Freio de Ouro, a Fórmula 1 dos cavalos crioulos

Para muita gente, o evento mais marcante da Expointer é o Freio de Ouro, competição que reúne no primeiro fim de semana da exposição (este ano, os dias 30 e 31 de agosto, sábado e domingo) os melhores cavalos e éguas da raça crioula, a favorita dos gaúchos, presente na grande maioria das fazendas pobres ou ricas do Rio Grande do Sul.
Fruto de uma “peneira” anual pela qual passam mais de 1 500 animais (dos quais saem os 96 finalistas que se encontram em Esteio), o Freio de Ouro premia o animal que conseguir a maior pontuação em oito exames: morfologia, figura e andadura; volta sobre patas, freadas; aparte de gado; pechada; paleteada – esta, a mais espetacular, na qual dois cavaleiros prensam um novilho em disparada, fazendo-o retroceder.
É nessa prova acompanhada ao vivo por milhares de pessoas, inclusive pela TV, que os fotógrafos se esbaldam.
Algumas provas são monótonas, quase burocráticas. A andadura mais valiosa é o trote (peso 8), que vale o dobro do galope (peso 4), o qual pontua mais do que o tranco (passo), que pesa apenas 3 pontos. Essa contagem de pontos faz sentido numa raça equina mais procurada para o serviço cotidiano junto ao gado do que para passeios ou corridas.
O que pouca gente sabe é que o regulamento do Freio de Ouro, com 144 artigos e centenas de parágrafos, manda eliminar da prova de andadura o cavalo marchador, “por não ser a marcha uma andadura própria da raça crioula” (parágrafo único do artigo 49). Os jurados não costumam perdoar: crioulo marchador não só é retirado da competição como tem cassado o registro definitivo na Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC). Para os técnicos no assunto, o cavalo marchador é defeituoso por trotar de patas trocadas, de tal forma que sua andadura rende menos no serviço campeiro. Além disso, o animal marchador se atrapalha ao saltar um obstáculo, daí ser tradicionalmente descartado pelo Exército, um dos principais interessados na criação de um cavalo de qualidade. Evidentemente, os criadores de mangalarga marchador discordam desses critérios.
GINETES
O Freio do Ouro, ensaiado em provas rústicas no interior gaúcho no final dos anos 1970 e introduzido oficialmente em 1982 no parque da Expointer, criou um sólido mercado de trabalho para profissionais da equinocultura – veterinários, zootecnistas, transportadores, guasqueiros, ferrageadores, treinadores e cavalariços. Os mais cotados são os treinadores-ginetes, que preparam e montam os candidatos ao FO. Para eles, chegar às finais já é uma conquista. Uma vitória na grande prova pode triplicar o valor dos animais, enquanto os seus condutores ganham projeção como treinadores. Alguns têm torcida fiel nas arquibancadas.
Nos bastidores do crioulismo, fala-se que um treinador “top” ganha pelo menos R$ 20 mil por mês para treinar a cavalhada mais promissora das cabanhas mais ricas. Além de receber honorários mensais para preparar os animais, os treinadores-ginetes têm direito a bônus por troféus conquistados. Mas, como os jogadores de futebol, eles não competem por muito tempo. No fundo, no fundo, a profissão de ginete-treinador é doída e arriscada.
Dentre a dezena de ginetes mais em evidência no Freio de Ouro, um dos mais cotados é Zeca Macedo, de 34 anos. Ganhador de vários troféus do FO, ele mantém um concorrido centro de treinamento em Rio Grande, com 30 cocheiras ocupadas a maior parte do ano. Para treiná-los, Macedo emprega uma dezena de ajudantes, mas somente ele monta os animais confiados a seu treinamento. A técnica de preparo dos animais é muito pessoal, sem manual e cercada por certa mística.
Já enquanto estão competindo alguns ginetes se tornam criadores de cavalos e de gado, mas é o adestramento de crioulos que lhes dá mais renda. Para Guto Freire, 31 anos, com dez animais classificados para as finais deste ano, não tem sobrado tempo para exercer seu oficio de médico-veterinário. Ele passa o dia seu tempo no centro de treinamento que mantém em Santo Antonio da Patrulha, a 80 quilômetros de Porto Alegre, de onde só sai para competir ou fazer uma visita técnica.
