O golpe pelo Twitter e o desgaste das Forças Armadas no governo Bolsonaro

Villas Bôas, o general que inventou o capitão / Foto Agência Brasil

No dia 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula pelo Supremo Tribunal Federal, o então comandante das Forças Armadas, general Eduardo Villas Bôas, publicou em sua conta no Twitter:

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”

Depois, em entrevista à Folha, afirmou que pretendia “intervir” caso o STF concedesse o habeas a Lula.

“Temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”, explicou.

Agora, num livro de memórias, o comandante do Exército nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer revelou que as postagens foram articuladas e “rascunhadas” em conjunto com o Alto Comando das Forças Armadas. O que configura claramente uma intervenção militar.

O livro General Villas Bôas: conversa com o comandante“, recém-lançado pela Editora FGV, reúne depoimentos concedidos pelo general ao longo de cinco dias entre agosto e setembro de 2019, ao professor e pesquisador Celso de Castro.

Vítima de uma rara doença degenerativa, Villas Bôas hoje respira com ajuda de aparelho e se locomove sobre cadeira de rodas.

Ele explica como foi formulada a mensagem, depois veiculada pelo Twitter:

“O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20h , momento que liberei para o CComSEx (Setor de comunicação do Exército) para expedição”, descreveu Villas Bôas.

A postagem gerou reação tímida na época.

O então ministro do STF, Celso de Mello, disse que um comentário realizado por “altíssima fonte” foi “claramente infringente do princípio da separação de Poderes” e alertou contra “práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional”.

No próprio julgamento do habeas , o decano Celso de Mello comparou Villas Bôas a Floriano Peixoto, segundo presidente da República, que ficou conhecido como “marechal de ferro”.

Floriano mandou deportar o poeta Olavo Bilac e outros intelectuais que o criticavam e alguém veio lhe dizer que o Supremo iria dar um habeas corpus. Ele perguntou: “E quem vai dar habeas corpus para o Supremo?”

Celso de Melo disse que as declarações do general ( a “altíssima fonte”) eram “claramente infringentes ao princípio da separação de poderes” e “que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional”.

Celso votou pela concessão do habeas corpus a Lula, que foi negado pela maioria dos ministros..

A revelação da intervenção dos militares no processo político, que desembocou na eleição de Bolsonaro, se dá num momento delicado para a imagem das Forças Armadas, quando os jornais questionam os gastos supérfluos nas compras para a tropa e o grande número de oficiais no governo Bolsonaro (fala-se entre seis e onze mil militares no governo).

O general Eduardo Pazzuello é  um caso exemplar.  General da ativa, designado para comandar o combate à pandemia, ele militarizou o Ministério da Saúde e faz uma administração a tal ponto desastrada que está sob ameaça de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

As revelações do general Villas Bôas mostram o grau de comprometimento dos militares com um governo que tutelam, mas que está assentado na quebra de um princípio basilar dos Exércitos: a hierarquia.

Para voltar ao poder, os generais aceitaram submeter-se a um capitão  indisciplinado, que já não conseguem controlar e que, com suas inclinações ditatoriais,  joga as  Forças Armadas numa situação crítica..  ´

 

 

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