A tragédia do reitor Luiz Carlos Cancellier se desenrolou em 75 dias: do dia 19 de julho de 2017 (quando um ofício chegou à delegada Érika Marena, da Polícia Federal, acusando-o de obstruir uma investigação interna na universidade) até aquela manhã de segunda-feira, 3 de outubro, quando se jogou do alto de um vão de um shopping de Florianópolis, em Santa Catarina.
A denúncia à PF foi feita pelo corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prato.
A delegada Érika, uma das estrelas da Operação Lava Jato, agiu como no cinema. Em 15 dias, encaminhou à juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara da Justiça Federal de Santa Catarina, uma peça de 130 páginas, mais 16 anexos, montada com base na denúncia do corregedor. Pedia a prisão por cinco dias do reitor e outros seis professores e o seu afastamento da universidade.
Mas o reitor nem investigado era
Nenhum deles foi ouvido. A juíza Janaina Cassol disse aos jornais que trabalhou 55 dias no processo. Deve estar enganada, pois o pedido da delegada está protocolado no dia 5 de agosto e sua decisão foi tomada no dia 28 de agosto. Foram 23 dias portanto.
Além de autorizar as prisões, a juíza proibiu-os de por os pés no campus e de ter contatos com funcionários e professores.
A delegada Érika manteve o ritmo: em 15 dias montou a Operação Ouvidos Moucos, deflagrada no dia 14 de setembro. Foram 105 agentes para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, sete prisões temporárias e cinco conduções coercitivas. Uma centena de policiais, para prender sete pacatos professores.
Chancellier, que havia chegado de Portugal no dia anterior, foi surpreendido no apartamento onde morava com o filho, também professor, a poucos metros do campus da universidade.
Foi levado algemado e, depois de depor na PF, remetido à penitenciária estadual, onde passou por revista, nu, antes de vestir o uniforme de presidiário e ser jogado numa cela.
Para sorte dos detidos, a juíza se afastou por “motivo de saúde” e o reitor e os demais foram libertados às 19 horas do dia seguinte por uma juíza substituta, que não viu razões para mantê-los presos.
Foi mantida, porém, a proibição de entrar na universidade. O reitor morava ao lado do campus. Há pelo menos 30 anos sua vida era a universidade. Foi estudante, professor, diretor e reitor, eleito há um ano e meio.
De repente, estava proibido de entrar ali. Um recurso de seus advogados resultou numa decisão mais humilhante ainda: ele poderia entrar por três horas no campus, para reunião com alunos.
O isolamento, a condenação pela mídia, os comentários cruéis nas redes sociais. Ele disse que sentia-se como um “exilado”. Foram poucos os amigos que não duvidaram dele. E a mídia sempre tratou-o como culpado.
Preso no dia 14, só no dia 20 foi ouvido pela imprensa. A entrevista exclusiva ao colunista Moacir Pereira não teve nenhuma repercussão fora de Florianópolis.
Só depois da morte do reitor as redes de comunicação corrigiram discretamente um erro grosseiro mantido pelo noticiário: o desvio de recursos é estimado em R$ 350 mil – e não R$ 80 milhões, como foi reiteradamente publicado. Além disso, os desvios apurados eram relativos a gestões anteriores.
Quando ele assumiu o cargo, em maio de 2016, os repasses já estavam suspensos há três meses. A acusação de que tentava obstruir as ações da corregedoria, que determinou sua prisão, é inconsistente. O que havia era um conflito de competência explícito, não resolvido.
Deflagrada às seis horas da manhã, a operação já rendia manchetes nos noticiários das sete: “PF desarticulou uma organização criminosa e prendeu sete pessoas entre elas o reitor da UFSC”.
No Bom Dia Brasil, da Rede Globo, a notícia do reitor preso como integrante de uma organização criminosa foi sublinhada com um comentário da apresentadora Ana Paula Araújo: “É roubalheira para todo o lado!”.
É isto mesmo, não podemos deixar que caia no esquecimento.