Matéria sobre a Área de Preservação Ambiental do Banhado Grande ganhou o 3º lugar no 2º Prêmio Sintergs de Jornalismo. A entrega das premiações ocorreu na quinta-feira, 14 de dezembro.
Travessia de Viamão (3) – Temos que conciliar uso com preservação, diz gestora de UC integra uma série com cinco reportagens, do jornalista Cleber Dioni Tentardini, publicada no jornal JÁ, entre os dias 11 e 15 de julho de 2023. É uma viagem à capital das águas, considerada pulmão da região metropolitana de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, com mais de 500 km² de áreas protegidas. As matérias abordam os desafios e iniciativas de instituições públicas e ambientalistas para conciliar atividades econômicas com preservação. Mostra pesquisas e práticas ecológicas que criam zonas de amortecimento com produção orgânica no entorno das reservas ambientais. E explora os banhados, lagoas, nascentes, aquíferos, parques, morros, florestas, campos, dunas, que abrigam espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção.
Ao todo, foram agraciados jornalistas e estudantes de onze veículos. Os vencedores do concurso foram revelados em evento realizado nesta quinta-feira (14/12), na sede do sindicato.
“Os premiados desta noite são exemplos de jornalismo de qualidade, de jornalismo que faz a diferença, de jornalismo que transforma a realidade. São profissionais que merecem o nosso respeito, a nossa admiração e o nosso aplauso”, disse Valdir Bandeira Fiorentin, diretor de Comunicação do Sintergs, durante a cerimônia. O dirigente falou sobre a sensação de dever cumprido do atual mandato e desejou sucesso para a gestão que assume o sindicato em janeiro.
Diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (Sindjors), Viviane Finkielsztejn, agradeceu a oportunidade de participar da entrega do 2º Prêmio Sintergs e ressaltou que, assim como os servidores públicos, a categoria vem sofrendo assédio e agressões. “Nos últimos quatro anos, fomos atacados moral e fisicamente, mas não podemos nos abater. Em tempos de fake news, nosso trabalho se torna cada vez mais importante. Nosso ofício é informar com qualidade”, disse a sindicalista.
Vencedores 2º Prêmio Sintergs de Jornalismo:
Categoria On-line
1º lugar | Silvia Franz Marcuzzo
Agência Pública
Governo do Rio Grande do Sul engavetou planos para lidar com mudanças climáticas
2º lugar | Luís Eduardo Tebaldi Gomes
Sul21
Em 8 anos de congelamento salarial, incentivos fiscais aumentaram 71,6% no RS
3º lugar | Cleber Dioni Tentardini
Jornal JÁ
Travessia de Viamão (3): “Temos que conciliar uso com preservação”, diz gestora da APA do Banhado Grande
Categoria Impresso
1º lugar | Paulo Egídio
Zero Hora
Vidas sob o acúmulo dos consignados
2º lugar | Mauren Xavier, Karina Reif e Simone Schmidt
Correio do Povo – caderno + Domingo
Impacto no serviço público
3º lugar | Carlos Rollsing Braga
Zero Hora
O que defendem os críticos da reforma do IPE Saúde
Categoria Fotografia
1º lugar | Jorge Leão
Brasil de Fato RS
Olhar do abandono
2º lugar | Alencar Fabrício da Rosa
Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul
Voo à liberdade
3º lugar | Jonathan Heckler
GZH
Corpo de Bombeiros controla incêndio no litoral
Categoria Eletrônico
1º lugar | Cid Martins e Kathlyn Moreira
Rádio Gaúcha
Crimes Ambientais – O Preço da Multa Não Paga
2º lugar | Eduardo Matos
Rádio Gaúcha
Saúde em risco: desarticulado esquema de venda de próteses ortopédicas vencidas
3º lugar | Cristine Ribeiro Gallisa
RBS TV
Assembleia do RS aprova aumento salarial para governador e deputados
Categoria Estudante
1º lugar | Flávia Simões
Revista Sextante, da UFRGS
Profissão: encontrar respostas
2º lugar | Leticia Menezes Pasuch
Correio do Povo – Caderno de Sábado
Perfil: Mônica tem a atenção para a sétima arte no Estado
Em live pilotada pelo agrônomo Aquila Schneider, que trabalha na Epagri dos Campos de Cima da Serra catarinense, a professora Ana Carolina Costa, do Departamento de Ciências e Tecnologia de Alimentos da UFSC, deu a uma centena de participantes virtuais uma excelente aula sobre as formas mais comuns de adulteração da qualidade do mel de abelhas, o terceiro produto natural mais fraudado no mundo (os maiores seriam azeites e vinhos).
“Um terço do mel consumido no mundo é falso ou adulterado”, disse ela, na abertura do encontro virtual que se prolongou por mais de 60 minutos na quinta-feira à noite.
Em levantamento feito em março passado em Santa Catarina, detectaram-se irregularidades em cerca de metade das amostras analisadas.
As fraudes se tornaram mais importantes porque a partir da pandemia do coronavirus-19, o consumo de mel aumentou e o Brasil se tornou o quinto maior exportador do produto, com 36 mil toneladas embarcadas em 2022, volume que correspondente a mais da metade da produção nacional (o Brasil é o 11º do ranking liderado pela China).
Algumas partidas de mel brasileiro foram
devolvidas por conter fipronil, ingrediente de venenos usados na agricultura e proibidos na maior parte dos países; outras, por carregar antibióticos.
Apesar das dificuldades de controlar uma produção extremamente pulverizada dos campos e matos aos pontos de venda, passando ainda pelos entrepostos de processamento de mel, Ana Costa afirmou que as maiores
fraudes visam alterar os teores de glicose e sacarose do produto.
Os fraudadores adicionam diretamente açúcares e/ou xaropes à base de milho ou amido de mandioca, além de outros polissacarídeos. Mas não só isso: eles clonam selos e adulteram rótulos, nos quais registram endereços
falsos e indicam fontes apícolas irreais (as principais são eucalipto, flores do campo, laranjeira, melato da bracatinga, silvestre e uva do japão, “invasora” disseminada pela fauna na mata atlântica).
Tudo isso sem falar do enorme volume de méis vendidos em garrafas ou recipientes plásticos sem rótulo e sem procedência definida, geralmente atribuídas pelos vendedores a “um sitiante conhecido – de confiança”.
Todas essas manipulações poderiam redundar em punições legais, se fossem registradas e denunciadas junto a órgãos técnicos responsáveis como a Cidasc, Epagri, Emater, Federação das Associações Apícolas e
prefeituras, além do Ministério da Agricultura.
Ainda que desconfie da existência de maracutaias na produção e na venda de mel, a maioria dos consumidores não se mobiliza para denunciar as violações da qualidade
desse extraordinário produto natural feito pelos pequenos animais alados a partir do néctar e do pólen das flores.
A múltipla variedade das fontes apícolas parece ter gerado nos consumidores a convicção de que a
síntese feita pelas abelhas é naturalmente diferenciada. Na verdade, as mudanças de consistência, cheiro e sabor – entre outras qualidades — resultam de intervenções humanas voltadas para a obtenção de “ganho
econômico”, conforme a expressão da professora Ana.
Nem tudo que dizem ser mel é mel. Se é mel de verdade, não é preciso rotular como “mel puro”. Por mais rica que seja uma florada visitada pelas abelhas no esplendor de uma temporada de muito sol, o mel pode ficar devendo qualidade se for colhido antes de ficar maduro; ou se, nas
casas de mel, a filtração não for feita adequadamente; ou, ainda, se o mel for aquecido acima de 45 graus C por um tempo prolongado (mais de duas horas, citou a professora da UFSC). Nesse caso, pode acontecer uma
inversão da sacarose contida no mel. Segundo a professora, não é fácil detectar as fraudes porque os métodos de análise disponíveis são superados constantemente pelos picaretas que atuam na cadeia produtiva do mel.
