Um novo Brasil no "País Chamado Favela"

No turbilhão das campanhas eleitorais no país, um novo Brasil foi apresentado aos brasileiros na semana que passou, com o lançamento do livro Um País Chamado Favela, de autoria do publicitário Renato Meirelles e do empreendedor social Celso Athayde (Ed. Gente).
Athayde, carioca, é fundador da Central Única das Favelas – CUFA, instituição reconhecida pelo trabalho com jovens de periferias de mais de 300 cidades e 17 países; autor de três livros com grandes tiragens – “Falcão – Menino do Tráfico”, “Mulheres e o Tráfico” e “Cabeça de Porco” e, hoje, diretor executivo da Favela Holding Participações, um grupo de empresas que investe em negócios para desenvolver as comunidades carentes.
Considerado um dos maiores empreendedores sociais do país, Celso lançou recentemente o conceito do “Setor F”, que reflete sobre a economia da favela como uma revolução social. “O modelo social adequado não é aquele que todos são ricos, mas que todos têm oportunidades”, analisa.
Meirelles, diretor do Instituto Data Favela, instituição referência em pesquisas das classes C, D e E. Considerado um dos maiores especialistas em mercados emergentes do Brasil, foi colaborador do livro “Varejo para Baixa Renda”, publicado pela Fundação Getúlio Vargas, e conduziu mais de 300 estudos sobre o comportamento do consumidor tendo atendido empresas como P&G, Febraban, TAM, C&A, Vivo, Caixa, SEBRAE e Ambev.
Em setembro do ano passado, o publicitário coordenou a maior pesquisa já feita sobre as favelas brasileiras, que incluem também bairros de periferia. Sua equipe percorreu 63 favelas e entrevistou dois mil moradores para mapear a visão de mundo e os padrões de consumo destes milhões de brasileiros que, agrupados, formariam o quinto maior estado brasileiro, maior que a população do Rio Grande do Sul. O resultado revela outros números impressionantes, e desconhecidos sobre “uma nova classe média brasileira”.

O livro/Edissa Waldow/FamecosPUCRS
Livro traz dados da pesquisa/Edissa Waldow/FamecosPUCRS

Os dados foram apresentados de forma resumida no dia 22 de setembro na PUC de Porto Alegre, durante a realização do SET Universitário que a Faculdade de Comunicação Social (Famecos) realiza todos os anos. Já está na 27ª edição.
Os autores foram os palestrantes da abertura do SET com o tema Que Brasil é esse que construímos? Tiveram a companhia de Eduardo Lyra, 26 anos, cujo depoimento ilustrou a revolução social que ocorre nas favelas. Filho de um ex-drogado e ex-criminoso, Lyra não se deixou levar pelo ambiente ruim que o cercava desde o nascimento, tomou como exemplo de vida as lições de sua mãe, tornou-se jornalista e escritor, autor de Jovens Falcões. Fundou o Instituto Gerando Falcões e por meio do hip hop, dança de rua, teatro e literatura, já tocou a vida de mais de 200 mil jovens de comunidades. Se não bastasse, foi eleito pelo Fórum Econômico Mundial, um dos 15 jovens brasileiros que pode melhorar o mundo e saiu na lista da revista Forbes Brasil como um dos 30 jovens mais influentes do País, sendo o único de periferia.
Palestrantes /Edissa Waldow/FamecosPUCRS
Palestrantes na abertura do SET/Edissa Waldow/FamecosPUCRS

Meirelles apresentou a nova classe média brasileira, mais rica que 54% da população mundial. Disse que o Brasil mudou muito nos últimos dez anos, sendo que a renda dos 25% mais ricos cresceu 12,8%, enquanto a renda dos 25% mais pobres cresceu 44%. A estrutura do país passou da pirâmide social para um losango social, com mais gente nas classes C, D e E, a nova classe média. Isso significou uma enorme transformação no perfil do consumidor e no mercado de comunicação.
