Guilherme Simões: “Periferia tem que ir para o centro da política urbana”

Sociólogo Guilherme Simões, Secretário Nacional de Políticas para Territórios Periféricos. Foto: EBC/JoEdson Alves.

A Agência Brasil publica extensa entrevista com Guilherme Simões,  que assumiu a recém criada Secretaria Nacional para Territórios Periféricos, uma das cinco secretarias que compõem o Ministério das Cidades, extinta durante o governo Bolsonaro.

Militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) desde 2005, Guilherme Simões  vê na secretaria “uma confluência das formulações de urbanistas e arquitetos, com os interesses dos movimentos que atuam nas periferias”. “Essa é a demanda que Lula ao criar essa secretaria”, diz.

A secretaria deve tratar da urbanização das favelas e da prevenção de riscos, como enchentes e deslizamentos de terra. Questões que Simões pretende abordar tanto de forma emergencial, como estratégica, de longo prazo.

“O que a gente tem observado nesses anos todos é que os territórios periféricos ficaram abandonados e estão desmobilizados”, avalia.

Nascido no Grajaú, na zona Sul da capital paulista, Simões se aproximou da luta por moradia quando o MTST fez uma ocupação no bairro. “Vim de uma família muito pobre e tive muita dificuldade para sobreviver mesmo, para ter comida na mesa, para morar. E isso, para além de ser um problema real, concreto, sempre me mobilizou muito, sempre mexeu muito comigo”, conta.

Para ele, a falta de moradia digna, que afeta milhões de famílias no país, está diretamente ligada ao histórico escravagista do Brasil.

No movimento por moradia, Simões ajudou a expandir a atuação do MTST para além de São Paulo. “Hoje, o movimento está atuante em 14 estados”, enfatiza sobre o processo que coordenou.

Formado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista, fez mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com uma dissertação sobre o processo de urbanização do país a partir da obra do dramaturgo Plínio Marcos.

Agora, como integrante do governo federal, espera estabelecer uma relação construtiva com os movimentos sociais. “Há uma convicção profunda de que estamos no caminho certo com o movimento social tendo voz, e o governo afinado com as pautas do movimento social”, afirma.

Simões espera, inclusive, que parte das soluções para os problemas das favelas e comunidades periféricas venha dos próprios territórios. “Tem muita gente que enxerga a periferia como se fosse um território de abandono, de ausência. Mas, a periferia é também um território de muita potência, de muita dinâmica”, diz.

Confira os principais trechos da entrevista concedida pelo secretário à Agência Brasil:

Como você começou a militar no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)?
-Conheci esse movimento em uma ocupação em 2005 na região sul de São Paulo, que é a região onde uma parte da minha família vive. Desde então, passei a atuar no movimento, a contribuir internamente na ocupação, a ajudar, e a partir de então não saí mais do movimento. Desde então, eu ajudei a organizar novas ocupações e também contribuí no processo de nacionalização do movimento. Hoje, o movimento está atuante em 14 estados e eu tive, durante alguns anos, a tarefa interna de coordenar esse processo. A minha trajetória no movimento está relacionada diretamente à minha origem social. Sou nascido no bairro do Grajaú, em São Paulo. Vivo lá até hoje.

As duas pautas, moradia e questão racial – estão interligadas?
-Estão interligadas na medida em que a população negra é a que mais precisa de moradia. Assim como a população negra população está desassistida de direitos básicos e é a mais vitimada pela violência do Estado. Então, a luta por moradia no nosso país, sem dúvida, tem um viés antirracista.

A Secretaria é uma estrutura completamente nova no governo. Quais são seus planos?

-Qual o objetivo da secretaria? É buscar fazer com que a periferia esteja no centro da política urbana do nosso país. Tendo em vista que a gente tem milhões de pessoas vivendo nas periferias, em condições precárias – para não dizer outra coisa –, é fundamental que o país tenha políticas específicas, destine investimentos a partir dessa vulnerabilidade.

A secretaria tem duas atribuições: a urbanização de favelas e de assentamentos precários e também a gestão e prevenção de riscos e desastres, que está diretamente ligada à Secretaria de Defesa Civil. São duas coisas que se relacionam, mas que têm equipes próprias para tratar dos temas.

Então, tem três coisas que estamos pensando: retomar as obras de urbanização que ficaram paradas ou, com investimentos a conta-gotas, ficaram dependendo de emenda parlamentar esse tempo todo. Esse é um desafio do ontem.

O segundo desafio é construir uma estratégia de longo prazo, voltar a ter um projeto para as periferias, de urbanização e de prevenção. O que a gente tem observado nesses anos todos é que os territórios periféricos ficaram abandonados e estão desmobilizados.

Um terceiro ponto fundamental será a articulação dos territórios periféricos em torno do que esses territórios já constroem autonomamente. Tem muita gente que enxerga a periferia como se fosse um território de abandono, de ausência. Mas, a periferia é também um território de muita potência, de muita dinâmica.
Tem grupos culturais, coletivos políticos, movimentos sociais e associações comunitárias. A periferia auto-organiza soluções que muitas vezes não têm nenhum estímulo por parte do Estado.