O SERVIÇAL DO CAMPO
O preparo de crioulos não dispensa os tradicionais domadores e envolve todo o pessoal que trabalha por salário ou diária nos centros de treinamento, nos locais de prova e nas fazendas, onde o cavalo ainda é o mais eficiente veículo de serviço com o gado.
Um passeio pelo recinto do Parque de Esteio confirma o quanto o trabalho campeiro gira em torno do cavalo. A ABCCC tem o maior número de cocheiras, o maior número de animais inscritos e as instalações mais bem preparadas para suas provas.
Durante a Expointer, com ou sem crise na pecuária, o restaurante da raça crioula mantém um permanente clima de festa. E nas ruas do parque há inúmeros quiosques vendendo apetrechos de montaria fabricados por guasqueiros (artesãos de laços, rédeas e afins) que trabalham boa parte do ano apenas para suprir a demanda associada à Expointer e à Semana Farroupilha.
Para gerir um rebanho de mil cabeças de boi, é preciso revezar pelo menos 25 equinos. No Rio Grande do Sul, há 14 milhões de bovinos. E 4 milhões de ovinos. É no campo, em serviço, que se encontra o maior número de cavalos crioulos. Eles somam pelo menos um milhão de animais no Brasil ou cerca de 20% do rebanho equino nacional, estimado em 4,6 milhões de cabeças.
A poderosa ABCCC, fundada em 1932 em Pelotas, possui apenas 2 500 sócios efetivos, mas tem registrados cerca de 250 mil cavalos (vivos) pertencentes a 20 mil proprietários.
No Brasil o registro do crioulo só perde para o mangalarga e o mangalarga marchador, que somariam, cada um, cerca de 400 mil animais registrados, segundo estimativas mais ou menos confiáveis.
Em seguida vêm o quarto-de-milha, o árabe e o campolina.
Um cavalo/égua enobrecido(a) pelo registro na ABCCC e pelas medalhas em competições pode valer até R$ 500 mil. Desde a criação do Freio de Ouro, o crioulo se tornou um negócio, mais até do que um hobby de ricos proprietários de terras.
Foi um salto espetacular que, paradoxalmente, não atinge o interior remoto, onde um bom crioulo de serviço, castrado e domado, pode ser comprado por R$ 1 000.
Considerando que uma doma não sai por menos de R$ 500, pode-se concluir que um cavalo comum vale pouco mais que nada. Como nas canções, quem mais o valoriza é seu próprio dono.
RAÍZES ARGENTINAS
A história do crioulo, como raça definida, é pouco anterior à ABCCC. Descendente dos cavalos trazidos da Europa pelos colonizadores espanhóis e portugueses, esse cavalo típico das fazendas do Sul da América teve seu padrão estabelecido nos anos 1920 pelo veterinário argentino Emilio Solanet (1887-1979), que foi buscar os biótipos iniciais nas manadas dos índios da província de Chubut, junto aos Andes do sul da Argentina.
Para Solanet, que escrevia artigos em La Nación, o maior jornal de Buenos Aires, as principais qualidades do cavalo crioulo eram a rusticidade, a funcionalidade, a longevidade, a habilidade no trato com o gado, a docilidade e a inteligência.
Para prová-lo, ele teve uma ideia aparentemente maluca: mandou um cavaleiro chamado Aimé Tschiffely (nativo da Suíça) viajar de Buenos Aires a Nova York com dois crioulos, Gato e Mancha.
Se fueran. Por aqueles dias de abril de 1925, o ás do tango Carlos Gardel fazia sua primeira tounée pela Europa. A viagem de 20 mil quilômetros por desertos e geleiras consumiu três anos e cinco meses. Como nas migrações indígenas, era preciso parar para descansos que se prolongavam por causa do clima. De tempos em tempos a viagem era noticiada por La Nación.
A entrada triunfal do gaúcho em NY, montado no pingo Gato, a 20 de setembro de 1928, foi consagrada pelo Congresso argentino, que fixou a data como El Dia Nacional del Caballo – criollo, por supuesto.
Pioneira lição de “marketing equino”, a proeza argentina entrou para a história como um atestado de resistência desses animais que durante décadas foram selecionados no Cone Sul por criadores anônimos para manejar o gado, transportar cargas e deslocar exércitos em lutas por territórios ou poder. Nos tempos de paz, quando o contrabando era livre, o vaivém de tropas facilitava o intercâmbio de cavalhadas. Assim se criou no Pampa o mito do centauro, metade homem, metade cavalo. Em cima, o gaúcho; em baixo, o crioulo. Não por acaso o melhor pintor da simbiose homem-cavalo no Pampa foi o argentino Molina Campos (1891-1959), cuja obra foi largamente difundida em calendários rurais no Cone Sul.