“O controle da inflação e o crescimento dos empregos formais no país deram origem à nova classe média, ou classe C, que tem renda de R$ 320 a R$ 1.120 por pessoa da família”, afirmou.
Outra questão interessante levantada pelo publicitário é que as classes ricas A e B, que representam 5% da população com renda de R$ 10 mil, não se reconhecem como ricas. Se veem como classe média e, por isso, se sentem incomodadas quando percebem a ascensão das classes C, D e E.
Ele ressalta que a mobilidade de classes econômicas no Brasil aconteceu de baixo para cima. “Hoje, 44% das classes A e B representam a primeira geração com dinheiro da família. Os avós e os pais não tinham uma boa renda, mas ele tem. São milhões de brasileiros que têm o modo de pensar da classe C e o bolso da classe A”, disse.
Athayde e Meirelles, atualizam as informações a respeito deste universo gigantesco / Foto Divulgação
Athayde e Meirelles, os autores / Foto Divulgação

“Renda dos moradores das favelas brasileiras é de R$ 64,5 bilhões, quase o consumo do Paraguai e Bolívia, juntos”
Nesse contexto, segundo Meirelles, os territórios que eram completamente invisíveis ganharam força. “As favelas, locais de exclusão, de ocupações, são os consumidores antes invisíveis que agora tem poder de compra. Nas favelas, 53% das pessoas já passaram fome. Mas o quadro está mudando. O Brasil tem 14 milhões de pessoas morando em favelas. Se existisse um estado da federação chamado Favela, seria o 5º maior do país. Há mais favelado do que pessoas morando aqui no Rio Grande do Sul. A renda anual desses moradores de favelas é de R$ 64,5 bilhões. Essa renda é quase o consumo total do Paraguai e Bolívia. E, acreditem, ainda é invisível para muitas empresas, inclusive veículos de comunicação. As empresas não sabem se aproximar desse novo consumidor”, revelou.
A expectativa é de que a favela continue melhorando porque a vontade de empreender lá dentro é muito grande, segundo o publicitário. “Nas favelas, 28% dos moradores têm intenção de um dia abrir seu próprio negócio, 81% gostam de viver na favela onde estão, 62% declaram ter orgulho de pertencer à comunidade onde moram e 2/3 não gostariam de mudar para outro bairro, sendo que apenas 16% acham que a favela onde moram vai ficar mais violenta e 76% acreditam ela vá melhorar”, completa.
Cleber Dioni Tentardini

Morro Santa Teresa: 48 entidades assinam manifesto a Tarso

Foi entregue no sábado ao governador Tarso Genro um manifesto,”tirado em reunião acontecida sexta-feira, 12, na vila Padre Cacique, noticiando e reclamando que o secretário da SEHABS, Marcel Frison, se nega a assinar a Concessão de Uso, além de não atender compromissos que assumiu no MP”.
A Concessão de Uso abriria caminho para regularizar as vilas, onde vivem 1.600 familias, consolidadas em áreas  do Morro Santa Teresa, num dos pontos mais valorizados de Porto Alegre.
As 48 entidades que assinam o manifesto integram o Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa, formado ainda no mandato de Yeda Crusius, como reação a um plano do governo, de permutar a área do Morro com uma construtora privada, em troca de imóveis menores em várias áreas da cidade, para descentralizar os serviços da Fase (Fundação de Assistência Socio-Educativa), que lida com menores infratores.
Tarso apoiou o movimento desde o início e tomou medidas no terreno das formalidades.
Na prática, como reclamam os defensores do morro, quase nada aconteceu. O morro continua ameaçado pelo aumento das invasões, para degradação ambiental e pela especulação imobiliária.
A regularizaçao das comunidades consolidadas há mais de 20 anos na área é um dos é um dos três pontos defendidos pelo movimento. Os outros são a delimitação de uma área de preservação, um parque ambiental, e o tombamento dos prédios históricos remanescentes.