Como o movimento social e o pensamento do urbanismo podem se ajudar mútuamente? 
Felizmente existe um grupo muito diverso, mais progressista, que pensa política urbana. Esse grupo que constituiu o Ministério das Cidades 20 anos atrás. É com esse grupo que os movimentos sociais vêm dialogando nesses últimos anos. Se você pensar no Estatuto das Cidades, na criação de vários desses movimentos urbanos, nós estamos falando de três ou quatro décadas de diálogo permanente.

A secretaria não se envolve com a construção de moradias. Como vai funcionar a relação com as áreas do governo que lidam com essa questão?
-Tem uma relação muito forte a produção habitacional com o processo de urbanização. Nós vamos ter que fazer esse esforço. Vou procurar o Secretário Nacional de Habitação. Mas há um parêntese aqui: o Ministério [das Cidades] está em processo de formação. Visto que ele está sendo recriado, nós estamos nesse momento de formação das equipes e das secretarias. Então, tem que ter uma paciência histórica.

Mas tem que procurar, sim. Já tenho conversado com alguns servidores para entender a relação entre as obras de habitação e de urbanização. Onde que a gente tem que se juntar. Agora, o que está evidente para nós é que o Minha Casa, Minha Vida será uma das prioridades do governo já a partir deste ano. E, sendo um programa do Ministério das Cidades, sem dúvida que os processos de urbanização, as intervenções do ministério nas comunidades, nas periferias, serão necessárias. Não se faz produção habitacional sem urbanização.

Você vem do movimento social, mas agora está no governo. Você tem medo das cobranças?
-Não tenho medo, não. O movimento social tem que exercer o papel de movimento social. Por seis anos, os governos tentaram calar os movimentos, criminalizar os movimentos, tentando tratar os movimentos como caso de polícia.  Não há medo! Há uma convicção profunda de que estamos no caminho certo com o movimento social tendo voz e o governo afinado com as pautas do movimento social.

Há recursos para fazer os projetos emergenciais de redução de riscos nas periferias?
A gente está tomando parte da situação, e estamos muito preocupados. A transição, além de organizar um plano de governo para esse primeiro ano, teve que brigar para que houvesse uma PEC [Proposta de Emenda Constitucional] para que pudesse pagar o que o Bolsonaro não tinha empenhado de recursos para este ano. Ali, ficou claro que todas as áreas, todos ministérios vão sair no prejuízo, no sentido que estamos pagando uma conta, herdando um legado terrível, em que certamente o investimento ideal não vai ser possível.

Também por esse esforço que foi feito da transição, da articulação do governo, vamos ter recursos disponíveis para lidar com obras paradas, para fazer o básico. Este ano, o orçamento para as obras de urbanização está em torno de R$ 500 milhões. É um orçamento que parece grande, mas é bastante limitado se pensar em um país como Brasil e as necessidades que existem.

O “Minha Casa, Minha Vida” tinha uma modalidade em que as obras eram realizadas por entidades da sociedade civil. Podemos pensar em uma linha parecida também para as obras de gestão de riscos e urbanização?
Essa, sem dúvida, é uma das linhas que vamos defender, de que formas podemos ter parcerias com entidades que tenham a capacidade, porque é algo que precisa obedecer determinados critérios. A ideia não é só que a gente aumente o “Minha Casa, Minha Vida”, mas também na nossa secretaria, na urbanização e prevenção de riscos, para que a gente consiga ajudar as entidades territoriais a gerir obras e mitigar os problemas nos territórios. Essa é uma coisa que já estamos determinando para a equipe: como conseguir fazer isso pelo Fundo de Desenvolvimento Social ou outras formas de executar o orçamento. Mas com a convicção de que só o governo não vai dar conta dos desafios.

Parceria com o setor privado, com grandes empresas, também são uma opção?
-A gente está entendendo ainda o funcionamento da máquina, o ministério ainda está em processo de formação. Alguns secretários sequer foram nomeados. A gente está muito alinhado com o que o presidente Lula e também o ministro [das Cidades] Jader [Filho] colocam. A partir dessa relação – uma relação hierárquica –, é que a gente vai agir. E nós precisamos priorizar os territórios periféricos na política urbana. Se houver entendimento de outros setores de que isso é uma prioridade e pode haver investimentos públicos, nós vamos sentar e dialogar de uma forma que não comprometa as instituições e a relação do governo com os territórios.
(Da Agência Brasil)

Um comentário em “Guilherme Simões: “Periferia tem que ir para o centro da política urbana””

  1. Quando eu era jovem, dava-se o nome de “grileiro” àqueles que tentavam roubar terras. E àqueles que diziam que a população negra é a que mais precisa de moradia, e portanto, seriam esses os principais beneficiados, o pessoal costumava dar o nome à esse tipo de comportamento como “racista”. Mas isso era no tempo em que gente honesta trabalhava, poupava e investia.

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