No início dos anos 1950, a mística do crioulo argentino pairava sobre a fronteira, tanto que o recém-formado veterinário Flávio Bastos Tellechea foi passar um tempo no interior da Argentina, para estudar in loco. Seu objetivo primordial era aprimorar o gado da Fazenda Paineiras, herança do pai, João Francisco Tellechea, um dos fundadores da Ipiranga, a primeira refinaria nacional de petróleo, criada em 1937. Somente no início da década de 1960 ele e o irmão Roberto Bastos Tellechea (diretor da Ipiranga) enveredaram para a criação de crioulos. Já encontraram então na própria Paineiras boas matrizes que seriam do tempo do primeiro Tellechea, um basco chamado Domingos, que se estabeleceu em Uruguaiana em 1865, no começo da guerra do Brasil com o Paraguai.
No início, os irmãos BT cruzaram crioulos gaúchos, argentinos e uruguaios. Como criador, cavaleiro e juiz de exposições equinas, Flávio concluiu que os melhores cavalos para os serviços campeiros eram aqueles de bons aprumos dianteiros, pescoço mais leve e quartos profundos — combinação nem sempre encontrada em crioulos importados da Argentina e do Uruguai, onde os criadores davam mais atenção à morfologia do que à funcionalidade.
UMA LENDA CHAMADA HORNERO
Em meados dos anos 1970, em busca de sangue novo, os cabeças do crioulismo gaúcho começaram a comprar garanhões de La Invernada, estância chilena que viera expor em Esteio, num raro movimento de integração em plena efervescência das ditaduras militares do Cone Sul. Foi quando os Tellechea compraram o chileno Hornero, marco de uma revolução genética que chegou a despertar o interesse do general de cavalaria João Figueiredo, presidente da República (1979-1985), durante uma visita dele a Jaguarão, berço das provas que formatariam o Freio de Ouro.
Não há como negar que, em pouco mais de 30 anos, o FO transformou a criação do crioulo num dos ramos mais florescentes da pecuária gaúcha. Antigamente, na economia das fazendas, o cavalo ocupava o último lugar, perdendo para os ovinos, que garantiam o custeio, e os bovinos, que traziam os lucros. “Hoje em dia, em muitas fazendas, o cavalo é o maior negócio, o gado segue em segundo e os ovinos estão sumindo na poeira”, diz o veterinário Wilson Aguiar, com mais de 30 anos trabalhando na ABCCC.

Tordilho Hornero / Foto Divulgação
Tordilho Hornero / Foto Divulgação

No início, quando o único patrocinador do FO era a Ipiranga, os próprios irmãos Flavio e Roberto Tellechea participavam das provas pioneiras; hoje, sobram patrocínios e até as 12 provas seletivas regionais são transmitidas pelo Canal Rural, a partir de fevereiro. Os comentaristas de TV conhecem o esporte, que reproduz em raias demarcadas os trabalhos elementares – e brutais – com o gado.
Espetáculo rural levado ao público predominantemente urbano (e indisfarçavelmente saudoso da vida campeira) de Esteio, o FO não é a única competição dos cavalos crioulos. A ABCCC mantém hoje uma média de 400 eventos por ano pelo interior. As provas de tiro de laço mobilizam cerca de 10 mil laçadores por ano. O Crioulaço, cuja final se realiza em janeiro, lota o parque de exposições de Esteio. Desde 1971 disputa-se a marcha de resistência, na qual os animais precisam percorrer 750 quilômetros em 15 dias – uma réplica das tropeadas de outrora. Os cavalos crioulos também estão sendo levados a disputar provas de enduro e de rédeas, que envolvem outras raças, principalmente o quarto-de-milha. Além disso, nas comunidades rurais do interior, onde pouco se liga para a genealogia dos animais, persistem ainda as corridas de cancha reta, costume campeiro que ignora a decadência dos jóqueis clubes, dominados pelo puro-sangue inglês e sustentados por apostas.