 
MANFESTO EM DEFESA DA GARANTIA DA POSSE DAS COMUNIDADES
DO MORRO SANTA TERESA – PORTO ALEGRE
Excelentíssimo Senhor Tarso Genro Governador do Estado
As comunidades do Morro Santa Teresa, reunindo 1.600 famílias, através do Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa, receberam, nesta semana, um duro golpe contra seus direitos adquiridos, depois dos Decretos 48.029/2011[1] e 49.265/2012, editados por V. Exa. que deram acolhida às suas três demandas deste Movimento e reconhecem o direito de permanência no local, e de um ano sem resposta da FASE e Casa Civil ao Pedido de Concessão de Uso, entregue em março de 2012: o Secretário Marcel Frison se nega a assinar a Concessão de Uso, elaborada conjuntamente por equipe técnica da SEHABS e representantes deste Movimento liderados pelo Dr. Jacques Alfonsin.
As comunidades do Morro Santa Teresa, em conjunto com as suas assessorias e seus apoiadores, vem desde 2010 lutando pela defesa do seu território de moradia e pela preservação de um dos mais belos patrimônios ambientais da cidade de Porto Alegre, o Morro Santa Teresa. Uma luta que teve seu ápice com a tentativa de venda da área pertencente à FASE/RS pela então Governadora Yeda Crusius, à época impedida pela força do movimento popular organizado.
Em apoio a esta demanda do Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa, o seu governo editou dois Decretos – Decreto 48.029/2011[2] e Decreto 49.265 / 2012 – que, afirmando o seu compromisso com a pauta do movimento, impulsionou a nossa caminhada rumo à garantia dos nossos direitos, em especial o direito à cidade e à moradia.
Complementarmente às ações governamentais, de ordem normativa, lutamos muito e conquistamos junto ao legislativo e executivo municipal um Zoneamento que especializou as nossas demandas: a Lei Complementar no 717/2013[3] gravou no Morro Santa Teresa a AEIS nas áreas ocupadas por assentamentos informais, a AEIC nas áreas de interesse cultural e AEPAN nas áreas de preservação do ambiente natural.
Nossa luta avança, e precisa avançar. Estamos focados em materializar o nosso direito à cidade, à moradia e ao meio ambiente através de obras emergenciais que tragam luz às vilas União Santa Teresa e Gaúcha, que promova a urbanização dos assentamentos e a consequente qualificação do meio ambiente e que garanta definitivamente a posse das famílias que ali moram a mais de 40 anos e que já possuem esse direito à moradia reconhecido pelas normas e pelas políticas públicas que sonhamos e construímos juntos nesses mais de 13 anos de luta pela reforma urbana no país e no nosso Rio Grande do Sul.
Contudo, nossa luta está em pausa. Uma pausa provocada pela NÃO AÇÃO PÚBLICA e que está travando a materialidade dos nossos direitos: (i) desde 2011 o GT instituído pelo Decreto 49.256 de junho de 2012, o qual é liderado pela SEHABS, se reuniu apenas uma vez (1º de abril de 2014) sem nenhum encaminhamento concreto, pontual ou de caráter intersetorial; (ii) há mais de dois anos as comunidades aguardam a finalização dos trabalhos técnicos realizados pela empresa Engeplus sob a coordenação da SEHABS, sendo que esses são a base fundamental para o início do processo de regularização fundiária; (iii) neste período a SEHABS só recebeu as comunidades no Ministério Público Estado do Rio Grande do Sul[4] e não realizou nenhuma intervenção ou diálogo com a comunidades sobre a situação do Morro. Mesmo as obras da CEEE nas vilas Gaúcha e União, conquistadas com muita insistência e dialogo com CEEE e Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, iniciou e paralisou, com a significativa retirada dos postes recentemente colocados e dos empreiteiros de dentro das comunidades; (iv) a partir de insistentes demandas do Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa, a SEHABS, desde maio desse ano vem discutindo junto aos técnicos do Movimento – ONG ACESSO e ONG CDES – uma Minuta de Termo de Concessão de Uso Especial para fins de Moradia Coletiva que garantirá a segurança na posse das famílias que residem no Morro até que o processo de urbanização da área seja impulsionado pelo Estado, visto que em dois anos não se avançou dos levantamentos técnicos para os projetos necessários à urbanização.
