O mel orgânico produzido no RS ganha o mundo mas ainda está na feira

Geraldo Hasse

Sinalizando o fim de um inverno extremamente rigoroso, as abelhas reapareceram na manhã ensolarada do último sábado (18) na feira agroecológica do bairro Bom Fim, em Porto Alegre. As respeitáveis Apis mellifera estiveram nas bancas de mel, de frutas, de sucos e de caldo de cana; e também sobrevoaram as mesas dos cafés da vizinhança da Rua José Bonifácio, onde os frequentadores da feira vacilavam diante dos preços dos méis orgânicos – R$ 30 a R$ 35 por quilo – oferecidos por quatro diferentes marcas: Adams, Agromel, Beck e Sítio Viver Bem, que exploram campos e matas nativas do Rio Grande do Sul. Uma ausência notada: a do Mel Tio Gerson, tradicionalmente vendido por feirantes-representantes.

Os consumidores mais atentos detectaram movimentos contraditórios entre alguns dos apicultores-expositores. Enquanto Marcelo Giffhorn, executivo dos Apiários Adams, de Taquara, colocou na banca um cartaz anunciando para o final de outubro sua retirada do Brique da Redenção após 30 anos, o produtor Eduardo Ellwanger Beck, de Cachoeira do Sul, completava suas primeiras 11 semanas na banca 111, gentilmente aberta pelo amigo Mateus Von Rohr,  produtor de nozes e de tomate orgânico (em recesso por causa do frio) no mesmo município do médio vale do Jacuí.

Concorrentes frontais que oferecem o mel silvestre orgânico certificado em embalagens de vidro por R$ 35 o quilo, ambos apresentam perspectivas radicalmente diferentes. Se para o jovem apicultor Eduardo Beck a presença no Brique da Redenção é um confiante investimento de futuro, para o veterano Giffhorn a feira se tornou motivo de exasperação. “Está havendo muita picuinha sobre o preço do mel”,  resume ele, lembrando que as pessoas acham caro e ignoram as exigências de qualidade do produto. No fim das contas, acaba sendo pouco compensador permanecer horas na feira para obter uma receita que mal paga a soma das despesas de viagem, mais o custo do produto. Na realidade, os Apiários Adams, com 34 anos de existência, estão dispensando a vitrine do Brique porque estão ganhando muito mais com a exportação de produtos da apicultura.

O Brasil exporta pouco mais da metade da sua produção de mel a 4 dólares por quilo. A produção anual é de cerca de 40 mil toneladas. A receita com exportação já chegou a 98 milhões de dólares em 2015, mas oscila muito em função da demanda internacional, da concorrência e das oscilações das safras por problemas climáticos. O Rio Grande do Sul já exportou 13 milhões de dólares em 2011, mas a média dos últimos dez anos não passa de 8 milhões de dólares.

Filho do apicultor Ednelson Beck, que mantém 2500 colméias em diferentes locais arrendados da região central do Estado, Eduardo foi zagueiro de futebol profissional – era chamado de Dutty no Náutico de Recife e em outros clubes – e aplicou na apicultura parte dos recursos ganhos no esporte. Na banca do Brique ele exercita sua paciência ao explicar a freguesas por que seu mel tem o certificado de orgânico. “Uma das regras da certificação diz que o apiário precisa estar pelo menos a três quilômetros de qualquer lavoura para não haver o risco de contaminação por agrotóxicos”. A possível consumidora fica impressionada com a afirmação. O time apícola de Dutty está concentrado nos “campos sujos” de Encruzilhada do Sul, onde a agricultura não entra, porque ali tem muito mato e muita pedra, além de a topografia ser bastante irregular.

Bom para as abelhas e para os consumidores que podem escolher entre meia dúzia de variedades de méis considerados dos melhores do mundo: o silvestre ou de flores do campo, de eucalipto, de laranjeira, de uva-do-japão, o mel branco dos Campos de Cima da Serra, o mel de quitoco (do litoral norte) e o de bracatinga (denominado melato, porque é feito principalmente com a resina dessa árvore da Mata Atlântica).

Não se sabe até quando os apicultores vão desfrutar de áreas livres das chamadas “contaminações da civilização”. A crônica dos méis orgânicos expostos na feira agroecológica do Bom Fim incrimina a soja como a maior contaminadora ambiental por pesticidas lançados regularmente sobre 5 milhões de hectares cultivados todo ano no Estado, incluindo, nos últimos dez anos, áreas planas antes cultivadas por arrozeiros na Metade Sul. É exatamente que se concentra o maior perigo atualmente, colocando em perigo a leva de apicultores que migrou da Metade Norte do Estado para a região da campanha gaúcha. Os casos mais emblemáticos são os de Pedro Ferronatto, que se mudou de Estrela para Livramento; e Gerson Ferstenseifer, que trocou Arroio do Meio por Bagé.

Os criadores de abelhas estão tentando criar normas para a convivência pacífica com os sojicultores, mas têm sido praticamente ignorados pelos empresários agrícolas, pelas autoridades e pelos ambientalistas, os quais se mobilizaram fortemente em 2005, quando o Estado ameaçou implantar 1 milhão de hectares de eucaliptos.

É consenso entre os apicultores que no contato com agrotóxicos, especialmente os neonicotinóides, proibidos em outros países, as abelhas campeiras, que abastecem as colméias, perdem o senso de orientação. Como se estivessem drogadas, ficam pelo campo e morrem.

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