Carlos Gardel inspira um belo romance

Os ditos “contos gardelianos” de Aldyr Garcia Schlee (Os Limites do Impossível, Editora ArdoTempo, 2009) são na realidade um romance construído a partir da circularidade de uma dezena de narrativas sobre mulheres que participaram direta ou indiretamente de um acontecimento real – o nascimento em 1884 em Tacuarembó, no Uruguai, de Carlos Gardel, o ídolo do tango argentino falecido em acidente aéreo em Medellín em 1935.
É uma história alinhada com o que a literatura sulamericana tem de melhor. Não admira que tenha sido escrita por um nativo de Jaguarão, lugar onde se aprende portunhol no berço. Mesclando uma narrativa histórica com lances do mais criativo realismo literário, Schlee constrói uma carreata fabulosa.
A leitura é tão saborosa que não temos a menor dificuldade em colocá-lo ao lado de mestres latino-americanos como Alejo Carpentier, Gabriel Garcia Márquez e Juan Rulfo. Ele também fica de pé fácil se colocado na estante ao lado de Domingos Pellegrini, Lourenço Cazarré e Miguel Sanches Neto, para citar apenas contistas do Sul do Brasil.
O livro tem uma personagem central, D. Carlos Escayola, “mandamais” de San Fructuoso, nome ficcional de Rivera, a cidade gêmea de Santana do Livramento.
Além de ser o cacique local, D. Carlos é acidentalmente cunhado do general farrapo Antonio de Souza Netto e tem o dom extraordinário de seduzir todas – todas – as mulheres do enredo.
Garanhão inveterado, ele começa desposando uma moça que o despreza, casa com a cunhada após enviuvar e emprenha a sogra enlouquecida de amor por ele.
Perto do auge da história, o herói-canalha estupra e engravida a própria filha, uma virgencita de 13 anos, que vai ter o bebê numa fazenda no interior de Tacuarembó, assistida por uma parteira que eventualmente trabalha também como despenadeira, isto é, a pessoa que ajuda os moribundos a desencarnar – segundo o autor, esse tipo de pessoa era comum na época das guerras e revoluções do Cone Sul.
Levada para Buenos Aires por uma ex-corista francesa paga para “desaparecer” com a encomenda, a criança vinga espetacularmente na Argentina, dando sentido a uma antiga e misteriosa declaração de Carlos Gardel: “Nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade…”
No entanto, no seu passaporte resgatado em Medellín das cinzas do avião acidentado em 1935 estava escrito: “Nascido em Tacuarembó”. Desfez-se assim também a lenda de que o ás do tango teria nascido no interior da França.
Se não é verdadeira, a história é muito bem montada com todos os ardis possíveis da literatura.
Artista plástico, jornalista e professor, Schlee construiu uma obra que segue magistralmente pela trilha do realismo fantástico. Há indícios de pesquisa histórica por trás de tantos contos encadeados, mas a criação literária parece ser ainda maior. Daí o clima de contido exagero que permeia a narrativa, pontilhada de palavras e expressões corriqueiras na fronteira do espanhol e do português.
Fora a genial remexida na história pessoal do ídolo mercosulino (há muito Gardel não é somente argentino), o invencionismo da linguagem é a maior qualidade desta história editada em 2009 por uma pequena editora de Porto Alegre e premiada no final de 2010 com o Açorianos pela Prefeitura de Porto Alegre.
Em quase todas as páginas do livro se encontram ditos saborosos que fazem parte da linguagem oral do pampa mas que até agora não haviam sido incorporados à literatura.
No correr da história, sem qualquer esforço ou rebuscamento, o jornalista jaguarense nos regala com um palavreado inolvidável. Nesse aspecto, promove um resgate semelhante ao de Simões Lopes Neto quando este jornalista pelotense fixou há 100 anos nos seus contos gauchescos e lenda do Sul o modo de falar do gaúcho da campanha.