Importante destacar que após toda essa trajetória de luta e também de conquistas, as comunidades do Morro Santa Teresa foram surpreendidas recentemente pela posição CONTRÁRIA à CUEM do Secretário de Habitação. Foi um golpe duro pois contrariou inclusive a previsão do próprio Secretário para a contratação de projeto de urbanização até o final de 2014 afirmada na reunião como Ministério Público! O Movimento em Defesa do Morro Santa Teresa, suas entidades e comunidades, entendem que a Concessão de Usos Especial para Fins de Moradia é um DIREITO que deve ser reconhecido pelo Estado do Rio Grande do Sul através da expedição dos termos em seu caráter coletivo. SEM A TERRA NÃO SE GARANTE A MORADIA. PELO DIREITO À MORADIA, CUEM JÁ!
Porto Alegre, 13 de setembro de 2014.
MOVIMENTO EM DEFESA DO MORRO SANTA TERESA
1) Associação de Moradores União Santa Teresa
2) Associação de Moradores da Vila Gaúcha
3) Associação de Moradores da Vila Ecológica
4) Associação de Moradores Vila Padre Cacique
5) Acesso Cidadania e Direitos Humanos,
6) CDES Direitos Humanos
7) SENGE/RS
8) SAERGS/RS
9) IAB – Institutos dos Arquitetos do Brasil
10) AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul
11) CUT – Central Única dos Trabalhadores
12) CPERS – Sindicato; Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento rbano da OAB/RS
13) FETRAFI/RS – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições inanceiras do RS
14) SINDBANCÁRIOS – Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região
15) SINDSEPE/RS – Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do RS
16) SINDIÁGUA/RS – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e istribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado do RS
17) SINPRO-RS – Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS
18) UGEIRM – Sindicato de Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia do RS
19) SEMAPI – Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Iformações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do RS
20) ASAE – Associação dos Servidores da Ascar/Emater-RS
21) AFUFE – Associação dos Funcionários da FPE e FASE
22) AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
23)INGÁ – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais
24) Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente – MOGDEMA
25) ASTEC – Associação dos Técnicos Industriais da Corsan
26) AECO – Associação dos Engenheiros da Companhia Riograndense de Saneamento
27) CMP – Central dos Movimentos Populares do RS
28) MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados
29) Grande Oriente do Rio Grande do Sul
30) Associação de Moradores da Vila Figueira
31) Associação de Moradores da Vila Santa Rita
32) Associação dos Moradores do Centro
33) Associação Comunitária do Morro da Cruz
34) Associação dos Moradores do Bairro de Ipanema
35) Amigos do Bairro Jardim Botânico
36) Amigos da Rua Gonçalo de Carvalho
37) Movimento em Defesa da Orla do Guaíba
38) Movimento Abrace o Guaíba;
39) ONG União pela Vida
40) ONG Solidariedade
41) Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)
42) Defender – Defesa Civil do Patrimônio Histórico
43) Centro de Desenvolvimento dos Bairros Tristeza, Vila Assunção, Conceição e Pdra Rdonda
44) Centro Comunitário Educacional
45) CIDADE – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos
46) Associação Ambiental Amigos da Paisagem ASPreservada de Quintão/PS/RS
47) Comunidade Autonoma Utopia e Luta (Coopsul)
48) AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre
 

Moradores se mobilizam para debater projetos

O projeto Pontal do Estaleiro segue provocando polêmicas. Depois que grupos pró e contra o empreendimento se encontraram na Câmara de Vereadores, em um protesto silencioso, o primeiro sábado de primavera promoveu novo embate entre os antagonistas. Dessa vez, próximo ao local do empreendimento. Até o dono da BM PAR, Saul Boff, apareceu para conferir o embate. Além de pendurar faixas e cartazes, os manifestantes distribuíram panfletos argumentando suas posições.