Por trás de tantas disputas, agita-se um grande mercado de compra e venda de potros, potrancas, matrizes e reprodutores. Ao longo do ano, as cabanhas mais ricas competem na organização de eventos. São festas para quem tem dinheiro – ou, pelo menos, dispõe de crédito para pagar suas compras em até 50 parcelas. Atualmente, as transações em hastas públicas envolvendo crioulos giram pelo menos R$ 100 milhões por ano, dez vezes mais do que há dez anos. Nos leilões da Expointer, o crioulo gira 70% do dinheiro aplicado na compra de animais em geral. Uma potranca de boa filiação não sai por menos de R$ 30 mil nas noitadas das cabanhas mais prestigiosas. A cobertura de um ganhador do Freio de Ouro custa tanto quanto uma moto. Como um garanhão pode cobrir 100 éguas por ano, a conquista do FO dá ao proprietário e ao criador do campeão um largo horizonte para trotear tranquilo na senda da fortuna.
O crioulismo está recheado de criadores emergentes, que entram no negócio para aplicar dinheiro amealhado em atividades urbanas – como, aliás, aconteceu com os Tellechea,.que aplicaram na pecuária parte do que ganhavam com o refino de petróleo e a venda de gasolina nos postos Ipiranga. Uma das cabanhas mais em evidência é a La Passión, sociedade entre Chico Bastos Tellechea e Jayme Monjardim, diretor de cinema e TV.
Em meio à espiral festiva do crioulismo, a Cabanha Paineiras continua viva em Uruguaiana. Desde a morte de Flavio Bastos Tellechea, em 1990, a empresa é gerida por mulheres. No começo, ficou sob controle de Lila, a viúva. Hoje está nas mãos da primogênita Maria da Glória Tellechea Cairoli, que cuida da “porteira afora”, e da caçula Mariana Franco Tellechea, veterinária responsável pela “porteira adentro”.
Para se manter na liderança do mercado, a Paineiras promove três leilões por ano para colocar a maior parte de sua produção, também vendida avulsamente, para criadores mais chegados à família. Há sete anos, numa noitada cujas vendas ultrapassaram R$ 3 milhões, a Paineiras vendeu por R$ 675 mil a campeã BT Doriana, 16 anos, uma das últimas filhas de Hornero, imprimiu seu DNA em 70% dos ganhadores do Freio de Ouro.
Uma das histórias mais incríveis do Freio de Ouro é que Hornero, um lindo tordilho, foi desclassificado na prova de morfologia por apresentar um sobreosso na canela — na época, considerado defeito fisiológico. Não para os Bastos Tellechea, que colocaram no animal sua marca BT. Morto em 1997, Hornero deixou mais de 1,3 mil filhos no Brasil, tornando-se a lenda recontada por todos os que viram nascer o Freio de Ouro. Não é de estranhar, portanto, que os cavalos crioulos sejam cantados em prosa e verso pelos chamados cantores nativistas, que dominam os shows das agrofestas sulinas.
Joca Martins tem dois CDs cujo tema central é o cavalo crioulo. Com letras de Rodrigo Bauer, ele canta rancheiras, milongas, chacareras e chamamés enaltecendo cabanhas, cavalos, estâncias e ginetes. Os versos têm rimas bizarras e suas metáforas lembram os sambas-enredo do carnaval carioca. Em Rodopio de São Pedro, canção em homenagem ao tordilho ganhador do Freio de Ouro 2008, a dupla Bauer-Martins descreve as principais aptidões exigidas dos animais:
“É o Rodopio de São Pedro, tordilho alma de touro;
Pingo que sabe o segredo pra ganhar o freio de ouro;
Função e morfologia, raça, coragem e ‘brio’;
A noite parece o dia quando chega o rodopio…
Aparta, pecha e esbarra, galopa, trota e tranqueia;
Quem busca o freio com garra, não teme a volta feia;
Corre o bovino sobrando, retoma e não vira o fio;
Levanta terra girando, que afinal é um rodopio…”

Um parque para os negócios do campo

Por Geraldo Hasse |

A 37ª. Expointer que começa no fim de agosto vai ser um teste decisivo para o projeto de transformar o Parque Estadual Assis Brasil num grande centro de eventos ligados ao agronegócio, com atividades permamentes em seus 141 hectares.
O projeto, já em andamento, prevê a construção de um agroshopping, um hotel, um centro tecnológico e um centro educacional agrorural.