A legislação referente à qualidade do mel vai completar 23 anos no próximo mês. Entrando em detalhes técnicos, a palestrante explicou que o método mais prático de detectar adulteração de um mel é mediante o uso de carbono 3 e carbono 4.
São testes químicos de custo elevado. O carbono 3 está presente em 85% das plantas mais procuradas pelas abelhas. O teste com Carbono 3 consiste em misturar
iguais quantidades de mel e água em um recipiente ao qual se adicionam duas gotas de tintura de iodo a 2%. “Se contém amido, o mel muda de cor, fica mais escuro”, esclareceu a mestra.
A dúvida mais óbvia — sobre a cristalização do mel — foi respondida no final da live pelo agrônomo Aquila Schneider, com mais de 20 anos em contato cotidiano com apicultores: “Sob baixa temperatura, todo mel
cristaliza”. Geraldo Hasse
Sob o título “Parque da Orla ganhará mais de 107% de vegetais”, a assessoria de imprensa da GAM3 distribuiu a seguinte nota, no dia 9 de maio de 2023:
“Atualmente em execução, projeto prevê que Parque Harmonia terá mais de 2800 árvores” “Um dos pontos turísticos mais importantes de Porto Alegre ficará ainda mais arborizado. Depois do plantio de 38 mudas de ipês-amarelos no trecho 1 da orla, a equipe ambiental da GAM3 Parks divulga projeto de arborização do Parque da Orla.
Através de seu time de biólogos e engenheiros, a concessionária realizou levantamento de cobertura vegetal do Parque Harmonia, identificando 1.361 vegetais na área quando assumiu a concessão.
No projeto de revitalização do parque, está previsto o aumento de cerca de 107% de árvores nativas de Porto Alegre. Ou seja, das 1361 unidades, em breve serão 2820.
— Nossa proposta desde o início é criar um parque integrado com a natureza. Portanto, possuímos um grupo ambiental para planejar e criar ações visando a ampliação da cobertura vegetal — destaca Carla Deboni, diretora administrativa da GAM3 Parks.
Alguns vegetais terão que ser retirados, muitos deles devido ao estado fitossanitário ruim e/ou com risco de queda. Aqueles que foram removidos são estritamente necessários, sendo que a concessionária possui autorização dos órgãos ambientais, além de uma equipe de biólogos dedicados ao acompanhamento. — Durante nossos estudos não pensamos apenas em compensar aqueles vegetais que foram removidos, queremos ampliar essa cobertura e dar prioridade a árvores nativas, fortalecendo o bioma natural da região — avisa Piettro Kayser, conselheiro da GAM3 Parks e responsável pela equipe ambiental.
A previsão de conclusão total do Parque da Orla é para 2027, então, muito em breve, uma maior quantidade de área verde com características da fauna local estarão presentes no Parque Harmonia.
Esse processo beneficia não só a fauna do parque, mas também a população, que terá à sua disposição um ambiente mais florido e seguro para ser frequentado”.
Uma nova plataforma lançada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, reúne dados de quase 15 mil espécies avaliadas quanto ao risco de extinção.
A plataforma, que ganhou o nome SALVE, vai facilitar a gestão do processo de avaliação de espécies ameaçadas e contribuir para a geração de conhecimento e implementação de políticas públicas para o país.
Rodrigo Jorge, coordenador de Avaliação das Espécies da Fauna em Risco de Extinção do ICMBIO, ressalta que é fundamental contar com uma plataforma com esse nível de detalhamento e organização de dados, que deverão ser atualizados em ciclos de dez anos.
Outro destaque do Salve é a transparência, já que o sistema pode ser acessado por qualquer pessoa que queira consultar as informações, como explica Rodrigo Jorge.
O usuário pode fazer consultas por recortes que já estão prontos na plataforma, como por exemplo a categoria das espécies criticamente em perigo, e também dá para fazer associações com diferentes filtros.
É possível inserir na busca a espécie pretendida, tanto pelo nome comum, quanto pelo nome científico, e obter dados como grupo, categoria, última avaliação, estados, bioma, classificação taxonômica, distribuição, história natural, entre outros. Os dados podem ser baixados pelo usuário.
Do total de espécies avaliadas no Salve, mais de cinco mil e quinhentas possuem ficha publicada e mais de 1200 estão em alguma categoria de ameaça. A plataforma pode ser acessada no endereço: salve.icmbio.gov.br.
O juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, julgou parcialmente procedente o pedido do Ministério Público Estadual para que obrigue o Estado a preservar o patrimônio ambiental e cultural do Jardim Botânico de Porto Alegre (JBPOA) e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul (MCN).
A sentença foi publicada nesta segunda-feira, 31 de julho.
A Ação Civil Pública (ACP) foi movida pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre em fevereiro de 2017, logo após o governo de José Ivo Sartori decretar a extinção da Fundação Zoobotânica do RS e a demissão dos servidores do JBPOA, MCN e Parque Zoológico, as três instituições vinculadas a FZB.
Hoje, elas são administrados pela Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, a SEMA.
Quatro ongs ambientais constaram como assistentes do MPE: Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Igré Amigos da Água, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e União pela Vida (UPV).
Na decisão, o magistrado proíbe a rescisão de acordos ou contratos que impliquem as atividades de educação ambiental, preservação dos acervos ou pesquisa científica, e impede o desmembramento ou fracionamento da matrícula do imóvel do Botânico.
“A própria Lei Estadual nº 14.982/2017, em seu artigo 8º e parágrafo único, assegura e declara a preservação, proteção e vedação de destinação diversa da original ao Jardim Botânico de Porto Alegre (nele compreendido o Museu de Ciências Naturais). Neste sentido, qualquer alteração na área do Jardim Botânico se mostra inconstitucional e ilegal, sendo vedado o retrocesso ambiental, consoante normas supra elencadas que lhe garantem proteção especial”, diz a sentença.
O Estado deve garantir a continuidade e a mesma qualificação de todos os serviços e atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, e providenciar imediatamente o conserto do muro que faz a divisa com a Vila Juliano Moreira.
A sentença impede que o governo do Estado se desfaça de qualquer bem, móvel, imóvel e de animais que constituem o patrimônio material e imaterial do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais. O Parque Zoológico não está contemplado nesta ação.
O acolhimento da demanda é parcial, porque os autores da ação pediam também a suspensão da extinção da Fundação Zoobotânica, que já estava consumada.
A promotora de Justiça Vera Sapko informou que o processo de concessão anunciado pelo Estado tem que atender às determinações da Justiça previstas na ação civil pública.
“Vamos garantir que a ACP seja cumprida de forma integral a decisão, assim como as obrigações que o futuro concessionário assumirá perante o Governo do Estado”, afirmou.
Após as vistorias, o juiz realizou audiência com promotores de Justiça e representantes da SEMA no Foro Central de Porto Alegre.
Em quatro dias, promotores de Justiça produziram 60 páginas
A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre ingressou com a Ação Civil Pública com a intenção de preservar o patrimônio ambiental e cultural do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul. O Parque Zoológico não foi contemplado nesta ACP.
A ACP foi assinada por quatro promotores – Ana Maria Marquesan, Annelise Steigleder, Josiane Camejo e Alexandre Saltz – e tem mais de 60 páginas com os argumentos para justificar a manutenção dos servidores e das atividades de pesquisas e conservação das coleções científicas, além de garantir a integridade da área e dos bens imóveis.
