GERALDO HASSE
O confronto entre o governo e o Congresso sobre a aplicação de recursos orçamentários está viciado e restrito a debates em torno de questões periféricas e verbas menores – por exemplo, os R$ 50 bilhões pretendidos por deputados para emendas, uma merreca perto de outras verbas gigantescas votadas para o atendimento de carências populares e o suprimento de necessidades nacionais.
Do Orçamento de R$ 5,9 trilhões aprovado em março para o ano fiscal de 2025, destacam-se as seguintes rubricas:
-R$ 972 bilhões para a Previdência
-R$ 788 bilhões para pagamento dos servidores federais (valor estimado com base na despesa de R$ 262 bilhões no primeiro quadrimestre deste ano)
-R$ 245 bilhões para a Saúde Pública
-R$ 226 bilhões para a Educação Pública
-R$ 158 bilhões para o Bolsa Família (ou, seja, para o combate à pobreza extrema na base da pirâmide social)
-R$ 133 bilhões para a Defesa
-R$ 133 bilhões para o Judiciário
-R$ 116 bilhões para a Segurança Pública
-R$ 113 bilhões para Benefícios de Prestação Continuada (que proporciona uma renda mensal a desvalidos)
-R$ 57 bilhões para o PAC (obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento)
-R$ 53 bilhões para o pagamento de precatórios judiciais
Numa soma por alto, já temos aí cerca de R$ 3 trilhões, mas os gastos federais não ficam só nisso. A União é obrigada a transferir para estados e municípios partes substanciais de suas receitas.
Há ainda as despesas extraordinárias decorrentes de emergências, como as enchentes. O presidente se vê obrigado a ajudar e, para tanto, precisa fazer mudanças na ordem dos fluxos financeiros.
A única coisa que ele não pode mudar – ou não quer fazer, ou teme fazê-lo – é mexer nos pagamentos de juros e amortizações da Dívida Pública Federal, que custa anualmente muito mais do que o país aplica em educação, saúde e segurança. É um valor extra-orçamento, quase dois trilhões de reais em 2024.
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida
E a Dívida não para de crescer. Está na casa dos R$ 10 trilhões, mais do que o nosso Produto Interno Bruto.
E qual a solução para tamanho descalabro? Baixar os juros, dizem alguns. De fato, a taxa Selic fixada pelo Banco Central está em 15% ao ano. Descontada a inflação de 5,5%, temos aí um juro real acima de 9%.
Quem tem capital disponível prefere aplicar antes em títulos da Dívida, nunca em investimentos produtivos, geradores de renda, empregos e tributos.
O Brasil é literalmente um dos maiores cassinos de jogos garantidos pelo governo.
Até alguns meses atrás, dizia-se que a culpa dos juros altos era do Roberto Campos Neto, geralmente citado como conchavado com os bancos, que operam com os títulos da Dívida.
Então Lula nomeou Gabriel Galípolo, certo de que o galo cantaria a musiquinha do PT, mas o cara continua atento à voz de comando do mercado financeiro.
Ele preside o BC, mas não decide sozinho. O comitê de política monetária é formado por oito outros especialistas em finanças.
Lula é tido como manietado pelo mercado financeiro, cujos gurus, como o economista Arminio Fraga, chegaram ao desplante de sugerir o congelamento do salário mínimo por seis anos, para que algumas rúbricas orçamentárias (previdência, por exemplo) não sigam aumentando junto com o crescimento da economia.
A falta de sensibilidade social dos financistas agride a maioria absoluta dos brasileiros.
Por que ninguém sugere ou banca uma medida drástica que onere os credores da Dívida? Num raciocínio simples, em vez de atingir os milhões de pessoas que ganham o mínimo, por que não reduzir os ganhos bilionários de investidores & especuladores?
É uma medida que pode ser tomada com diplomacia ou no tranco. Geralmente, quem dá um murro na mesa obtém descontos. Principalmente se tiver a habilidade de combinar antes com os russos ou os chineses, ou com ambos, para desfrutar de certa segurança na retaguarda.
É certo que não dá para ir levando o assunto em banho-maria. Não é de duvidar que Lula tenha crédito e habilidade para fazer o gesto histórico. Basta que tenha coragem.
Gráfico da Auditoria Cidadã da Dívida: Em 2024, o Brasil pagou R$ 1,997 trilhão de juros e amortizações da dívida pública, quase 43% do total de despesas da União.