O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (PMDB) tem uma batata bem quente nas mãos. Tão quente que pode chamuscar a tão acalentada reeleição em 2024.
Não é só o escândalo dos livros e materiais didáticos e esportivos, comprados e empilhados em depósitos e escolas.
São R$ 73 milhões comprados em sete meses, conforme as reportagens do GDI, às pressas, sem planejamento para a utilização ou distribuição.
Para isso Melo tem uma estratégia, bem sucedida até agora: reduzir tudo a um caso típico de “desperdício do dinheiro público”.
Quer dizer: está tudo certo com as compras, o problema é de logística, uma falha de gestão, localizada e prontamente corrigida.
Nesse propósito, o prefeito foi diligente. Determinou uma “rigorosa auditoria”, apresentou um relatório preliminar em que reconhece os fatos. Em seguida obteve a saída da Secretária Sonia da Rosa, “para que as investigações sejam feitas com toda a transparência” e colocou no cargo da Educação o vice-prefeito, Ricardo Gomes.
A saída da Secretária de Educação, no domingo, foi noticiada com tanto tato, que o texto do GDI diz “a saída de Sônia da Rosa da titularidade da Secretaria Municipal de Educação (Smed)”. A secretária não foi ouvida.
“A Sônia pediu para sair”, disse Melo à rádio Gaúcha, nesta segunda feira. “Eu aceitei e compreendi. E vou mudar hoje todo o andar de baixo. Eu entendo que esses problemas estão no andar de baixo. Na medida em que a secretária pediu para sair e eu identifico problemas, manter o andar de baixo não está correto”.
Essa mudança no “andar de baixo” é crucial para a narrativa de Melo de que foi uma falha localizada prontamente corrigida com a troca de peças na estrutura que falhou. Mas é um movimento delicado, mexe com muitas peças.
Na entrevista à Gaúcha nesta segunda feira, 19, Melo teve espaço para enumerar as medidas que tomou para sanar a “pane logística”, inclusive anunciou aporte de R$ 8 milhões para obras nas escolas e não deixou de declarar sua condição de “zelador do dinheiro público”.
Mas repeliu a única pergunta, feita pelo repórter Carlos Rossling, que tocou na questão das “caronas” em licitações alheias. “Não aceito essa expressão”, rebateu. Defendeu as compras através das Atas de Registro de Preço, criadas pela lei 14.133/2021 e não admitiu suspeitas.
A questão é que em vários Estados os Tribunais de Contas estão investigando compras feitas via Atas de Registros de Preços.
Segundo a reportagem do Matinal que levantou o caso numa operação mais de 200 mil livros, a 41 reais o exemplar, foram comprados pela Smed na modalidade de Ata de Registro de Preço, de carona num “ônibus” com outras 15 prefeituras.
No total compraram 4 milhões de exemplares de um projeto denominado “Aventura na Leitura”, de uma empresa do Paraná, a Inca Tecnologia, segundo a reportagem.
Como chegaram a um acordo 15 prefeituras para comprar um pacote de 4 milhões de livros? Inevitável que as investigações da imprensa e da CPI façam essas e muitas outras perguntas. E essa é apenas uma das 11 compras que a Smed fez e que representam metade das compras que a Prefeitura fez de carona em licitações alheias.
Essa é a batata quente nas mãos de Sebastião Melo.