“Além de constituir o maior acervo de material-testemunho da biodiversidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos do Estado, ferramenta imprescindível para estudos que envolvam a flora e a fauna, recente e fóssil, vinculados ao Museu de Ciências Naturais, essas coleções subsidiam a descrição de novas espécies. Os ‘exemplares-tipo’ dessas coleções, que servem de base para as descrições, tornam-se essenciais para a identificação precisa de cada espécie e sua conservação futura na natureza.
“Os acervos científicos são, portanto, bibliotecas da biodiversidade.”
Essenciais para a expansão do conhecimento por meio da pesquisa e da educação. Estudos que envolvem taxonomia, biotecnologia, biogeografia, perda e conservação da biodiversidade, invasões biológicas e mudanças climáticas, por exemplo, dependem das coleções biológicas. As coleções paleontológicas, por sua vez, são de grande relevância do ponto de vista científico e cultural para a reconstituição de paleoambientes e o entendimento da paleoecologia”, descrevem os promotores na ACP.
O documento lista uma série de consequências do ponto de vista científico para o Rio Grande do Sul em caso de “descontinuidade das atividades”. Entre eles, a interrupção da socialização da informação para o mundo científico de um dos três maiores herbários do RS, o Herbário Prof. Dr. Alarich R. H. Schulz (HAS), que possui o maior número de lotes em líquido e tipos nomenclaturais do Brasil.
Jardim Botânico é indivisível, diz MP
O Jardim Botânico de Porto Alegre é um museu vivo com um patrimônio público inalienável, não privatizável, indivisível e que exige o máximo zelo dos gestores públicos na sua preservação para as gerações presentes e futuras, diz a Ação Civil Pública do MP.
Em função desse cipoal de atividades, dizem os promotores, o Jardim Botânico de Porto Alegre está entre os cinco do Brasil que se enquadram na categoria A, o que significa que atende a todas as 16 exigências previstas no artigo 6º da resolução Conama 339/2003. “Entre elas, a primeira e mais importante é possuir quadro técnico-científico compatível com suas atividades.”
Modelo de concessão é criticado pelos ambientalistas
Ambientalistas e servidores do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul estão mobilizados para garantir a integridade do patrimônio das duas instituições.
O futuro das coleções científicas, do mobiliário e da própria área do JB e do MCN é incerto, diante da intenção do governo do Estado em conceder as suas gestões à iniciativa privada.
Desde que foi contratado o BNDES para realizar estudos visando à concessão, representantes da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMAI) e da Secretaria Extraordinária de Parcerias (SEPAR) vem ressaltando que “a administração do Museu e Jardim Botânico continuará sob responsabilidade do governo, que manterá a qualidade dos serviços prestados na conservação do meio ambiente”.
Além do BNDES, participaram o Instituto Semeia e o Consórcio Araucárias – Parques Brasileiros, registrado em abril de 2021, em São Paulo, para prestar consultoria em gestão empresarial. O quadro societário é formado por Vitor Amauri Antunes, administrador, SPIN Soluções Públicas Inteligentes Consultoria, Plantar Ideias, Vallya Advisors Assessoria Financeira e Queiroz, Maluf Sociedade de Advogados.
O biólogo Jan Karel Júnior, presidente da Associação dos Funcionários da FZB, diz que o projeto não demonstra quais e de que forma serão realizadas as intervenções no Museu de Ciências Naturais e como as pesquisas, atividades e o acervo desse órgão serão mantidos se a própria intenção do Governo do Estado de demitir os funcionários especializados do JB e MCN é incoerente com uma proposta de concessão do uso público que promete manter as funções técnicas e de pesquisa sob sua responsabilidade.
“O Poder concedente, no caso o Estado, sem a participação de curadores, pesquisadores e técnicos do JBPOA, não tem condições adequadas para considerar todas as questões necessárias relativas à transição para a concessionária sem colocar em risco o patrimônio ambiental e científico, material e imaterial, representado pelo Jardim Botânico”, completa o representante dos servidores.
O biólogo Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica, do Instituto de Biociências da UFRGS, e membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ), diz que o Estado vai transferir à futura concessionária uma série de compromissos e exigências técnicas rigorosas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para manter a qualificação na categoria “A” do JBPOA, obtida na década passada.
A bióloga Rosana Senna, uma das curadoras, explica que o HAS é um acervo botânico com cerca de 150 mil espécimes da flora gaúcha e 300 tipos nomenclaturais, com coletas que datam desde 1854 até os dias atuais.
“A reforma do telhado do prédio se mostra urgente para sanar os problemas de infiltração da água da chuva nas salas de coleções científicas do Museu. O Estado tem a obrigação de proteger esses registros que contam a história da nossa biodiversidade”, ressalta.
A bióloga Caroline Zank, do Instituto Curicaca, diz que os membros da entidade não são contra as concessões à iniciativa privada, mas exigem transparência e a possibilidade de as ONGs e funcionários das instituições participarem ativamente da elaboração do edital.
“O modelo de edital de concessão que foi à apresentado na primeira consulta pública é omisso em dar garantias sobre a manutenção do patrimônio e, por outro lado, dá uma série de possibilidades de intervenção direta na área do JB e do Museu, onde inclusive permite à concessionária a utilização de prédios e a apropriação das áreas, computadores, softwares e equipamentos que são fundamentais à manutenção das pesquisas e atividades técnico-científicas do JB e do MCN, sem demonstrar claramente de que maneira afetará ou não as atividades desses órgãos”, sublinha Caroline.
Outro ponto em que a bióloga chama a atenção é que o edital possibilita ao Estado alterar o Plano Diretor do JB, colocando em risco o patrimônio.
“O Estado concedeu parte da área da coleção científica viva do JB, composta por espécies ameaçadas de extinção, para o IBAMA utilizar na implantação de um CETAS, sem que houvesse qualquer restrição ou garantia de manutenção desta coleção no local”, critica. Essa área é ocupada por uma coleção da Floresta Ombrófila Mista, com espécies raras e ameaçadas de extinção.
CETAS é o Centro de Triagem de Animais Silvestres. Funcionava junto ao Parque Zoológico e, há seis anos, teve suas funções absorvidas pelo órgão federal sendo transferido para um imóvel na esquina das ruas Baronesa do Gravataí e Miguel Teixeira, na Cidade Baixa.
Aquela área do Jardim Botânico a que se refere Caroline tem entrada pela avenida Salvador França, também – distante cem metros do pórtico principal -, e já foi ocupada por laboratórios químicos da FEPAM. Desocupado e sem vigilância, foi invadido e teve dois prédios saqueados e incendiados. O local foi descontaminado graças ao empenho de 161 mil reais de um fundo gerido pelo Ministério Público. Agora, será cedido pela SEMA ao IBAMA.
A polêmica sobre o corte de árvores no parque Marinha do Brasil, na orla do Guaíba, impulsionou nas redes um abaixo-assinado contra a concessão da área de 70,7 hectares a uma empresa privada.
O movimento denominado Coletivo Preserva Marinha, com apoio de várias entidades ambientalistas, começou antes da concessão, selada pela Prefeitura no início de julho. Ganhou força nos últimos dias, quando notícias do corte de mais de cem árvores ganharam as manchetes e redes locais. Em dois dias, alcançou mais de 4.800 assinaturas, de um total de 5.000 pretendidas.
Leia o documento:
O Parque Marinha do Brasil é um dos parques urbanos do Município de Porto Alegre. Inaugurado em 09/12/78, com projeto dos arquitetos Ivan Mizoguchi e Rogério Malinsky, o Parque possui uma área de 70,70 hectares e está localizado no bairro Praia de Belas, numa das regiões mais privilegiadas da cidade para apreciar o rio e assistir o pôr do sol no Guaíba.
