Instituto protege onças para recuperar a espécie; novela dá visibilidade

Por Márcia Turcato, de Goiás

O filhote de onça-pintada, Apoena, já recebe visitas, mas elas são remotas. Câmaras de monitoramento mostram aos visitantes o pequeno felino, nascido no dia 12 de março deste ano, e sua mãe, Amanaci, uma sobrevivente do incêndio criminoso que consumiu 23% do Pantanal há dois anos.

Apoena está sendo preparado desde o berço para ser introduzido no bioma de seus ancestrais e não pode ter contato com humanos para  não perder as características originais da espécie. Sua mãe, ao contrário, jamais voltará ao Pantanal.

Vítima da queimada de 2020, Amanaci foi encontrada escondida no galinheiro de uma fazenda em Poconé (MT), local onde começa a rodovia Transpantaneira, a MT-060. Ela estava com as quatro patas tão queimadas que era possível ver o osso. O pai de Apoena é o Guarani, nascido em zoológico e hoje vivendo em um recinto do NEX.

Amanaci foi abrigada no NEX- Instituto de Preservação e Defesa de Felídeos da Fauna Silvestre do Brasil em Processo de Extinção, uma organização não governamental, com 22 anos, que luta em defesa das onças no Brasil.

O Instituto é um criadouro científico para fins de conservação e abriga felídeos da fauna brasileira que estão em processo de extinção. No NEX, Amanaci recebeu um tratamento inovador com células tronco e aplicação de laser e conseguiu se recuperar, explica o veterinário Thiago Luczinski.

Mas não totalmente, o que impede seu retorno ao Pantanal. A queimadura acabou com o tendão de suas patas e, deste modo, ela não consegue expor as garras para se defender ou caçar. A onça macho Ousado, que também foi vítima da queimada no Pantanal, porém com menor gravidade, se recuperou completamente e foi devolvida ao seu habitat.

O pequeno Apoena ficará com Amanaci por cerca de dois anos, que é a idade em que os filhotes desmamam completamente. Depois disso, ele será levado para uma área de um hectare para aprender a caçar, sem contato com humanos. Depois, ele será transferido para um lugar selecionado no Pantanal, totalmente cercado, onde o treinamento será mais intenso. A última aula será capturar um jacaré, se conseguir, Apoena estará liberado para viver livremente como um animal selvagem que é. Essa logística tem um custo que pode variar de R$ 500 mil a R$ 1 milhão. Nesses 22 anos do NEX,  cinco onças foram reintroduzidas na natureza.

É por isso que parcerias que dão visibilidade ao trabalho desenvolvido pelo NEX são tão importantes. Elas dão visibilidade ao projeto e ajudam na captação de recursos. Foi o que aconteceu com a novela Pantanal, da TV Globo, que tornou conhecida a onça Matí, no papel de Marruá. Matí tem três anos de idade, estava com 2,5 quando gravou as cenas da novela. Ela também tem uma história triste, foi encontrada sozinha numa rodovia, provavelmente a mãe foi vítima de caçadores, e foi criada por um produtor rural. Quando ela ficou muito grande, o tutor viu que era hora de arranjar um lugar mais seguro para Matí e ela foi para  o NEX.

As gravações com Matí seguiram protocolos dos órgãos ambientais de proteção da fauna. As cenas foram gravadas em silêncio para não estressar o animal. Matí foi levada ao set de filmagens de carro porque a espera para embarque no aeroporto, a demora para a retirada da caixa de transporte e a falta de hidratação durante esse período seriam muito arriscadas para a sua saúde. Todo o manejo da onça ficou por conta do pessoal do NEX. Ela é muito apegada a Daniela Gianni, coordenadora do NEX, que viajou com a Matí para o Pantanal junto com mais três técnicos da instituição.

Além de Apoena, há mais dois filhotes no NEX, a fêmea  Ayra, de quatro meses, e o macho preto (onça melânica) Oxossi, de sete meses.  Mas Ayra e Oxossi não serão introduzidos na natureza.

