser mais adequada ao momento brasileiro. A obra se apresenta como um manual sobre a dinâmica dos movimentos sociais, mas é mais do que isso. Jaspers é professor de sociologia no Centro de Pós-graduação da City Univesity of New York, uma das mais prestigiadas dos EUA, e o ex-estudante de economia de Harvard descobriu em seus estudos que os movimentos sociais queriam saber como poderiam serem melhores estrategistas. Então, a partir dos anos 2000, começou a cruzar leituras de diplomacia, relações internacionais, teoria dos jogos e dos conflitos e se propôs o desafio de criar uma alternativa cultural e institucional a teoria dos jogos. Autor de obras como A arte do protesto moral, Leitura dos movimentos sociais, Contexto de leitura, Politica Apaixonada , O Dilema da Identidade (tradução livre), Protesto é sua primeira obra publicada no Brasil.
A atualidade do tema é evidente. Com a instalação do governo provisório de Michel Temer, estamos vivenciando uma nova onda de protestos como os de 2012 e junho de 2013 de norte a sul do país. Jaspers cita-os logo de partida em seu estudo: ”Em (tais) conflitos políticos, cada ator reage a outros atores, numa cadeia sem fim de interações e inovações estratégicas”. Sua preocupação é identificar os elementos dos protestos contra decisões dos governos e aponta que, no Brasil, foi característico o fato de que diversos movimentos de protesto confluíram entre si contra a fórmula neoliberal que distribui pouco para os pobres “Este é o cerne da democracia: o Estado trabalha para si mesmo ou para o povo?” questiona Jarspes que vê nas obras da Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016) o símbolo de um governo mais preocupado “com suas conexões internacionais do que com o povo”.
Surpreende o grau de detalhamento das características dos movimentos sociais por todo o mundo que o autor detém. Do movimento Occupy à Primavera Àrabe, dos protestos na Bulgária ao caso brasileiro, Jaspers recupera com vivacidade o movimento de organização social em cada pais. Seus dados chegam até março de 2016 com os novos protestos que sacudiram o o pais contra a corrupção e a descrição das posições contra e a favor do impeachment da presidente Dilma “O protesto nunca vai terminar, a menos que, por milagre, o mundo se transforme num lugar perfeito. Até lá, os manifestantes serão aqueles que vão apontar os problemas e exigir sua solução”.
A renovação de seu estudo deve-se ao fato de concentrar-se menos em estruturas de base e mais nas pessoas, nos indivíduos, suas interações, sentimentos e entendimentos. Ao tornar vívidos os choques morais, a vergonha e os dilemas dos movimentos sociais, sua principal conclusão é, contrariando as teorias clássicas da política, de que os movimentos sociais em sua natureza, expectativas, decisões e práticas são integrantes da cultura e suas ações “baseiam-se no modo como entendemos o mundo, em nossos esforços para persuadir outras pessoas, nos sentimentos gerados pelas interações”. A crítica do autor é contra a teoria dos jogos, modelo de origem matemática tornado célebre pelo filme Uma mente brilhante, na qual procura-se determinar as razões das decisões de atores em interação.
A obra é composta de oito capítulos que tratam dos movimentos sociais, seus significados, infraestrutura, formas de recrutamento e sustentação e sua capacidade de decisão e de envolvimento de outros atores. Jaspers observa que os manifestantes mudam seus repertórios por meio de interações com outros atores pois o objetivo é sempre surpreender e inovar. Estruturas sociais não tem motivos para mudar, o choque é inevitável e as arenas politicas estão sempre em mudança. A descoberta de Jaspers é que toda tática tem implicações morais: “Grupos não violentos não adotariam a violência mesmo se isso garantisse a vitória; grupos da classe trabalhadora sentem-se mais confortáveis marchando juntos num piquete do que fazendo lobby”. Para o autor, a questão é que diferentes pessoas tem diferentes inclinações táticas e por esta razão, é rara a inovação nas estratégias de ação.
Um dos pontos curiosos da obra é o destaque para o caráter de divertimento que assumem as reuniões dos movimentos sociais “Muita coisa acontece também nos encontros fora do palco. Pode-se paquerar, flertar, seduzir ou sair de lá com uma namorada. Se as reuniões fossem tediosas, não haveria movimentos sociais”. O ponto é sempre a cultura de grupo mobilizada pelos protestos, e nesse sentido, a análise do autor assemelha-se mais a uma versão política das propostas sociológicas de Michel Mafessoli, especialmente de “O Tempo das Tribos”.
Boa parte da importância do livro advém da redução do papel dado às teorias da escolha racional. Neste campo, o processo de tomada de decisão é baseado no cálculo racional “em que todos se sentam numa sala e debatem as melhores opções”. Para o autor esta explicação não é suficiente, o ponto de Jasper é que sempre os atores levam consigo suas emoções, concordam mais com pessoas de que gostam e confiam e discordam daquelas que as desagradam. Cultivam rancor, possuem momentos de boa disposição, convivem com sentimentos de admiração, amor e inveja. Seu aprendizado nunca é apenas racional, mas acontece de forma intuitiva, o que significa, a capacidade de pensar com rapidez e de forma inconsciente ”Os repórteres estão perdendo o interesse? Faça alguma coisa que nunca tenham visto”, afirma.
Todo protesto é um misto de cálculos e emoções e por isto é sempre complicado quando os atores tem muitas expectativas no campo social. A política é justamente isso, a capacidade de criar um campo de negociação entre atores em disputa, não vencem e nem perdem tudo, isto é, não conseguem realizar tudo o que desejam mas conseguem alguma coisa, podem afetar a opinião pública e auxiliar na mudança das visões de mundo. Para Jaspers, o protesto está em toda parte, entranhando a democracia, dos direitos humanos às formas de cultura, movimentos sociais fazem cultura, fazem futuro, dão expressão a inspirações. A grandeza dos movimentos sociais está na capacidade de fazer emergir uma só voz, mas é sempre frágil e nem todos os movimentos são bons, como provou o fascismo. Sua grandeza está em responder afirmativamente a questão de “como as pessoas podem confiar uma nas outras e colocar projetos coletivos acima de seus interesses pessoais e familiares”?
A lição de Jaspers é que protestos dependem de redes sociais e mídias para exercerem pressão sobre políticos e autoridades e obtém vitórias e derrotas em arenas diferentes. Agências governamentais podem manter diferentes relações com atores de protestos mas a principal espaço de manobra para os protestos é que o próprio Estado, raramente é um ator unificado e sim um conjunto de atores secundários muitas vezes em confronto. E com isto com que contam os movimentos sociais para fazerem vitoriosos seus protestos.

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