Foram feitos muitos investimentos públicos tanto para construir o parque como para manter e embelezar a área, instalar pracinhas, áreas de atividades físicas, banheiros públicos, a Secretaria de Esportes (atualmente utilizada pela Secretaria de Segurança), plantio de árvores e recuperação do espaço após o tufão de 2016.
A Prefeitura está investindo em linhas subterrâneas da fiação elétrica. E depois de tudo isso, o Prefeito pretende entregar à iniciativa privada, sem consulta à população, nem estudo e relatório de impacto ambiental prévio, restringindo o uso público e afastando, por cercas econômicas virtuais, a população com menor condição financeira, pois o concessionário irá explorar economicamente a área sem definição prévia das atividades que poderá desenvolver.
A Prefeitura Municipal de Porto Alegre está negociando a concessão/privatização do PARQUE MARINHA DO BRASIL por 30 anos, renováveis por mais 30 à iniciativa privada, que poderá explorá-lo comercialmente.
Você, usuário, frequentador, admirador do Marinha concorda com isso?
Queremos que o Marinha continue sendo um espaço público de acesso UNIVERSAL. Um recanto de paz, harmonia, saúde, esporte, lazer e cultura no centro da cidade, onde o direito à flora e à fauna seja respeitado. O Marinha é patrimônio histórico-cultual-esportivo da cidade e deve permanecer público. Existem recursos do FUNPROAMB – Fundo Pró-Defesa do Meio Ambiente para sua manutenção.
Se você NÃO concorda com essa concessão, ajude assinando esse documento e compartilhando para que possamos encaminhar aos órgãos competentes e evitarmos essa tragédia.
O Ministério Público do Estado, através da Promotoria Regional da Bacia do Gravataí, e o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Viamão fizeram parceria para mapear e analisar as condições das nascentes e suas Áreas de Preservação Permanentes (APPs) do Parque Saint’Hilaire.
A pesquisa inédita está sendo feita por professores e alunos do IFRS, para verificar a situação das mais de 50 fontes de água da unidade de conservação.
É uma equipe multidisciplinar, das áreas de Agronomia, Biologia, Química e Gestão Ambiental da instituição de ensino.
O trabalho atende ao projeto Água para o Futuro, do MP-RS, e conta com o apoio dos servidores do Saint’Hilaire, que auxiliam na localização dos mananciais.
A promotora de Justiça Roberta Morillos Teixeira informa que no mês de agosto irá formalizar um termo de cooperação com a instituição de ensino a fim de planejar ações baseadas nos resultados já obtidos.
“Ações que visem o monitoramento, a proteção e a recuperação dessas nascentes e APP‘s”, anotou Roberta, lembrando que o projeto Água para o Futuro vai e estender para nascentes em outros locais no Estado.
O professor Robson Garcia da Silva, coordenador do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental do IFRS-Viamão, diz que já foram analisadas quarenta e cinco nascentes e suas APPs.
“Dentro de vinte parâmetros qualitativos, verificamos cinco nascentes degradadas e meia dúzia moderadamente preservadas. É preocupante, porque estamos dentro de uma unidade de conservação”, observa.
Uma delas é a nascente do Arroio Dilúvio. localizada ao Sul, próxima ao bairro Lomba do Pinheiro, já no município de Porto Alegre.
A água está turva e colorida, com óleo e graxa visíveis. Há presença de residências, esgoto e circulação de animais próximo à nascente, portanto, dentro da APP. A vegetação do entorno foi suprimida e há erosão e assoreamento.
As nascentes (vídeo) são responsáveis pela passagem da água subterrânea para a superficial, promovendo o surgimento de arroios, rios e lagos.
Num raio de 50 metros no entorno das nascentes, todo o terreno é uma APP (Área de Preservação Permanente)e que, por lei, também deve ser protegida. A legislação, neste caso, é o Código Florestal, de 2012.
As outras quatro nascentes poluídas no parque drenam para outros arroios e para o reservatório da Lomba do Sabão, que é a única reserva alternativa que Porto Alegre dispõe para abastecimento de água, em caso de acidente no Guaiba, onde a Capital capta toda sua água hoje.
A estudante Tácia Slim, bolsista do projeto no curso de Gestão Ambiental do IFRS Campus Viamão, é quem está organizando os dados, sob a orientação dos professores Robson, Adriano Andrejew Ferreira, Ariela Milbrath Cardoso, Claudio Henrique Kray e Rosana Serpa.
Ela apontou que boa parte dos impactos que tem causado degradação está relacionada à disposição de resíduos sólidos, invasões, desmatamento, queimadas e presença de vegetação exótica (eucalipto, pinus e outras) em cada nascente e sua APP.
UC inclui mata atlântica, campo nativo, butiazais e banhados
Os documentos registram 1.148 hectares, mas, hoje, perdeu 10 hectares – fatia doada ao governo do Estado para instalar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) -, e outros 50 hectares de áreas invadidas para habitação. As ocupações irregulares começaram nos anos de 1940. Nesse novo mapa do parque de Viamão, a Prefeitura já deixou fora essa área ocupada por moradias. Do total, restaram 1.088ha.
O nome homenageia o naturalista e viajante francês Augustin François Cesar Provensal Saint´Hilaire, que registrou os aspectos sociais e naturais do Rio Grande do Sul em seu livro Viagem ao Rio Grande do Sul, de 1820.
A vegetação é composta por 450ha de mata nativa, associado ao Bioma Mata Atlântica, e cerca de 300ha de campo nativo, incluindo áreas de butiazais e banhados. O butiazal é uma formação altamente ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, devido à expansão urbana, agrícola e pecuária.
A Embrapa Clima Temperado de Pelotas inseriu o butiazal do Parque Saint’Hilaire na Rota dos Butiazais, que inclui Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul, até Santa Catarina.
A floresta de eucaliptos existe desde 1944, antes da criação do parque. O recalque da água utilizava a madeira para gerar energia, motivo pelo qual a antiga Companhia de Abastecimento plantou variedades sobre as áreas de campo nativo no Saint’Hilaire.
Em setores de planície de inundação em que se processa o extravasamento de águas pluviais, obtém-se banhados.
No parque, eles se formaram, principalmente, depois da construção da Barragem Lomba do Sabão. É uma área rica em produtividade primária e um refúgio para nidificação de diversas espécies.
No Plano de Manejo feito em 2002, foram identificadas no parque 56 espécies vegetais distribuídas em 27 famílias. Estima-se que esse número ultrapasse as 161 espécies e 54 famílias. Entre as espécies vegetais ameaçadas, destacam-se a canela-preta e, em vias de extinção, a corticeira da terra e as figueiras.
Em 2018, alunos dos cursos de Biologia da UFRGS e PUCRS fizeram um levantamento da flora do parque. São 13 páginas com vinte plantas em cada. Está disponível na internet. Confere aqui a lista completa.
O parque é um refúgio para a fauna da região metropolitana, com uma biodiversidade composta por 12 espécies diferentes de mamíferos, dentre eles graxaim, ouriço, gambá e mão-pelada, 47 espécies de répteis (cobras, lagartos, lagartixas), 23 de anfíbios (sapos, pererecas e rãs), 14 espécies de peixes que habitam a barragem e 88 espécies de aves, sendo que quatro estão ameaçadas de extinção: chupa-dente, patinho, cisca-folha e choca-da-mata.
Fontes abasteceram a Capital por mais de quatro décadas
O Parque Natural Municipal Saint’Hilaire serviu por mais de quarenta anos como a principal fonte de abastecimento de água dos moradores de Porto Alegre, através de suas mais de cinquenta nascentes.