Tudo em regime de parceria público-privada – o Estado cede os espaços, os empreendedores privados ocupam e exploram os negócios.
“Já existem interessados, inclusive de capital internacional”, garante Adeli Sell, subsecretário da Agricultura, responsável pelo parque.
Dois contratos já foram fechados com a concessão de duas das maiores áreas do parque de Esteio parque de Esteio para a Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) e o Sindicato da Indústria de Máquinas (Simers).
Com os quatro grandes espaços a serem concedidos por 25 anos, renováveis por outro tanto, o subsecretário espera completar a “transição para a sustentabilidade” iniciada este ano com as duas concessões já contratadas.
Responsável por uma das principais atrações da Expointer – as finais do Freio de Ouro, disputado por cavalos da raça crioula –, a ABCCC vai cobrir a arena de provas, de modo que a partir dos próximos anos, em caso de chuva, cavalos e ginetes ficarão livres das poças d’água e da lama.
Somado a obras de infraestrutura a serem feitas pelo governo do Estado, o investimento previsto para a área de 7,5 hectares da ABCCC é de R$ 15 milhões. O cavalo crioulo representa a grande maioria do rebanho equino gaúcho, estimado em 4,6 milhões de animais.
Cláudio Bier, presidente do Simers, apresentou recentemente ao governador Tarso Genro um esboço da estrutura que pretende construir dentro dos 12,4 hectares reservados às máquinas no parque, mas admite que depende de conversas com os grandes fabricantes que todo ano expõem em Esteio.
O Simers possui 160 associados, entre eles as norte-americanas John Deere e a Agco, as maiores fabricantes de tratores e colheitadeiras do país, ambas com fábricas no Rio Grande do Sul.
Como tradicionalmente montam estandes onerosos na Expointer, esses gigantes e os fabricantes menores, como as nacionais Agrale e Tramontini, com seus tratores para a agricultura familiar, provavelmente vão investir na construção de estruturas permanentes que poderão ser usadas durante todo o ano, de forma compartilhada, com revendas regionais.
O investimento previsto na área do Simers é de R$ 25 milhões.

Prefeito Gilmar Rinaldi Esteio visitou em maio as obras da Unibraspe, empresa paranaense de logística de combustíveis instalada junto à refinaria Alberto Pasqualini / Foto Divulgação PM Esteio / Divulgação
Prefeito Gilmar Rinaldi Esteio visitou em maio as obras da Unibraspe, empresa paranaense de logística de combustíveis instalada junto à refinaria Alberto Pasqualini / Foto Divulgação PM Esteio / Divulgação

Independentemente do encaminhamento desses grandes projetos, o parque de Esteio tende a evoluir para a operação permanente durante todo o ano e não apenas sazonalmente, com grande destaque para a Expointer, no final de agosto.
Desde março o parque está sendo aberto ao público nos fins de semana. Em dias de sol, milhares de pessoas ocupam as áreas verdes.
A direção promete criar atrações para que a população regional tenha uma nova opção de lazer.
Está decidido que a “casa branca”, antiga sede fazenda existente no local, será transformada no museu da agricultura e da pecuária do Rio Grande do Sul.
Também será implantado o Brique de Esteio. No inicio de novembro será realizado ali a November Fest, tendo como protagonistas as cervejas artesanais do RS.
Está previsto também um grande encontro religioso. E uma feira de automóveis. Na realidade, cabe quase tudo no parque. Faltava pique para a inovação.
Segundo Adeli Sell, há diversos interessados na dinamização do espaço administrado desde 1968 pela Secretaria da Agricultura.
A Associação das Pequenas Indústrias de Laticínios (Apil) poderá construir sua sede dentro do parque. O mesmo pode acontecer com a Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Agrampal), que precisa instalar em algum lugar sua central de compras.
A expectativa da direção do parque é que lhe seja permitido construir além do gabarito vertical de 16 metros (quatro pisos). “Não há nenhum motivo para que não possam ser construídos prédios mais altos neste local”, diz Sell.
O projeto do “Hotel Expointer” depende expressamente da liberação do gabarito. “Sem problemas”, diz o prefeito Gilmar Rinaldi, seguro de que uma eventual mudança na legislação passa tranquilamente pela Câmara, com 10 vereadores (Esteio tem 84 mil habitantes).
