A chuva parecia ter espantado as pessoas de duas filas de vacinação contra o Covid-19 no centro de Porto Alegre, na sexta-feira.
Até às 14 horas, havia movimento grande na unidade da Panvel, na Andradas com a Uruguai, credenciada pela Secretaria Municipal Saúde (SMS) para aplicar a segunda dose da “Pfizer” nos grupos prioritários.
Depois, desfez-se a cena das pessoas tomando chuva no calçadão.
No posto Santa Marta próximo ao cais – não estava muito diferente até às 16h, sem fila e poucas pessoas se vacinando.
Aos poucos, porém, uma nova fila começa a se formar num canto dentro do posto. Era a fila da “xepa”.
A “xepa” da vacinação é o restante de um frasco de imunizante, que não pode ser mais guardado. No caso da vacina da Pfizer, a validade de cada garrafinha “aberta” são seis horas.
Então, ao fim do horário de atendimento prioritário, havendo doses excedentes, se distribui às pessoas dessa fila. O critério é sempre de idade, do mais velho ao mais novo. A SMS diz que as unidades de vacinação evitam as “sobras”. Eventualmente acontecem. Há relatos que na quinta-feira sobraram vinte doses no Santa Marta.
A fila da “xepa” tinha quatro pessoas dentro da unidade, até o meioda tarde. De repente teve que se estender para a rua, sob a chuva. Os seguranças terceirizados orientam, as pessoas se alinham junto ao prédio. Ali chove menos.
Todos munidos de guarda chuva, identidade e comprovante de residência na Capital. Gente bem vestida, com idade dos trinta aos sessenta.
Muita gente têm dúvidas sobre a xepa: “Não tem senha?”… “Quantas doses tem?”.
Sem senha, sem categoria, sem gênero. O critério é idade: “chamaremos os mais velhos primeiro”, avisa a funcionária.
A informação das doses excedentes só saiu depois das 17h. A fila tem quase 40 pessoas.
Sete comtemplados. São chamadas as pessoas até os 57 anos e fecha a lista,
A fila solta aquel “aaaah”, decepcionado e começa a se dispersar. Alguns ainda mantém esperança ( “Vai que sobra, né?”) e permanecem na porta do estabelecimento.
Um senhor grisalho cisma com duas mulheres que ficaram no lado de dentro da Unidade. Pressiona um dos seguranças: “Só vou embora quando tu colocar elas na rua”. Outras duas mulheres que estavam do lado de fora apoiaram a pressão.
Anoitecia quando as pessoas contempladas com a “xepa” da vacina começaram a saír, uma à uma. Nem comemoração, nem grito, nem protesto. Todo mundo de algum modo cientes da situação.
Paulo Iser, servidor municipal, de 59 anos, foi o primeiro vacinado. Era sua segunda tentativa de pegar a “xepa”. Ficou sabendo por colegas que conseguiram se vacinar assim. Diz que “é uma espécie de humilhação”, pegar uma sobra. “É sempre assustador passar pela fila e é um constragimento olhar pessoas que ficaram”.
Iser permaneceu no local aguardando a esposa Ana Lucia Basso Pompeu, 58, que também se vacinou, ambos depois de uma primeira tentativa no Posto Modelo. Contam que perderam amigo servidor da prefeitura também na mesma idade de Paulo: “Essa situação (de sobra de vacina) não pode ser normalizada. Tem quer ter vacina pra todo mundo logo”.
Portão fechado. Quase todo mundo foi embora. Servidora e vigilantes alegam muito cansaço em lidar com as pessoas aflitas pela sua vez na vacinação. Ninguém quer ser fotografado. As pessoas que trabalham no Santa Marta só querem que o dia acabe logo. Ainda há contagem e ronda a fazer.
Na porta com tapumes surgem as duas mulheres que ficaram dentro do prédio e levantaram suspeitas. Uma delas, a a advogada Júlia Scheirr, 26 anos, explica. Estavam na busca da vacina na xepa também. Devido ao critério, viram cedo que não seriam contempladas. Ficaram dentro do posto aguardando uma carona, pois Júlia estava sentido cólicas e não queria ficar na rua. Nada mais que isso.