Autonomia do Banco Central: a “boiada” começa a passar na Câmara

A Câmara dos Deputados vota nesta quarta-feira o projeto que confere autonomia ao Banco Central.

É o primeiro projeto de interesse do presidente Jair Bolsonaro que o deputado Artur Lira colocou em pauta, em regime de urgência.

A urgência do projeto foi aprovada na terça (9.fev.2021), o que permite ir a votação sem passar pelas comissões da Câmara. O projeto estava lá desde 2019. A urgência foi aprovada por 363 votos a 109.

Autonomia significa que o presidente da República passará a escolher o presidente do BC no meio de seu mandato e não poderá demiti-lo.  o escolhido ficará na presidência do BC por quatro anos.

A ideia do projeto é blindar o Banco Central de interferências políticas. É uma antiga reivindicação do setor financeiro.

Uma das justificativas é o que aconteceu no período de Dilma Rousseff, quando o Banco Central era presidido por Alexandre Tombini. A ex-presidente pressionou o BC para reduzir a Selic em abril de 2013, que recuou para 7,25% ao ano.

Essa decisão teria sido a causa  das condições financeiras e, posteriormente, recessão. A taxa chegou aos 14,25% ao ano em julho de 2015.

A principal atribuição do Banco Central é controlar a inflação. A ferramenta usada é a taxa de juros paga pelo governo a quem lhe empresta dinheiro, a Selic, atualmente em 2% ao ano. Trata-se do menor patamar da história.

Quando os juros sobem, o crédito fica mais caro e o consumo diminui. Isso reduz a demanda e, consequentemente, segura a alta dos preços.

Além do presidente do Banco Central, também haverá mandatos de quatro anos para as oito diretorias existentes na estrutura.

O Banco Central se torna uma autarquia de natureza especial, e perde o vínculo com o Ministério da Economia. Terá autonomia financeira, técnica e operacional, se o projeto for aprovado.

O projeto já foi votado no Senado e aprovado em novembro do ano passado. Se os deputados não fizerem nenhuma alteração, não precisará de nova análise dos senadores.

O relator do texto na Câmara, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), deve sugerir a aprovação sem mudanças.

O projeto de autonomia do Banco Central é discutido há décadas.

Ao colocá-lo em pauta, Arthur Lira (PP-AL) atende a um pedido do Palácio do Planalto, que apoiou sua eleição para a Câmara no início de fevereiro.

Os partidos de esquerda são contra a autonomia. Dizem que o Banco Central será entregue a banqueiros, potencializando a alta dos juros.

De acordo com o texto em análise, o objetivo fundamental do BC é “assegurar a estabilidade de preços”.

O projeto também estabelece que, sem prejuízo do 1º item, a autoridade monetária tem que “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.

O estratégia de Bolsonaro, depois de aprovada a proposta,  é reconduzir o atual presidente do BC,  Roberto Campos Neto, que, então, ficará no cargo até o fim de 2024, no meio do mandato do próximo presidente da República. Poderá ser nomeado mais uma vez por quem estiver no Palácio do Planalto nessa época.

Na América Latina, o Chile e a Argentina aprovaram a autonomia antes de 2000. Controle da inflação e estabilidade do sistema financeiro são as funções principais do Banco Central.

Muitos acreditam que o Banco Central hoje já é autônomo, apesar de isso não estar determinado formalmente, pois ele possui liberdade para estabelecer a Selic sem maiores ingerências do governo federal.

Uma pesquisa que comparou níveis de autonomia de 25 países desenvolvidos e em desenvolvimento,  mostrou o Brasil em sétimo lugar, melhor colocado que países como Itália, Austrália e Canadá.

Aumento da desigualdade

Um dos críticos mais severos do projeto é o senador José Serra, do PSDB, que é economista. Segundo ele, a mudança tende a aumentar a desigualdade no país.

“A proposta é moralmente perversa e deve ser rejeitada, pois a independência política de um Banco Central aumenta a já enorme distância que separa ricos e pobres”, disse Serra quando o projeto foi votado no Senado.

Serra cita um estudo do Banco Mundial sobre o  impacto da independência dos bancos centrais  sobre a desigualdade: “Os estudiosos demonstraram a existência de correlação entre a independência do Banco Central e a concentração de renda”.

Eles chegaram a três conclusões:

1) A independência dos Bancos Centrais limita o alcance da política fiscal, o que limita a capacidade de um governo para distribuir recursos.

2) Incentiva a desregulamentação irresponsável dos mercados financeiros, beneficiando os investidores em bolsa, na medida em que infla os valores dos ativos negociados no mercado.

3) Promove indiretamente políticas que enfraquecem o poder de negociação dos trabalhadores, com o objetivo de conter pressões inflacionárias.

“A autonomia política do Banco Central, diz Serra, é uma pauta que inundou os países industrializados na década de 1970, com o objetivo de tornar mais efetivo o controle das taxas de juros.  Depois da crise financeira de 2008, o cenário mudou.  Os bancos  centrais  modernos estão atuando  na política monetária em coordenação com a política fiscal, injetando dinheiro para aquecer a economia”.

“A discussão sobre projetos para garantir independência política para o BC está completamente fora de hora”, diz Serra.

“O Brasil vive uma pandemia das mais graves da história, com hospitais do SUS abarrotados de pessoas infectadas pelo coronavírus. Em algumas localidades, faltam balões de oxigênio para manter pessoas respirando. E o novo presidente  da Câmara resolve mostrar serviço, tentando aprovar uma das reformas menos relevantes para o enfrentamento da crise”, diz o senador tucano.

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