Livros JÁ

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Protasio Alves e o seu Tempo 1859-1933

Autoras: Maria do Carmo Campos e Martha Geralda Alves D’Azevedo
“A sociedade está gravemente enferma. Para os males sociais a escola é o médico. O aluno é o remédio.Tornai vitoriosas na sociedade as tendências de corações femininos, que ficará estabelecido no planeta o Paraíso da Bíblia.A ciência cirúrgica está passando para a história sendo sbstituída pela arte operatória; aliás, como já dizia meu velho professor França, a arte de serrar o que é duro, cortar o que é mole e amarrar o que esguicha.” Protasio Alves
2006, 433 páginas, 16 x 23 cm, 729 gr
ISBN: 85-87270-13-3
R$ 50,00
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Darcy Azambuja – Vol. I: Vida e obra ; Vol. II: Contos escolhidos

livro-darcyAutor: Geraldo Hasse
Jamais houvera tamanho exemplo de sucesso nas letras nacionais: um jovem contista ser reconhecido na capital federal sem sair da província. Pensava-se que iria longe pela trilha que fora aberta por João Simões Lopes Neto, mas ele tomou outro caminho: penetrou na política pela via do jornalismo. Perfil biográfico do jurista, professor e literato, com fotos, e uma seleção de seus contos.
2005, 316 pág, 14x21cm, 179gr (1), 253gr (2)
ISBN 85-87270-11-7
Vol. 1 – R$ 15,00
Vol. 2 – R$ 20,00
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Criadora da Daspu terá biografia

Em 2005, Gabriela lançou grife de roupas desenhadas por prostitutas | Fotos: Carlos Matsubara/JÁ)

Carlos Matsubara, de Brasília, especial para o JÁ

A criadora da marca Daspu, Gabriela Leite, 55 anos, terá sua vida contada em livro. No sábado, 5 de agosto, ela revelou, em entrevista exclusiva ao JÁ, que assinou um contrato na última quinta-feira com a Editora Objetiva para lançar sua biografia em fevereiro de 2007.

A conversa foi no BSB Mix, evento de moda alternativa, em Brasília.
Lá a Daspu realizou um desfile que teve grande sucesso, como vem ocorrendo com a grife de roupas desenhadas por prostitutas da ONG Davida desde que foi lançada por Gabriela em 2005, no Rio de Janeiro. Desta vez, os aplausos vieram da high society, num dos lugares mais chiques e badalados da cidade, o Pontão do Lago Sul.

A entrada das prostitutas no mundinho fashion foi uma iniciativa de Gabriela que de tanto ouvir o velho chavão “vestida como uma puta” pensou criar uma linha de vestuário completa. Há desde roupas “de batalha” até as de ativismo (direitos humanos, prevenção a AIDS e DSTs). “Na verdade sempre produzimos moda. Agora estamos nos apropriando de nossas competências também nessa área”, entende Gabriela.

Ela nasceu no bairro Vila Mariana, em São Paulo. Chegou a cursar Sociologia por dois anos na Universidade de São Paulo (USP). “Entrei virgem na USP e saí puta”, lembra, repudiando qualquer outra designação para seu ofício. Odeia ser politicamente correta. “Os hipócritas tentam fazer desses nomes, como ‘garota de programa’. Isso eu não aceito”, critica.

Voltando a USP. Eram os tempos da ditadura e o curso de Sociologia se dividia em duas turmas: os guerrilheiros propriamente ditos e os da contra-cultura. Gabriela se encaixou no segundo. Freqüentava mais os bares do Redondo do que a sala de aula. Assim conheceu “gente da pesada”, como o escritor maldito dos temas malditos, Plínio Marcos e o diretor de teatro Zé Celso Martinez.

“O Redondo era um lugar que todo mundo freqüentava. Só que eu comecei a me cansar dessa coisa de revolução de botequim”, conta. Perto dali também tinha uma boate de prostituição, a La Licorne, muito famosa na época. Muitas vezes as meninas que trabalhavam por ali eram motivos dos papos-cabeça do botequim. “Foi então que pensei pela primeira vez em ir pra prostituição”, lembra.

Gabriela estava cansada de trabalhar durante o dia e estudar a noite. Já tinha pego o gostinho da vida boêmia e descobriu que era isso que queria fazer da vida. “Não agüentava mais bater cartão e eu adorava a noite”.

Boca do Lixo

Com 22 anos e desempregada, parou num botequim para tomar uma cerveja e conheceu um cafetão que lhe apresentou a dona de um apartamento de prostituição na Boca do Lixo paulistana. “As grandes coisas da minha vida sempre acontecem em botequins, sempre. Ou porque eu freqüento demais ou porque eu tenho uma transa com botequim”.

A entrada de Gabriela no ativismo aconteceu graças ao sumiço de duas colegas. Com o tempo suas amizades passaram a ser as amizades da prostituição. “Era uma maravilha, prostitutas, malandros, cafetinas, garçons… Adorava essa minha vida social, ali no meio da minha marginalia”.