Já na Cidade Baixa o protesto dos moradores teve como alvo a construtora Melnick, que projeta uma edifício de 19 andares no terreno de duas casas e um posto de gasolina. A área já estava sendo preparada para a implantação do show-room. Mas a construção foi embargada temporariamente em razão da queda de uma árvore protegida por decreto. Segundo os engenheiros, foi um acidente. Mas os moradores suspeitam inclusive do envenenamento da vegetação local.
Quem ataca o projeto teme que a alteração na lei que proíbe empreendimentos habitacionais na beira do Guaíba seja apenas o início da ocupação da Orla por empresas privadas. Mas para o grupo favorável ao empreendimento, o projeto trará melhorias estruturais para a região, que consideram abandonada.
Eles já recolheram centenas de assinaturas para que o empreendedor reduza o impacto do projeto, diminuindo o número de andares, ampliando os recuos e as áreas verdes do novo edifício.

Governo tem R$ 2 bilhões para os quilombos

O governo federal anunciou que tem mais de R$ 2 bilhões para aplicar nas comunidades remanescentes dos antigos quilombos (redutos de escravos fugidos), nos próximos três anos.
O dinheiro será aplicado para facilitar o acesso à terra, melhoria de saúde educação e saneamento básico. Existem mais de 3 mil comunidades quilombolas no país, mas apenas 150 tem título de propriedade regularizado.
As intenções, entretanto, esbarram em obstáculos para o repasse de verbas. O Brasil Quilombola, principal programa para a área, gastou de janeiro a julho, menos de R$ 1,3 milhão dos R$ 71,5 milhões de sua dotação inicial para 2008.
As crianças quilombolas apresentam os piores indicadores da situação da infância no País. 11,6% delas vivem em desnutrição, muito superior à média brasileira, onde 7% dos menores de 5 anos estão desnutridos. 43,8% da população remanescente de quilombos vive sem água encanada e 45,9% sem esgoto, enquanto que as médias nacionais são 91,23% de municípios com canalização interna e 95,22% com esgotamento sanitário.
De acordo com a “Chamada Nutricional de Crianças Quilombolas Menores de Cinco Anos de Idade”, realizada em 2006 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, as comunidades “encontram-se em situação precária de vida, com péssimas condições de moradia e acesso a serviços de água e esgoto”.
Em Nota Técnica, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que dos R$ 92,47 milhões de todo o Orçamento Quilombola 2004/2007, apenas 6,39% foram aplicados de fato. O programa principal, o Brasil Quilombola – sob a coordenação da Secretaria Especial de Promoção das Políticas de Igualdade Racial (Seppir) – gastou, durante os quatro anos, 32,27% dos R$ 150,26 milhões aprovados para a pasta.
A gerente de Projetos para Comunidades Tradicionais da Seppir, Ivonete Carvalho, diz que, para ter acesso à maioria desses recursos, são necessários projetos originados e executados pelo poder público municipal. “O problema é que as prefeituras não detêm conhecimentos técnicos para elaborar projetos voltados para o público quilombola”. Segundo ela, outro grande entrave é o ritmo dos processos de regularização fundiária, que não está em consonância com as ações governamentais. “Leva tempo. Precisa do laudo que define o perímetro da comunidade, de um estudo antropológico, do documento de certificação”, enumera.