Conheça o NEX

O Instituto NEX existe há 22 anos, fica no município de Corumbá, em Goiás, a cerca de 85 quilômetros de Brasília, e foi construído por Cristina Gianni e o marido, Silvano Gianni. Tudo começou com uma visita de Cristina ao Zoo de Brasília, quando ela conheceu uma onça suçuarana, também conhecida como puma, era o Pacato.

Ele não havia se acertado com as outras onças do recinto e acabou isolado. Cristina já possuía uma grande área silvestre em Corumbá e se ofereceu para ajudar.  Com o apoio da administração do Zoo, ela deu início aos  trâmites junto às autoridades ambientais e conseguiu criar o Instituto NEX para receber seu primeiro morador, a onça macho Pacato. Depois do Pacato vieram Xuxa, um macho, e duas fêmeas.

O NEX recebe onças vítimas de caçadores e do tráfico de animais, resgatadas de situações adversas, doentes ou abandonas. Elas sempre chegam ao NEX com uma triste história. E, geralmete, vítimas do pior dos predadores, o homem.

A onça macho Sansão, 22 anos, é o morador mais antigo do NEX, ele agora está cego devido a catarata e não pode fazer cirurgia por conta do risco da anastesia devido a idade avançada.

Na natureza, uma onça não vive mais de 12 anos.  Tem a fêmea Marruá, encontrada perdida no mato, sem mãe, e criada na mamadeira por um fazendeiro até ser transferida para o Instiuto. Ela está no NEXT desde o dia quatro de fevereiro e está bem adaptada. Mas, como ela teve muito contato com humanos, sempre que chega alguém perto do seu recinto, ela quer interagir e faz de tudo para chamar a atenção.

Tem Merlin, macho, resgatado com um tiro que entrou por um olho e o deixou cego dos dois. Merlin consegue se deslocar pelo recinto onde vive e até sobe na passarela superior do espaço, onde foi colocado um guarda-corpo para que ele não sofra acidentes. Em breve ele vai receber a companhia de uma fêmea. Os machos geralmente são vasectomizados, mas não castrados. Ao todo, 25 onças estão abrigadas no NEX atualmente: 16 pintadas, sete pardas e duas pretas, além de uma jaguatirica.

Para ampliar a visibilidade do Instituto, o NEX realiza visitação guiada aos fins de semana, com grupos de cerca de 30 pessoas, começando às 09h30 e encerrando às 15h, incluindo café da manhã e almoço e uma ida à cachoeira. No local há uma lojinha de souvenir.

Os animais adultos comem entre quatro e cinco kg de carne por dia, um total médio de 1,5 tonelada ao mês. O custo mensal da instituição é cerca de R$ 40 mil. O NEX tem dois funcionários fixos para o manejo dos animais e um veterinário que visita o local uma vez na semana e conta com a ajuda de voluntários que participam do projeto Férias com as Feras, com 12 vagas.

Onças no Brasil

De acordo com dados do Instituto Chico Mendes (ICM Bio), a onça está classificada como uma animal Criticamente Ameaçado de Extinção.

A onça era comum em toda a América, desde o Canadá, mas foi extinta no comçeo do século XX na América do Norte. Na América Central há poucos exemplares no México. Na Amazônia, felizmente, a população de onças está distribuída em 89% do bioma, mas há menos de 10 mil indivíduos na região.

No Pantanal, a onça ocupa cerca de 47% do bioma e há  menos de um mil indivíduos. No Cerrado, a onça está presente em 32% do bioma, com cerca de 250 indivíduos. Na Caatinga, ocupa 19% do bioma com aproximadamente 250 indivíduos. E, na Mata Atlântica, a onça ocupa apenas 10% do bioma com 150 exemplares estimados.

saiba mais: @nex_noextinction

 

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