Com mandato até o final de 2016, o prefeito do PT está animado com as mudanças em curso não apenas no Parque Assis Brasil, mas no entorno. A inauguração da BR-448 (Rodovia do Parque), de Sapucaia do Sul a Porto Alegre, mudou o fluxo de veículos da BR-116.
Em maio passado, ele visitou as obras da Unibraspe, a nova vizinha da Expointer. Trata-se de uma empresa paranaense de logística de combustíveis que veio construir tanques de armazenagem perto da Refinaria Alberto Pasqualini.
Primeira ocupante do Loteamento Industrial de Esteio, a Unibraspe comprou 70 hectares de uma das últimas áreas pertencentes a herdeiros da família Kroeff, antiga dona da fazenda existente na região.
O último pedaço, com 600 hectares, foi comprado pela Bolognesi Empreendimentos, que não esconde sua intenção de construir ali, no futuro, condomínios residenciais para a classe média, como vem fazendo em Porto Alegre, Canoas e Cachoeirinha.
Antes disso, ela poderá negociar áreas para projetos comerciais ou industrais.
Para atrair parceiros, ela realiza pequenas obras de infraestrutura para evitar, por exemplo, enchentes como a de 2013, quando as águas de um afluente do rio dos Sinos inundaram boa parte do recinto de máquinas da Expointer.
Mostrando-se boa vizinha, a Bolognesi construiu um dique e um acesso para facilitar os negócios do parque de Esteio.

"Brasil pode dobrar produção sem tocar na Amazônia"

Entrevista com Luiz Fernando Cirne Lima
POR Geraldo Hasse
Dificilmente se encontra no Brasil de hoje uma autoridade técnica tão qualificada quanto o ex-ministro Luiz Fernando Cirne Lima para falar sobre o cruzamento da agricultura de grãos com a criação de gado, um dos assuntos do momento no mundo dos negócios rurais.
Aos 81 anos, ele já doou a fazenda em Dom Pedrito (RS) para os filhos, mas continua trabalhando como consultor e palestrante em zootecnia – sua maior especialidade, desenvolvida desde meados dos anos 1950 como livre docente da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, primeiro cargo de uma carreira brilhante.
Com pouco mais de 30 anos, Cirne Lima foi o primeiro brasileiro a julgar bovinos de raça na Inglaterra, berço da genética que deu impulso à pecuária do sul da América.
Era presidente da poderosa Farsul em 1968 quando a Secretaria da Agricultura decidiu fazer a primeira Expointer em Esteio, abandonando o parque do Menino Deus, no centro de Porto Alegre, onde desde o início do século XX se realizavam as exposições da pecuária gaúcha.
Como ministro da Agricultura no período 1969/1973, assinou a lei da fundação da Embrapa, um dos vetores do boom da soja no Brasil.
Neste depoimento, Cirne Lima fala não apenas da história da Expointer, mas do futuro do agronegócio brasileiro. “Podemos dobrar nossa produção sem tocar na Amazônia”, diz ele, sintetizando a confiança no desempenho dos agricultores brasileiros.
“A EXPOINTER ESTÁ NUMA ENCRUZILHADA”
O senhor se lembra do início da Expointer?
CIRNE LIMA – A Expointer nasceu no fim da década de 60, quando as exposições estaduais do Rio Grande do Sul, que eram apenas feiras de gado, tornaram-se praticamente inviáveis diante das limitações do parque de exposições do bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Havia ali quatro hectares da Secretaria da Agricultura. Era um parque muito bonito, muito bem conservado pelo governo do Estado. Os criadores faziam uma exposição de bom nível técnico em termos regionais, mas muito limitada em termos nacionais e diante dos países vizinhos, que historicamente nos forneciam reprodutores.
Como se deu a mudança?
CIRNE LIMA – A mudança ocorre depois que o primeiro brasileiro é convidado a julgar na Inglaterra e um grupo de criadores o acompanha para visitar a Royal Show…
Quem foi esse brasileiro?
CIRNE LIMA – Eu.
Quantos criadores gaúchos visitaram a exposição inglesa?
CIRNE LIMA – Uns 10 ou 12. Na volta ao Brasil, já havia um pensamento dominante: “Temos de sair do parque do Menino Deus e procurar um outro local”. O secretário da Agricultura era Luciano Machado, um bacharel em direito que havia sido um brilhante deputado federal. Ele era muito identificado com o setor agropecuário e acatou a mensagem trazida pelos visitantes da Royal Show. Isso significava uma mudança na própria concepção da exposição.