Situação das Terras
A demora na demarcação das terras e a falta de projetos das prefeituras impedem a construção de novas escolas, estradas e obras de saneamento. “Quando a terra está irregular, os órgãos aguardam o parecer técnico para realizar qualquer ação. Mas existem programas que não precisam do título da terra nem de mecanismos burocráticos. Independente das terras estarem regularizadas, políticas de saúde e educação deveriam chegar às comunidades”, completa Ivonete. E até agora, de acordo com o orçamento do Brasil Quilombola de 2008, deixaram de ser aplicados R$ 52 milhões em indenizações aos ocupantes de terras demarcadas, R$ 2,8 milhões em apoio do desenvolvimento sustentável, R$ 1 milhão em Educação e R$ 820 mil em Saúde.
Para Maria Auxiliadora Lopes, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), a maior de todas as dificuldades é a falta de prédios escolares. Desde 1997, a Secretaria do Tesouro Nacional permite que haja construção de patrimônio público apenas “em territórios ocupados por comunidades quilombolas ou indígenas devidamente certificadas por órgão ou entidade competente”. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o tempo médio que leva o processo de reconhecimento das terras, que vai da regularização do território até a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, é de um ano. Já a expedição de título de propriedade para a comunidade depende da desapropriação, que na maioria das vezes é decidida na Justiça, em tempo indeterminado. Para as duas entidades, tanto o MEC quanto o Incra, a excessiva burocratização dos procedimentos é o que mais concorre para a demora no processo de regularização das terras quilombolas.
A última verba repassada pelo Ministério da Educação (MEC) para projetos exclusivamente quilombolas foi em 2006, quando R$ 8,8 milhões foram aplicados em formação de professores, distribuição de material didático e construção e equipagem de prédios escolares. Em 2007 não houve nenhum repasse direto – o ano foi dedicado à elaboração do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Em 2008, o MEC ainda não repassou nada. Os motivos apontados pela Secad são atrasos em assinaturas de convênios, falta de propriedade de terras para a ampliação física da rede de ensino e agora por causa da legislação eleitoral, que proíbe transferências de recursos do governo federal para Estados e prefeituras nos três meses anteriores às eleições. Um total de R$ 8 milhões só vai começar a ser aplicado a partir de outubro, em reforma e construção de escolas.
Precariedade nas Comunidades
Fora das grandes cidades, os grupos étnicos raciais que se autodenominam “quilombolas” reproduzem costumes e tradições dos que lutaram contra a opressão da escravidão. Apesar da grande representatividade – cerca de dois milhões de pessoas em todo o Brasil – as comunidades remanescentes de quilombos estão separadas por um abismo social e econômico que as colocam entre os piores indicadores sociais do País. O Incra estima que existam mais de três mil comunidades quilombolas, onde vivem aproximadamente 900 mil crianças.
Ana Emília Moreira Santos, representante da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), lamenta que esta população continua, como há décadas, à margem das políticas públicas. Segundo a representante, são necessárias articulações locais. “O governo até que quer ajudar, mas falta compromisso de quem está à frente. A relação mais conturbada é com a esfera municipal”, diz. Ana Emília é moradora da comunidade de Matões dos Moreiras, situada no município de Codó, estado do Maranhão. Formada por 55 famílias, cerca de 160 pessoas, Matões dos Moreiras está a 48 km da sede municipal. A estrada mais próxima está a 6 km de distância, e na época de chuvas, o acesso piora com a travessia do riacho Codozinho. Não existe saneamento. A água consumida pela população vem de cacimbas ou do açude construído pelos moradores. As casas são de alvenaria, também construídas pela população, com recursos da prefeitura. Eles vivem da agricultura familiar. A casa de farinha, a usina de arroz e a venda da palha são os meios de sustento.