Somente na década de 1940, foi construída a Barragem da Lomba do Sabão, um reservatório para captação com 75 hectares de lâmina d’água. Era tratada e bombeada para um reservatório que havia ao lado da Praça da Matriz, onde hoje está o prédio do Parlamento gaúcho, e distribuída aos moradores. Depois, o reservatório foi transferido para a Hidráulica Moinhos de Vento, a fim de atingir uma fatia maior da população. Hoje, não há mais captação na barragem.
Algumas nascentes são as cabeceiras do Arroio Dilúvio (vídeo), que drenam para a várzea, na avenida Ipiranga, e deságuam no Guaíba, possuem papel fundamental na conservação daquela bacia hidrográfica, uma região densamente povoada, onde estima-se que moram 500 mil pessoas.
“É indiscutível a importância de ter uma unidade de conservação com mais de mil hectares na Região Metropolitana. É um refúgio, sem falar na proteção aos mananciais”, diz o engenheiro florestal Gerson Mainardi, responsável técnico pelo Parque, na área da Capital.
Desde 1944, o parque pertencia ao município de Porto Alegre, apesar de estar em Viamão. Mas um projeto de Lei (PL 05/2022), aprovado no dia 27 de janeiro de 2022 pela Câmara Municipal autorizou Viamão assumir o Parque nos limites de seu território, 908 hectares, que correspondem a cerca de 82%.
A proposta foi aprovada no final de 2022 pela Câmara Municipal de Porto Alegre, assim, a Prefeitura passou a gerenciar apenas a parte da unidade de conservação que está em sua área, 18%. Juridicamente, existem dois parques. Discute-se, agora, novos Planos de Manejo para redefinir as áreas de preservação e de acesso público, caso seja permitido.
Paleotocas estão inacessíveis
Pesquisadores do Projeto Paleotocas, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), entre os anos de 2008 e 2018, cadastraram mais de mil dessas estruturas cavadas por animais da mega-fauna pré-histórica no Brasil e produziram mais de 80 trabalhos científicos sobre o tema.
No Rio Grande do Sul, foram encontradas em mais de vinte municípios, incluindo Porto Alegre e Viamão. As paleotocas são comuns ao redor da base dos morros.
No Parque Saint’Hilaire, as sete escavações dos animais pré-históricos encontradas até agora estão inacessíveis porque tiveram partes desabadas. As fotos feitas com os pesquisadores no interior das tocas são na Fazenda Refúgio, em Viamão.
“Nosso conhecimento sobre os animais que produziram essas estruturas avançou pouco. Acreditamos que tenham sido feitos por tatus gigantes, com 250 quilos de peso, e preguiças gigantes, que partiam de 800 quilos”, estima o coordenador do projeto, o professor do Instituto de Geociências da UFRGS, Heinrich Theodor Frank.
Em muitos abrigos, há marcas padronizadas nas paredes, produzidas por garras de animais. Eles viveram na época do Pleistoceno, no período geológico Quaternário, entre 1,8 milhão a 11.000 anos atrás.
O molde do crânio do Glossotherium, preguiça gigante, e o crânio do Propraopus grandis, tatu gigante, do Acervo Paleontologia Museu de Ciências Naturais/SEMA. Ilustrações: Renato P. Lopes, do Projeto Paleotocas
A maioria apresenta cerca de 1,3 metro de diâmetro. As mais imponentes podem chegar a 2 metros de altura e 4 metros de largura. Os túneis chegam a 40 metros de comprimento, e até mais. As marcas e vestígios deixados por animais e vegetais de outras épocas geológicas em sedimentos e rochas são denominadas de icnofósseis.
A datação exata das paleotocas é considerada impossível, uma vez que o terreno no qual foram escavadas é composto de rochas muito mais antiga do que esses abrigos. Admite-se, porém, que por estarem situadas perto da superfície, tenham aparecido há menos de 500 mil anos.
*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.
Não existe uma unidade de conservação no Rio Grande do Sul com a mesma diversidade de ecossistemas do Parque Estadual de Itapuã (PEI), que completa 50 anos neste 14 de julho.
Localizado na zona de transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa, o parque abrange ilhas, lagoas, praias, banhados, dunas, vegetação de restinga, floresta estacional e morros graníticos, distribuídos em 5.566 hectares.
Diferente de uma estação ecológica ou de um refúgio de vida silvestre, onde são permitidos visitantes somente para educação ambiental e pesquisa científica, a área é de uso público. Especialmente no verão, quando a população busca a calmaria das suas praias com águas balneáveis.
São nove praias: das Pombas, da Pedreira, da Onça, do Araçá, do Sítio, do Tigre, do Cascalho, de Fora e Prainha. Mas apenas as duas primeiras estão abertas. A Praia de Fora aguarda obras de infraestrutura. As demais têm limitações de acesso.
No parque, são encontrados animais como leão baio (puma), graxaim, ema, capivara, carcará, jacaré, serpente, bugio-ruivo, tuco-tuco, gato maracajá, 29 espécies de anfíbios, 39 espécies da flora endêmicas e com um algum grau na lista de espécies ameaçadas de extinção, como o topete de cardeal e a corticeira do banhado.
A bióloga Dayse dos Santos Rocha, analista ambiental da SEMA, assumiu a gestão da unidade faz seis anos e diz que trabalhar em uma área de preservação como essa, onde é permitida visitação pública, é um desafio diário para coibir atropelamentos dos animais, invasões, caça e pesca ilegais, supressão de árvores, subtração de plantas, pedras.
“O nosso trabalho é focado na conservação dos ecossistemas, pesquisa científica, uso público e educação ambiental. Temos que ser versáteis para conversar com escolas, pescadores, assentados, indígenas, pesquisadores, produtores rurais”, destaca a bióloga.
Segundo a gestora, já convenceram dois produtores convencionais a plantar o arroz orgânico no entorno da unidade.
– É importante essa redução do uso de pesticida na água, que vai para o solo, contamina as águas subterrâneas, enfatiza.
Ambientalistas salvaram a reserva
Itapuã significa ponta de pedra, na língua Guarani. Os primeiros habitantes de Itapuã foram os povos indígenas de tradição Umbu e Guarani.
A extração do granito de Itapuã foi muito grande na década de 1960 e só não continuou porque a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), liderou uma campanha nos anos de 1970 para transformá-lo numa reserva ecológica.
– Aquilo é uma das paisagens mais bonitas e ricas do mundo. Mas estava praticamente abandonada. Tinha mais de trinta pedreiras atuando nos morros. Felizmente, parece que vamos conseguir impedir a destruição, disse José Lutzenberger, depois de realizar uma inspeção de rotina no parque de Itapuã, nos anos 1990, na época uma área de 1.500 hectares.
Hilda Zimmermann, uma das ativistas mais importantes do movimento ecológico do RS, registrou que havia muita extração de pedras e areia, pesca e caça predatórias. “Certa que certa vez fomos em dois ônibus e convidamos a imprensa para ir ver as pedreiras de Itapuã, que eram exploradas por um ministro de Brasília. Parem as marteladas, gritávamos. Saiu na primeira página um homem com cara de apavorado e eu com as mãos na cintura”, lembrou Hilda no livro Pioneiros da Ecologia (Editora JÁ).
A área foi declarada de utilidade pública em dois momentos, nos anos de 1973 e 1976.
O Parque Estadual de Itapuã (PEI) foi transformado em uma unidade de conservação de proteção integral do Estado somente em 1991, já com 5.566 hectares, incluindo a Lagoa Negra. Dois anos depois, incorporou as ilhas das Pombas, do Junco e da Ponta Escura.
Detalhe: a gestão era feita pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, pois não havia órgão específico do Estado para cuidar do meio ambiente.
