A identificação do neto de Estela Carlotto, a presidente das Avós da Praça de Maio, tomou as manchetes na Argentina nestes dias.
O movimento, que já mereceu prêmios internacionais, já ajudou a recuperar a identidade biológica de 114 bebês roubados durante a ditadura argentina (1976-1963).
Estela Carlotto tem 83 anos. Sua filha, Laura Carlotto, mãe do menino agora recuperado teria hoje 60 anos, se não tivesse sido assassinada aos 24, na prisão.
O neto, hoje com de 36 anos, até segunda-feira passada, se chamava Ignacio Hurban – nome dado por seus pais adotivos – Clemente Hurban, trabalhador rural e sua esposa Juana.
Agora é Guido Montoya Carlotto. Guido é o nome que sua mãe lhe deu, embora só a tenham deixado passar cinco horas com ele. E Montoya é o sobrenome de seu pai biológico, Walmir Oscar Montoya.
O neto preferia se manter no anonimato pelo menos durante algum tempo. Mas a juíza encarregada de fiscalizar as diligências nos exames de DNA revelou seu nome na mesma terça-feira em que se soube que ele era neto biológico da presidenta das Abuelas.
Na quinta-feira, a sede portenha das Avós continuava recebendo dezenas de telefonemas de pessoas que desejam se submeter aos exames de DNA.
Até agora, só 5 dos 114 netos recuperados se apresentaram voluntariamente para terem seu DNA comparado ao das avós.
A imensa maioria dos achados foi produto de longas investigações. “Esse caminho é mais comprido”, dizia um funcionário da instituição, “mas também você tira dos netos o peso da culpa que possam sentir”.
A história dos bebês roubados de mulheres presas pela ditadura militar é uma das páginas mais negras da ditadura argentina. Alguns netos se sentiram culpados por desmascarar o grande equívoco de que foram vítimas. Ao falar a verdade, acusaram à Justiça as pessoas que os criaram.
Segundo o levantamento feito pelo movimento das Avós da Praça de Maio. ainda restam 400 crianças (hoje adultos com mais de 30 anos) que precisam ser localizados.
Laura de Carlotto e Walmir Oscar Montoya, eram dois guerrilheiros do grupo Montoneros sequestrados e assassinados durante a ditadura militar (1976-1983).
Em julho de 2012 havia 105 netos recuperados. ENos últimos dois anos, portanto, foram localizados nove.
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População hostiliza jornalistas na Argentina – maioria acredita que eles mentem
Vai passando quase despercebida – por estar sendo pouco comentada – matéria da Folha de São Paulo de segunda-feira que, por sua importância, chegou a ser publicada no site da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).
É de autoria da jornalista Sylvia Colombo, 39, correspondente daquele jornal na Argentina (Buenos Aires). Sob um título nitidamente partidarizado como “Cristina Kirchner faz cerco à imprensa independente”, Sylvia relata o clima político que vive a Argentina no âmbito da “guerra” entre governo, de um lado, e meios de comunicação do outro.
Todavia, a jornalista faz isso sob a ótica de um dos atores envolvidos no processo, o que, de acordo com o seu próprio ponto de vista, não seria jornalismo. É imperativo ler esse relato porque, descartadas as opiniões e idiossincrasias da autora, revela como um governo de centro-esquerda com propostas e ideais muito parecidos com os do governo
Dilma Rousseff está derrotando a filial argentina da franquia midiático-conservadora que governou ao menos a América do Sul desde sempre até a virada do século XX, e que está mantendo o governo brasileiro literalmente acuado. Se já leu essa matéria, releia (abaixo) e reflita sob a ótica que será proposta.
Se não leu, há que ler.
Cristina Kirchner faz cerco à imprensa independente
Ter, 06 de Dezembro de 2011
Folha de São Paulo
Mundo – Mídia
Governo usa veículos próprios para praticar “jornalismo militante”
SYLVIA COLOMBO, DE BUENOS AIRES
“Você trabalha no ‘Clarín’?”, pergunta mal-humorado o taxista ao repórter do jornal, depois que ele diz o endereço onde quer ir.
Meu colega já vinha se irritando com esse tipo de patrulha. Chegou a dar nomes de ruas paralelas, preferindo caminhar até a redação, só para não ouvir agressões de apoiadores do governo, que está em guerra com a imprensa independente.
Nesse dia, respondeu: “Não, estou indo lá só para entregar um envelope”. Depois, pensou no absurdo que tinha sido levado a dizer. Uma outra colega, que faz um curso de pós-graduação numa universidade local, havia se interessado pela aula de determinado professor. Um dia, foi pedir recomendações de leitura.
Ele, simpático, a recebeu e perguntou a que se dedicava. Ela, orgulhosa, encheu a boca e disse: “jornalista”. Quem já está há algum tempo na profissão acostumou-se a ouvir comentários positivos depois de uma apresentação assim.
Em grande parte do mundo ocidental, considera-se o jornalismo uma atividade nobre e importante para a sociedade. Pois o professor dessa minha amiga parou de sorrir quando ouviu essa palavra. “Aqui não gostamos de jornalistas”, disse.
Comigo acontece também direto. Numa ocasião, numa barulhenta sala de espera de um dentista, enquanto preenchia minha ficha, a secretária perguntou minha profissão. Quando disse, fez-se silêncio, quebrado apenas pelo comentário desconcertante de uma senhora: “No seu país vocês são mentirosos também?”
Em debate do programa “6,7,8?, atração da TV estatal cuja finalidade é malhar a imprensa crítica ao kirchnerismo, o comentarista Orlando Barone soltou a seguinte pérola: “O jornalismo é inevitavelmente de direita porque a democracia é de direita.
O jornalismo nasce para defender a democracia, dentro dos cânones instituídos da propriedade privada”. O governo Cristina Kirchner, que começa um novo ciclo no próximo sábado, é louvável em alguns aspectos: tirou a Argentina da prostração econômica pós-2001, levou militares responsáveis pela repressão da ditadura (1976-1983) à prisão e aprovou o matrimônio gay.
Porém, sua relação belicosa com a imprensa assusta. Para defender-se da imprensa, o governo montou um grande conglomerado. Seus veículos defendem as políticas do governo, mas, principalmente, atacam a cobertura de jornais tradicionais e, o que é mais grave, questionam a própria utilidade da mídia independente.
A proposta dos meios kirchneristas é implantar o que chamam de “jornalismo militante”, que prega a ideia de que o compromisso do jornalismo deve ser com “causas”, citando explicações da professora da faculdade de comunicação de La Plata, Florencia Saintout. Intelectuais como ela se defendem dizendo que, como o jornalismo nunca é objetivo, é melhor escolher de uma vez um lado da trincheira.
As “causas” do jornalismo militante, obviamente, não são quaisquer causas. Em essência, coincidem com as bandeiras do governo. O governo já anunciou que reforçará a execução da Lei de Meios, que tirará poderes de grupos como o Clarín e dará mais espaço a “meios militantes”.
Os próximos quatro anos serão, portanto, um desafio para o jornalismo independente, essencial para o funcionamento das instituições da Argentina. Cristina, que dá sinais de que prefere se alinhar ao Brasil de Dilma, mais do que à Venezuela de Chávez, deveria baixar o tom contra a imprensa independente.
Nada a fará mais parecida com o líder venezuelano do que acuar o jornalismo e fazer com que jornalistas tenham vergonha de declarar o que fazem em público.
Do blog* www.blogcidadania.com.br