“Lá não tem escola. Nossas crianças têm aulas em um salão de festas construído pelos próprios moradores, a base de tijolo e o teto feito da palha do coco babaçu”, diz. São duas professoras, pedagogas pagas pelo município que passam a semana na comunidade. Uma ensina 28 crianças de 1ª a 4ª séries e a outra cuida de 25 crianças de 3 a 5 anos. Os adolescentes que querem estudar em Matões dos Moreiras precisam aproveitar convênios feitos pela comunidade para formar turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), ou então vão até a sede do município. Segundo ela, meninos a partir de 12 anos já ganham o mundo atrás de uma vida melhor. Eles não conseguem se manter longe da família só estudando e acabam nas lavouras, para o corte de cana. “As crianças e os adolescentes são o futuro das comunidades. Se a comunidade não tem nada para oferecer ao jovem, ele não tem motivos para ficar. Acaba indo embora, acaba se desviando. É tudo o que a gente não quer”, ressalta Ana Emília.
É preciso “acelerar os processos”
Estudos de caso e levantamentos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) confirmam a extrema desigualdade dos indicadores socioeconômicos quilombolas, comparados às médias nacionais e regionais. A situação dos quilombolas, assim como a de outras comunidades tradicionais (os indígenas, por exemplo), é desconhecida pela maioria da sociedade. Helena Oliveira, oficial de projetos de Proteção à Infância do Unicef, diz que os grupos são invisíveis aos olhos da sociedade e esta invisibilidade se apresenta nas políticas públicas quando crianças quilombolas não recebem uma educação contextualizada, precisam viajar de barco ou caminhar vários quilômetros para freqüentar salas de aula na sede de um município mais próximo. Ou quando o acesso para o pré-natal e o registro civil de nascimento são quase um sonho.
“Alguns livros didáticos ainda mencionam as comunidades quilombolas como algo que existiu no passado na formação da sociedade brasileira. No entanto são comunidades contemporâneas a nós”, lembra Helena. Para ela, o preconceito e o olhar de estranhamento com essas comunidades ainda é muito grande. “Elas reúnem histórias e conhecimentos acumulados por séculos, mas para muitos são desconhecidos ou defasados”, diz. Segundo Oliveira, o impacto da negação dessas populações vai comprometer as chances do País alcançar os objetivos e metas do milênio, como a redução dos índices de mortalidade, analfabetismo, qualidade ambiental e pobreza. “O grupo mais afetado são as crianças e os adolescentes que, com elevados índices de distorção idade / série, reproduzem nas gerações seguintes os índices de desigualdade e exclusão”, esclarece.
Para conseguir que o orçamento estimado chegue às comunidades, a Seppir vem traçando estratégias que visam agilizar a execução do orçamento. Além da criação da Agenda Social Quilombola, lançou edital para projetos e subsidia 12 comitês estaduais, formados por entidades jurídicas articuladoras, gestores municipais, estaduais e lideranças quilombolas. A Seppir prevê também cursos de capacitação para gestores e, junto com a Petrobras, a criação de 16 Centros de Referência Quilombola (CRQ), espaços de promoção atividades econômicas, culturais, sociais e religiosas. “Uma coisa é pactuar com um ministério, outra coisa é discutir a estratégia e ajudar a fazer. E é isso que nós estamos tentando: acelerar os processos”, diz Ivonete Carvalho.
Em paralelo, o Unicef busca fazer uma pesquisa nacional nas comunidades quilombolas, em especial sobre a situação das crianças. Nessa pesquisa, com previsão para iniciar ainda em 2008, a entidade tem a intenção de conhecer a realidade cotidiana e propor alternativas que fortaleçam a preservação da identidade étnico-racial. A idéia é envolver crianças e adolescentes nesse processo, tornando-os agentes ativos e protagonistas na preservação da cultura local, para que seja assegurado o reconhecimento e o respeito às suas comunidades.
Veja no site da ANDI:
Nota Técnica nº 139 do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc): “Orçamento quilombola: entre o previsto e o gasto”
Resumo executivo da “Chamada Nutricional de Crianças Quilombolas Menores de Cinco Anos de Idade”, realizado em 2006
Tabela com o Orçamento 2008 do Programa Brasil Quilombola (atualizado em Agosto/08)