Unidade foi fechada para retirada de moradias
Até 1990, havia 880 casas com moradores dentro do Parque de Itapuã. As praias recebiam ônibus turísticos aos finais de semana. A Praia das Pombas, por exemplo, que suporta 350 visitantes, chegava a ter mil pessoas.
“Lotearam, venderam terrenos e transformaram a reserva em um balneário, sem nenhum regramento sob aspectos ambientais. Isso, associado à extração do granito”, ressalta a gestora Dayse Rocha.
A desocupação começou em 1991, com o parque interditado para demolição das casas. O Estado indenizou os donos de imóveis regulares, com escrituras, e muita gente entrou em negociação com o governo. Dívidas viraram precatórios e algumas ainda não foram pagas.
“Isso explica, em parte, um certo inconformismo das comunidades do entorno com o Parque. Também, porque cortamos a extração de granito, a entrada de milhares de veranistas, coibimos a caça, a pesca predatória, especialmente na época da piracema (subida dos peixes nos rios para a reprodução), também chamada de período do defeso, a lei que protege as espécies.
Além disso, reclamamos dos resíduos sólidos deixados na praia externa ao parque, dos pesticidas nas lavouras”, explica Dayse. O parque foi reaberto em 2002 e vem se recuperando bem, segundo a gestora.
Um passeio até o Farol de Itapuã da Lagoa
A reportagem saiu de lancha, do terminal do Catamarã, em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, em direção a Viamão, passando pelo Parque Estadual de Itapuã, pelo Farol, até entrar na Laguna dos Patos.
É uma das maiores do Brasil, com cerca de 300 km de comprimento e margens baixas. A profundidade máxima é de 7 metros. Diz-se que seu nome é proveniente da tribo dos índios patos, que habitavam a região. Atualmente, abriga uma ativa comunidade pesqueira.
Está separada do mar por uma faixa arenosa, com largura que varia de 10km a 36km. Diversas cidades desenvolveram-se às margens da lagoa e dos rios que ali deságuam, dentre elas, Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.
Na condução da lancha, Hugo Eugenio Fleck, empresário do setor de transportes terrestre (Ouro e Prata) e fluvial (Catamarã), e um auxiliar.
Gaúcho de Crissiumal, Fleck acumula experiência de 60 anos de navegação em vários países. Começou aos 15 anos, com um barco comprado pelo seu pai, navegando justamente pelas águas do Delta do Jacuí e do Guaíba.
“Pela costa da Capital, em direção à zona Sul, só é possível atracar em dois clubes náuticos ou no ponto de embarque e desembarque do Catamarã, em frente ao Barra Shopping. Agora liberaram outro terminal no Pontal do Estaleiro, mas a burocracia é muito grande, demora uns cinco anos para aprovarem”, lamenta Fleck.
Passava das 9h, e o vento começara a virar do Norte para o Sul. Segundo Fleck, o microclima da região pode provocar ondas.
Ele também estava preocupado com os bancos de areia e as redes, levando em conta a sinalização deficitária. “As pedras são um problema somente próximo à terra firme, explicou o empresário.
Na travessia, é possível avistar os bairros Assunção, Ipanema, Ponta Grossa e Belém Novo até chegar em Viamão. Passados clubes náuticos, pequenas enseadas particulares e as praias da unidade de preservação, surge o Farol de Itapuã e, logo, a Laguna dos Patos. Alguns barcos com pescadores emolduravam a paisagem
Atrás do Farol, embora encobertas pela mata, ainda podem ser vistas ruínas de um pequeno forte erguido pelos Farrapos para barrar a entrada dos inimigos do Império.
Pouco antes do meio-dia, o barco ancorou na Colônia de Pescadores e Agricultura Z4, em Itapuã, distrito histórico, à beira da Prainha, onde moradores e turistas têm à disposição escolas, igrejas, agências bancárias, lojas, bares e restaurantes, supermercados, posto policial, além de clube náutico e pousadas.
Farol ilumina até 22km
Desde o início do século 19, os navegantes que se aventuravam por suas águas ressentiam-se da ausência de referências visuais que os ajudassem a alcançar aqueles portos em segurança. Requisitavam um farol, sobretudo, para a Ponta de Itapuã, que sinalizaria a foz do Guaíba, e o acesso a Porto Alegre.
Inaugurada somente em março de 1860, a torre de alvenaria tem forma octogonal, e mede 16,25 metros de altura. A sua volta ficam as casas dos faroleiros, protegidas do vento e das águas da lagoa por um paredão de pedras. Pintadas de branco, as construções contrastam com a vegetação e as pedras da Ponta de Itapuã, formando um dos cenários mais bonitos da Laguna dos Patos.
Em 1903, após 40 anos de funcionamento, o obsoleto aparelho luminoso de Itapuã foi substituído por um Barbier, Benard & Turenne, com queimadores de vapor de petróleo comprimido.
Em 1914, uma comissão da Superintendência de Navegação aprovou, por unanimidade, o emprego de um revolucionário sistema de iluminação automático com gás acetileno.
A partir de 1915, Itapuã da Lagoa, já modernizado, dispensava a assistência permanente do faroleiro.
Hoje, são utilizadas baterias como fonte de energia, e estas, alimentadas durante o dia por painéis solares (energia fotovoltaica).
O farol possui uma lanterna de lente de acrílico com um eclipsor no interior. Eclipsor é um dispositivo eletrônico.
O alcance luminoso é de 12 milhas náuticas, mais de 22km, suficiente para iluminar toda a foz do Guaíba. O acesso se dá somente pela água. A operação é de responsabilidade da Marinha do Brasil.
Vestígios farroupilhas no Morro da Fortaleza
A reportagem percorreu a trilha Fortaleza, um dos três percursos oferecidos pela administração do parque.
O educador ambiental João Godoy Fagundes guiou a equipe em uma caminhada de quase três horas, levando em conta as paradas para fotos, vídeos, apontamentos da fauna e flora e de registros históricos.
A subida é íngreme em vários trechos dessa trilha e exige um bom preparo físico. O ronco dos bugios acompanha os visitantes durante quase todo o trajeto.
No caminho, há vestígios das trincheiras onde os soldados ficavam à espreita das tropas inimigas. Os Farrapos dominaram Viamão por quase toda a guerra. Tanto é que foi rebatizada de Vila Setembrina, 1838. E os morros permitiam uma visão ampla da região.
O líder dos farroupilhas, general Bento Gonçalves da Silva, tinha raízes em Viamão. Sua mãe, Perpétua da Costa Meireles, nasceu e foi batizada no município, e seu bisavô, Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, povoou os campos de Viamão a partir de 1732.
Livros contam que os insurgentes posicionaram canhões no topo do Morro da Fortaleza voltados para um trecho do Guaíba defronte à Ilha do Junco a fim de impedir a passagem dos navios imperiais provenientes da Laguna dos Patos rumo à Porto Alegre.
Em 1836, uma força imperial conseguiu desembarcar na praia das Pombas – chamada de Saco do Faria, na época – e seguiu por terra até a Fortaleza, onde as refregas provocaram 32 mortes e vários foram presos. O comandante farrapo Simão Barreto teria sido colocado pelos legalistas no cais da vela de um dos barcos, onde morreu.
Foram encontradas balas de canhão, adagas, espadas, ganchos, até esporas, indicando que os revolucionários ocuparam os morros também a cavalo. Muitos desses materiais estão no museu do parque estadual. Outros, ficaram soterrados ou perdidos em meio à mata, de difícil acesso.
Há ruínas da época dos Farrapos também atrás do Farol de Itapuã, na embocadura do Guaíba.