O que significa “mudança na concepção”?
CIRNE LIMA – No parque de Porto Alegre não se podia fazer mais do que uma exposição de animais. A Royal Show era uma feira de 55 hectares em que a pecuária ocupava apenas um segmento dessa enorme exposição, no centro geográfico da Inglaterra, perto da cidade natal de Shakespeare. A maior parte da área era para exposição de máquinas agrícolas e demonstração de tecnologias pecuárias e agrícolas.
O secretário Luciano Machado e uma comissão de produtores, uns três ou quatro, entre eles Dorval Ribeiro e Lauro Macedo, começaram a procurar um local e logo se fixaram numa propriedade da família Kroeff,  em Esteio, junto à BR-116, defronte à refinaria Alberto Pasqualini, da Petrobras. Como era amigo da família Kroeff, não participei da negociação. Mas o parque de Esteio, com 141 hectares, é fruto do trabalho de Luciano Machado e do veterinário-sanitarista Evelino Arteche, então diretor de produção animal da Secretaria da Agricultura.
É verdade que muita gente foi contra a transferência da feira de Porto Alegre para Esteio?
CIRNE LIMA – A realização da primeira Expointer foi muito polêmica porque algumas pessoas consideravam que a mudança fora precipitada. Naquela época se achava que Esteio era longe demais. Alguns criadores se negaram a expor seus animais. É verdade que faltava concluir caminhos dentro do parque e havia pistas de exposição em situação precária, mas desde a primeira vez se fez ali uma exposição diferente, com muitas máquinas e estandes de tecnologia agrícola. E o fato é que a Expointer se transformou num grande sucesso, é uma das maiores do mundo, sem dúvida a maior da América do Sul, em amplitude. Se existem hoje no mundo cinco grandes centros de negócios agrícolas, a Expointer é uma delas. A Royal Show, que foi modelo, não se realiza mais no mesmo local por causa dos custos. Hoje na Inglaterra se realizam exposições menores no interior.
No momento o parque de Esteio está em crise existencial: ser ou não ser um grande recinto de exposições…
CIRNE LIMA – Hoje o parque de Esteio precisa encontrar um modelo para administrar esse espaço que, fora a Expointer, é pouco utilizado ao longo do ano. A Expointer dura dois fins de semana. Os outros eventos do correr do ano não utilizam toda a potencialidade do parque, que se tornou um patrimônio público pouco aproveitado.
Fala-se muito em parceria público-privada.
CIRNE LIMA – Não tem outro caminho senão esse. Tem que se achar uma vocação a fim de dinamizar o parque. Hoje já existem umas tentativas. Muitas associações de criadores têm sede ali durante o ano, mas isso é pouco para o tamanho da área, a infraestrutura de energia elétrica e fornecimento de água.
É uma “cidade” que fica vazia a maior parte do ano.
CIRNE LIMA – Tem-se que achar um modelo de gestão. A Associação dos Criadores de Cavalos Crioulos está fazendo um projeto de ter lá dentro uma pista coberta para utilizar mais vezes durante o ano. É um desafio. Até agora Esteio cumpriu largamente sua missão como difusor de tecnologia, mas está numa encruzilhada.
Apesar da crise existencial do parque, a Expointer continua batendo recordes todos os anos.
CIRNE LIMA – A Expointer é muito representativa do momento que vive o agronegócio como um todo. A exposição de máquinas agrícolas de Esteio é um verdadeiro “salão do automóvel” da maquinaria agrícola do Brasil. Ainda que tenhamos em Não-Me-Toque uma exposição excepcional de tecnologia e de máquinas agrícolas, a Expointer é a grande feira brasileira de lançamentos de máquinas, novos modelos etc.
O fato de estar dentro da Grande Porto Alegre é uma vantagem?
CIRNE LIMA  – Historicamente, para o então chamado setor produtivo, a Expointer tinha um objetivo subliminar – servir como um ponto de encontro cidade-campo. Em 1970, a população brasileira estava distribuída meio a meio no campo e nas cidades, mas não havia uma integração, principalmente no aspecto psicológico. O citadino enxergava o rural como um elemento menos qualificado, menos educado etc.
JUNTO COM A EXPOINTER, OCORREU A ASCENSÃO DA SOJA
O senhor acha que houve uma integração cidade-campo?
