Uma viagem ao Rio Grande profundo

Elmar Bones

Lançado na igreja matriz de Viamão, dia 7 de julho, o livro “Viamão 300 Anos” chega a Porto Alegre neste 3 de agosto, em evento no Memorial do Rio Grande do Sul.

O título remete a um tempo inaugural, quando os primeiros súditos de Portugal descem para os campos do extremo-sul, um território de contornos imprecisos, disputado palmo a palmo por duas potências imperiais.

Esse é o tempo histórico que o livro percorre para situar Viamão no contexto da formação do que viria a ser o Rio Grande do Sul. As incursões pioneiras, os primeiros arranchados, as primeiras estâncias – a unidade produtiva que deu razão econômica ao território, o “berço” do Rio Grande.

A guerra contra os espanhóis, quando em Viamão se organizou a resistência, depois da tomada e ocupação de Rio Grande, então capital, em 1763.

Essa incrível figura de José Custódio de Sá e Faria, engenheiro militar, arquiteto, cartógrafo, desenhista, que se tornou governador no pior momento: a capitania invadida, um comandante de armas enforcado em Lisboa, o ex-governador na cadeia, onde morreria a espera de julgamento. Ele instala o governo em Viamão, toma providências como regularizar o abastecimento de água, construir uma igreja fortaleza e erguer trincheiras e fortes para deter a invasão. Ee não só resiste como chega a ameaçar os espanhóis em Rio Grande.

No entanto, por circunstâncias que ainda demandam esclarecimento, foi praticamente banido da história. Está sendo recuperado por arquitetos, que resgatam sua obra monumental  no Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, onde foi um dos formuladores do primeiro plano diretor de Buenos Aires.  É o caso da pesquisa coordenada por Luísa Durán, da arquitetura da UFRGS e  Ramon Gutierrez, da universidade de Buenos Aires, seis anos de buscas no Brasil, Portugal, Espanha e Argentina e  que revelam Sá e Faria como um dos maiores arquitetos do período colonial sul americano.  O livro, financiado pelo Capes, foi publicado (300 exemplares) em 2020, os autores ainda têm um terço da tiragem encalhada.

Outro episódio da história que demanda esclarecimento : a sedição farroupilha, que separou o Rio Grande do Sul do Brasil por quase dez anos e que teve em Viamão um dos baluartes da rebeldia. Dali partiram os rebeldes para tomar a capital e para lá voltaram quando a perderam.

Desalojados de Viamão, os farrapos não mais se recuperaram até o desastre de Porongos. Seria possível sustentar uma tese de que a Revolução Farroupilha foi uma guerra entre Viamão e Porto Alegre. Viamão reduto dos estancieiros, senhores do regime pastoril, contra os comerciantes e burocratas lusitanos que se instalaram na capital.

Sérgio da Costa Franco num livro publicado no ano 2.000 (“Porto Alegre Sitiada”) foi o primeiro a descrever os detalhes dos cercos farroupilhas, a partir de Viamão,  que atormentaram a capital por mais de mil dias. Não por acaso, sobre essa importantíssima obra caiu uma cortina de silêncio.

Marginalizada na história, Viamão ficou também à margem dos dois ciclos de industrialização – o das charqueadas no século XIX, e o das manufaturas no século XX -que desenvolveram e urbanizaram a região metropolitana de Porto Alegre.   Tornou-se cidade-dormitório.

O livro também percorre também um tempo geológico num ensaio em que o professor Rualdo Menegat descreve a formação da paisagem única de Viamão, desde as rochas graníticas que remontam a 800 milhões de anos. As dunas, os morros, os banhados, as lagoas, as florestas, toda a riqueza de um microcosmo que abriga em síntese  toda a diversidade ambiental e paisagística do Rio Grande do Sul.

No tempo presente, o livro lança um olhar jornalístico para as reservas naturais do atual município de Viamão, o maior da região metropolitana, três vezes maior do que o território de Porto Alegre. O parque de Itapuã, 5 mil hectares de mata atlântica, o parque Saint Hilaire, os 108 quilômetros de orla com o Guaiba e a Lagoa dos Patos,  os morros, os aquíferos.

Quase 40% dos 1.500 quilômetros quadrados de Viamão são áreas de preservação e enfrentam algum tipo de ameaça.

A viagem termina com um “sobrevôo” pelos projetos e empreendimentos que assumem o desafio de tirar Viamão da condição de cidade-dormitório pelos caminhos de uma economia sustentável, assentada nos três valiosos ativos de que o município dispõe: história, diversidade e natureza exuberante.

No fundo, o desafio com que se defronta o Rio Grande do Sul neste século XXI.

Viamão 300 Anos. Elmar Bones e José Barrionuevo (org.) Editora JÁ. 

O lançamento em Porto Alegre será no Memorial do Rio Grande do Sul, na quinta-feira 3 de agosto, das 18 h às 20 hs.