Em uma das escaramuças morreu o revolucionário italiano Luiz Rossetti, um dos principais redatores do jornal O Povo, órgão oficial da República Riograndense.
Carbonário e companheiro de Garibaldi, Rosseti, foi vítima de uma lança*, durante a tomada de Viamão pelos imperiais no dia 24 de novembro de 1840, na Batalha do Passo do Vigário (*site Viamão Antigo, editado por Paulo Lilja).
*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.
São 136 mil hectares, área maior que o município de Porto Alegre, de terras alagadiças que encerram o segredo de uma biodiversidade única, na transição da Mata Atlântica para o Pampa.
Em três banhados interligados (Banhado Grande, Banhado do Chico Lomã e Banhado dos Pachecos), porções de terras baixas onde se acumulam as águas de vertentes e das chuvas, que descem das últimas elevações da Serra do Mar.
O maior deles, o Banhado Grande dá nome à Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 1998 para protegê-los do avanço das lavouras, da caça predatória e até da mineração. É considerada santuário de biodiversidade e “berçário” das espécies que habitam a região.
A área de preservação se estende por quatro municípios: Viamão (36%), Santo Antônio da Patrulha (33%), Glorinha (24%) e Gravataí (7%).
Das águas que eles acumulam, como uma esponja, se alimenta o Rio Gravataí, um dos principais afluentes do Guaíba, responsável pelo abastecimento de 1,2 milhão de pessoas na Região Metropolitana de Porto Alegre.
– O desafio é compatibilizar as atividades de criação de gado, das lavouras de arroz e, cada vez mais, da soja, enfim, os múltiplos usos no território, com a conservação, diz a gestora da APABG, a engenheira agrônoma Letícia Rolim, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado.
As lavouras de arroz, por exemplo, que ocupavam a quase totalidade das terras planas da região – plantações irrigadas, com poucas pragas, necessitando menos venenos – causavam impacto menor.
Mas os produtores estão trocando o arroz pela soja, por causa dos lucros e do mercado internacional.
Além de mais defensivos, a soja exige a drenagem das áreas úmidas, o que afeta todo o ecossistema dos banhados, segundo a analista ambiental.
– A pecuária também é atividade importante no entorno, dada a abundância de pastos e aguadas. Mas o gado não prejudica as áreas úmidas, a não ser quando a lotação do campo é alta. Aí, o pisoteio de muitos animais causa erosão e drena o banhado, ressalta.
Um plano de boas práticas agropecuárias para orientar os produtores e reduzir o uso desses químicos está em desenvolvimento pelo Conselho Gestor.
– Precisamos criar regras que não existem no plano de manejo da APABG para conseguirmos trabalhar algumas áreas sensíveis do Banhado Grande, como a recuperação de áreas úmidas, na zona de adequação ambiental, explica a gestora da UC.
– Um dos problemas mais sérios é o uso de agrotóxicos em lavouras no entorno da unidade de conservação e até dentro dela, reforça a bióloga Cecília Nin, analista ambiental da APABG.
MAPA DO BANHADO GRANDE
Um rio nos extremos
São límpidas as águas do Gravataí quando ele nasce nos banhados em Viamão. Dali, ele percorre 29 quilômetros até desembocar no Delta do Jacuí.
A reportagem tentou navegar por toda a extensão, mas não foi possível devido ao nível baixo do rio.
O Gravataí atravessa uma região de lavouras, fábricas e moradias, que utilizam sua água e nele jogam seus dejetos. No ponto de chegada, quando entram no estuário, as águas carregam uma carga tóxica que faz dele o quinto rio mais poluído do Brasil.
Último refúgio
Quatro anos depois de criada a APABG, os gestores se deram conta de que uma das áreas de preservação merecia uma atenção especial.
Era a menor delas, com 2,5 mil hectares de área, mas a mais rica em diversidade e a mais ameaçada.
Foi criado, então, o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos (RVSBP).
O nome vem da família Os Pachecos, dona de uma das primeiras sesmarias dos “Campos de Viamão”.
Em 1998, quando o empresário Renato Ribeiro vendeu a propriedade para o Incra, eram 10 mil hectares. O Incra dividiu a área em lotes menores e neles assentou trabalhadores sem-terra.
Hoje, o Assentamento Filhos de Sepé, é o maior do Estado, em extensão, e o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.
O refúgio foi criado a partir da doação de uma fração de terras de cada assentado.
Nesses 20 anos, pesquisadores e monitores já catalogaram mais de 283 espécies de aves, inclusive algumas raras.
Pelo menos nove estão ameadas de extinção, como o veste-amarela, o guaracavuçu, o curiango-do-banhado e noivinha-de-rabo-preto, segundo o biólogo Glayson Bencke, do Museu de Ciências Naturais, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (MCN/SEMA)
Entre os mamíferos, estão no refúgio os últimos cervos do Pantanal que restam no Rio Grande do Sul. “Calculamos cerca de 30 indivíduos”, afirma o gestor do refúgio, o biólogo André Osório, da SEMA. Também o gato maracajá, gato do mato, tamanduá, bugio ruivo e tuco-tuco do Lami, outros em perigo de extinção em âmbito regional.
Dentre as espécies da flora criticamente ameaçadas de extinção, encontradas no Refúgio, segundo o biólogo Martin Molz, do MCN/SEMA, estão a Persea venosa (pau-andrade), do gênero do abacate, e Butia catarinensis (butiá-da-praia).
A Stenachaenium macrocephalum (foto abaixo) não possui dados suficientes na listagem estadual, mas está criticamente ameaçada de extinção a nível nacional, assegura a bióloga Rosana Senna, do MCN/SEMA.
Duas espécies de peixes, endêmicas do banhado, também são raras, como o “peixe anual”, cujo ciclo de vida é muito curto.
– O refúgio é o único lugar do mundo onde essa espécie foi encontrada, afirma o biólogo Marco Azevedo, do MCN/SEMA.
Estudos identificaram dentro do refúgio dois tipos de mata, a floresta de restinga arenosa e a mata paludosa, adaptada às áreas de banhado, importante para espécies ameaçadas. Também foi feito um estudo da vegetação do campo e das áreas úmidas e ali se identificou muitas espécies.
Além de Osório, há guarda-parques, voluntários e bolsistas/estagiários para colocar em prática o plano de manejo, homologado somente este ano de 2022.
Os cervos do banhado
Ele é conhecido como “cervo do Pantanal”, um dos maiores mamíferos terrestres do Brasil, uma das espécies ameaçadas que sobrevivem no Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.
O nome gera confusão porque, além do Pantanal, onde é mais numerosa, essa espécie é nativa do Rio Grande do Sul, sempre ocorreu em várias regiões como Planície Litorânea, Central, Sul, Campanha.
Foi desaparecendo em função da degradação das áreas úmidas, dos banhados, onde ele vive.
Pelos registros feitos com armadilhas fotográficas, Osório calcula que existam ali cerca de 30 indivíduos, incluindo filhotes, o que indica que a população está crescendo.
O gestor conta que os especialistas em mamíferos ficaram surpresos com a capacidade de sobrevivência desse animal numa área de grande pressão como é a região metropolitana de Porto Alegre.
“O cervo vem mudando o comportamento, provavelmente por estar ilhado. O padrão de atividade diária desse animal é final de tarde e à noite. Diferente de populações que vivem no Pantanal ou em países como a Argentina, por exemplo, que têm hábitos diurnos. Outra adaptação dele é que passou a se alimentar de folhas de Maricá, além das plantas aquáticas”, conta o gestor do refúgio.
População rejeitou aterro sanitário
A prefeitura de Viamão propôs no ano de 2020 instalar um aterro sanitário regional em uma área de 170 hectares às margens da Rodovia Coronel Acrísio Martins Prates, localizada nos Montes Verdes, zona rural do município.