Ia tudo muito tranqüilo, até que em 1979 um delegado linha-dura resolveu prender e torturar as prostitutas e travestis da Boca do Lixo. Duas colegas desapareceram, uma delas grávida, foi torturada e morta. “Tudo isso estava acontecendo e a sociedade não sabia de nada. Foi quando voltei a pensar a Sociedade”.

Organizou uma passeata que foi um escândalo e retomou a amizade com os amigos do teatro. Os primeiros a apoiar foram os artistas alternativos. “A Ruth Escobar, que nem era do nosso grupo, era do teatro tradicional e ainda não era política, tinha um teatro na Rua dos Ingleses e ofereceu para a gente fazer uma assembléia”, recorda. A repercussão foi tanta que o delegado foi afastado pelo secretário de Segurança e tudo voltou ao normal.

Foram muitos anos na Boca do Lixo, até que Gabriela resolveu pegar a estrada. Literalmente. De carona em carona, sempre se prostituindo, ela percorreu vários Estados do país. Assim, diz ela, conheceu todos as faces da profissão.

“Me senti a própria Hilda Furação”

Morou um ano em Belo Horizonte e adorou a cidade. Na zona boemia de lá, sentiu-se a própria Hilda Furacão. “Ganhei muito dinheiro em BH”. Mas em 1982, depois de passar um final de semana no Rio de Janeiro, se encantou e ficou de vez. Foi morar na Vila Mimosa e virou Estácio de Sá desde criancinha.

“Lembro que foi morando na Vila Mimosa que conheci a Benedita da Silva, recém-eleita como vereadora. Ela foi um dia na zona nos convidar para um primeiro encontro de mulheres de favela e periferia”, conta. Foi a primeira vez que Gabriela falou em público. Logo ela, que se diz uma “tímida de carteirinha”.

Já em 1997 organizou o I Encontro Nacional das Prostitutas com o apoio financeiro do Instituto de Ensino da Religião (Iser) e de alguns profissionais da mídia carioca. “Fui de zona em zona buscar participação das colegas”, recorda. Disso surgiu a Rede Nacional das Prostitutas, uma articulação de 30 associações de todo o Brasil.

Após o rompimento com o Iser no ano seguinte, fundou a ONG Davida em parceria com o jornalista Flávio Lenz, editor do jornal Beijo da Rua e seu companheiro até hoje. “Agora é fácil falar, mas foi muito complicado, quem nos financiava, não quis mais financiar e o Flávio foi chamado até de cafetão”.

Com pouco dinheiro que tinha resolveu montar um restaurante e um pagode no Estácio para ajudar nas finanças da ONG. Foi o maior sucesso, o nome era Pagode da Vida. “Minha pescadinha da quarta-feira era famosíssima”.

Hoje a Davida trabalha forte na questão da Aids participando dos fóruns estadual do Rio de Janeiro e da articulação nacional. “A gente interfere nas políticas públicas das prostitutas lá do Ministério da Saúde”.

Daspu X Daslu

A grande cartada da ONG ainda estava por vir. Em julho do ano passado, durante uma festa de aniversário da Davida, novamente em um botequim, um dos funcionários teve um insight. “Sílvio sacou que o nome Daslu estava na mídia [na época, a dona Eliane Tranchesi havia sido presa acusada de lavagem de dinheiro] e todo mundo adorou”.

Com quase tudo pronto para lançar a coleção, uma notinha no Elio Gaspari dizendo que as prostitutas da Tiradentes estavam fundando uma grife chamada Daspu alertou a direção da loja paulistana.

Na mesma semana as prostitutas receberam uma notificação extrajudicial dizendo que não podiam usar o nome Daspu, argumentando que estávamos prejudicando a imagem da loja. “Só os nomes dos advogados ocuparam uma página inteira”, recorda, acendendo mais um cigarro, o quarto em pouco mais de meia-hora de conversa.

Passado o susto, resolveram registrar a marca e deu tudo certo. Tão certo quanto sua estréia no Fashion Rio, pelo estande do Sebrae, quando fizeram um desfile mais concorrido que o da Gisele Bündchen. “Já temos outros desfiles agendados, fizemos uma parceria com o Instituto Zuzu Angel para ajudar nessa coisa de estilo”.

De uma coisa a Daspu não abre mão. Quer garantir que suas prostitutas estejam sempre desfilando. “Queremos um novo conceito de mulher”. Uma de suas novas camisas traz a frase: moda é pra mudar.