O projeto da Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA), com sede no Rio de Janeiro, ligada ao Grupo Queiroz Galvão, solicitou o zoneamento, uso e ocupação do solo da área, e liberação para remanejar o fauna silvestre a fim de receber rejeitos de 28 cidades, inicialmente.
A mobilização para barrar o processo começou com o Movimento Não ao Lixão, e logo ganhou a adesão das comunidades.
“A prefeitura estaria permitindo um crime socioambiental ao liberar a criação de um lixão com rejeitos de 28 cidades, podendo chegar a 50 cidades, em uma área com oito nascentes de água”, ressalta a professora Iliete Citadin.
A Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) negou prorrogar o prazo de entrega do Estudo de Impacto Ambiental a fim de receber licença previa de instalação.
Impactos seriam devastadores, aponta estudo da UFRGS
Professores, pesquisadores e alunos da UFRGS participaram de um projeto de extensão universitária para analisar os recursos naturais e uso do solo em Viamão, nos distritos do Passo da Areia, Espigão e Itapuã. A equipe foi coordenada pela professora e pesquisadora Maria Luiza Rosa, do Instituto de Geociências, com a consultoria do professor Pedro Antônio Reginato, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH).
O relatório técnico-científico concluiu que a localização da Fazenda Montes Verdes apresenta fragilidade geológica e geomorfológica a processos erosivos muito fortes e é imprópria para receber um aterro. E que o aterro causaria impactos devastadores ao meio ambiente porque a região está em área de recarga dos sistemas aquíferos, e há possibilidade de vazamentos no solo podendo atingir redes de drenagem com sentido ao Lami (lago Guaíba), Itapuã (lago Guaíba) e nascentes do Rio Gravataí.
Foram citados também as nove unidades de conservação no entorno: cinco Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN Costa do Serro, RPPN Rincão das Flores, RPPN Chácara Sananduva, RPPN Farroupilha e RPPN Professor Delmar Harry dos Reis), a Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande, o Refúgio da Vida Silvestre (RVS) Banhado dos Pachecos, a Reserva Biológica Municipal (RBM) José Lutzemberger (do Lami) e o Parque Estadual de Itapuã.
“Os efluentes lixiviados na área impactariam a rede de drenagem do Arroio Chico Barcelos, onde predominam chácaras, hortifrutigranjeiros e pecuária em propriedades de pequeno porte, além da comunidade Mbya Guarani da Tekoá Jataí’ty (Aldeia do Cantagalo), que faz uso da água de um afluente desde arroio. Atividades como dessedentação animal, irrigação e eventuais atividades recreativas seriam diretamente afetadas. Além disso, a Praia do Lami, local onde a qualidade da água do lago Guaíba é própria para banho também seria impactada. Assim como os impactos recairiam diretamente nas atividades de rizicultura, pecuária e no abastecimento urbano dos municípios de Viamão, Alvorada e Gravataí, que compõem uma população de mais de 660 mil habitantes urbanos.”
Aquíferos têm água de excelente qualidade, mas são vulneráveis
A geóloga Luísa Collischonn está desenvolvendo a sua tese de doutorado na região da Coxilha das Lombas, que envolve Viamão e Santo Antônio da Patrulha. O título do projeto da tese é “Compartimentação Hidroestratigráfica do Sistema Aquífero Barreira Marinha, noroeste da Planície Costeira do Rio Grande do Sul”.
O Sistema Aquífero Barreira Marinha também é conhecido como Coxilha das Lombas.
Luísa integra o grupo que está desenvolvendo o Atlas Socioambiental de Viamão. Ela explica que o aquífero teve origem há cerca de 325 mil anos, quando o mar estava aproximadamente 15 metros acima do atual, chegando até Viamão.
“Da mesma forma como hoje temos campos de dunas em Cidreira, Mostardas e em outros tantos locais do litoral gaúcho, também havia um campo de dunas em Viamão, e são principalmente os seus depósitos sedimentares (paleodunas) que hoje formam o aquífero que conhecemos como Coxilha das Lombas”, afirma.
De acordo com a geóloga, os sedimentos arenosos que formam o aquífero são compostos principalmente por quartzo (o mesmo que predomina nas praias gaúchas atuais), com grãos arredondados, que foram moldados pelo vento, e grãos mais finos, provavelmente gerados a partir do intemperismo (alteração) das rochas graníticas encontradas próximas dali, nas porções Oeste e Noroeste de Viamão e em Porto Alegre.
“Existem espaços entre esses grãos, onde a água subterrânea fica armazenada e flui, formando o aquífero granular (formado por grãos de areia). A feição alongada e arenosa que forma a Coxilha das Lombas é mais alta que as áreas adjacentes e serve como área de recarga do aquífero, sendo que a água da chuva infiltra e circula relativamente rápido entre os grãos, sendo esse um dos motivos pelos quais a água subterrânea do aquífero apresenta boa qualidade. Mas, isso também deixa o aquífero, de certa forma, vulnerável à contaminação oriunda da superfície, que pode chegar ao aquífero a partir de vazamentos em postos de combustíveis, chorume de lixões, e de outras possíveis fontes”, alerta.
Sobre os poços da Ambev, a pesquisadora diz que são tubulares com aproximadamente 100 metros de profundidade e captam água do aquífero Coxilha das Lombas. Foram perfurados pela CORSAN da metade para o final dos anos 90 na região de Águas Claras, e que evidenciaram o potencial que o aquífero Coxilha das Lombas tem, tanto em termos de qualidade da água, quanto em quantidade.
“Em geral, os poços que se encontram em Águas Claras e retiram boas vazões, mostrando uma rápida recuperação do nível do aquífero quando cessa o bombeamento”, ressalta Luísa.
Também ocorrem em Viamão aquíferos formados nas rochas graníticas, chamados de aquíferos fraturados. É o Sistema Aquífero Embasamento Cristalino. Estão localizados nas porções oeste e noroeste de Viamão. Neles, a água se encontra nas fraturas que existem nas rochas. Tiveram sua origem há cerca de 800 milhões de anos, quando dois antigos continentes colidiram: o Rio de La Plata (sul-americano) e o Kalahari (africano). Com a colisão, formou-se uma antiga cadeia montanhosa, conhecida por Cinturão Dom Feliciano.
A partir desse antigo cinturão se formaram rochas graníticas que somente são visíveis hoje em Viamão porque toda a região sofreu intensa erosão, expondo à superfície as rochas que estavam originalmente em profundidade.
“Em Viamão existem muitos poços que captam água do aquífero fraturado, mas, comparado a ele, Coxilha das Lombas se destaca, sendo considerado o melhor aquífero da Região Metropolitana de Porto Alegre e um dos poucos da região onde podem ser projetados empreendimentos que dependem de água subterrânea como fonte de abastecimento”, completa a geóloga.
* Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.
Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?
O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.
– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.
EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.
Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.
– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.
Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.
– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.
Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.
O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.
– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.
Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.
– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.
Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica
A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.
De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.
Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.
Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.
– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.
O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.
A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.
O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.
O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.
A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.
O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.
O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.
As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.
– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.
Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.
Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.
O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.
José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.
– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.
“É possível produzir alimentos sem venenos”
Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.
– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.
O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.
O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.
– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.
Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.
– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas. Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.
Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.
– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.
Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.
“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.
Falta memória das plantas medicinais
Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).
Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.
– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.
Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.
Pioneiros da FAE
A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.
A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.
A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.
No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.
– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água, limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.
Ovos sem hormônios
Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.
A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.
Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.
A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.
“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.
A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.
– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.
Os desafios da Emater
O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.
O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.
– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.
Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.
Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.
– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.
Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.