CIRNE LIMA – O objetivo subliminar foi alcançado. No início a Expointer era visitada apenas pelas populações próximas de Esteio. Em seguida ela passou a ser visitada pela população de todo o Rio Grande. Hoje vêm ônibus de regiões longínquas que viajam 500 quilômetros para passar um dia no parque de Esteio. Num sábado ou domingo de sol entram na Expointer 150 mil pessoas. A Expointer contribuiu para uma melhor compreensão entre esses dois segmentos sociais. Hoje a população que trabalha na terra é altamente minoritária, mas a  aproximação se fez de maneira mais fácil e, sentimentalmente, mais favorável, mais simpática. Hoje se pode dizer que o citadino brasileiro é simpático ao homem rural. No máximo é indiferente, mas antagonismo ou antipatia…não vejo mais. Há 50 anos não era bem assim. A própria literatura tratava o homem rural pejorativamente.
Por coincidência, no início do parque de Esteio, a soja ensaiava sua expansão no Rio Grande do Sul.
CIRNE LIMA – No início dos anos 1950, quando me formei agrônomo, a soja era uma mera curiosidade para os estudantes. Naquela época a população consumia gordura animal. Havia um pouco de óleos vegetais – o linho incentivado pela indústria Renner e um pouco de girassol na região de São Borja e Itaqui, no oeste gaúcho. A substituição da gordura animal pelos óleos vegetais provocou uma revolução na suinocultura, que derivou para o porco-carne. Em 1970, a soja mal alcançava uma produção anual de um milhão e meio de toneladas, a maior parte no Rio Grande do Sul, mas já começava a se tornar uma lavoura industrial que se expandiria do sul do Brasil até o extremo norte. Aliás, dentro dessa revolução temos de colocar como geradora de tecnologia a Embrapa, fundada em 25 de abril de 1973.
Este ano a produção de soja chegou a quase 90 milhões de toneladas. Qual pode ser o teto para a expansão dessa lavoura?
CIRNE LIMA – Eu tenho dito que a soja está constituindo para o Brasil o mesmo que o milho foi para os Estados Unidos, mas a lavoura de soja não deve ser encarada isoladamente. Hoje é importante considerá-la ao lado do milho e do algodão como parte da integração lavoura-pecuária, que é a coisa mais importante hoje no agronegócio brasileiro.
Por que a integração lavoura-pecuária é tão importante?
CIRNE LIMA – Nós temos um rebanho bovino estimado em 190 milhões de cabeça e que utiliza uma área de 190 milhões de hectares, mas nossa pecuária não precisa dessa área toda. Talvez com a metade disso podemos manter nosso rebanho de forma produtiva. Naturalmente, a área dispensada pela pecuária poderá ser usada pela agricultura, que está concentrada em 72 milhões de hectares – 55 milhões de hectares de culturas anuais e 17 milhões de hectares de culturas permanentes. Os quase 90 milhões de toneladas de soja saem dessa área de lavouras anuais. Fora isso, ainda falta incorporar ao processo produtivo 70 milhões de hectares não utilizados nem para pastos nem para lavouras. São áreas espalhadas por todo o país e com problemas de uso, como encostas etc., mas parte disso pode virar produtiva. Hoje o incremento da produção de soja, milho e algodão está ocorrendo em áreas de pastagens degradadas. Dos 190 milhões de hectares de pastagens, 30 milhões são degradadas. A implantação de lavouras é barata, basta usar fertilizantes. É assim que podemos dobrar a produção do nosso agronegócio.
Sem tocar na Amazônia?
CIRNE LIMA – Na Amazônia tem 400 milhões de hectares que não precisam ser tocados. A ideia do desmatamento zero não é unânime no meio rural, mas tende a se tornar dominante.
Mas na Amazônia temos uma pecuária implantada com incentivos fiscais do governo…
CIRNE LIMA – O que aconteceu na Amazônia nos anos 60 e 70 tem que ser pensado de acordo com o pensamento de Ortega Y Gasset – “o homem e sua circunstância”. Naquele tempo, havia uma campanha para transformar a Amazônia em território internacional, patrimônio da humanidade… A reação brasileira foi grande, nasceu o projeto militar de estabelecer uma mínima ocupação humana da região e uma série de outras coisas, inclusive o Projeto Radam, que descobriu campos de aviação clandestinos etc. Nessa esteira foi feito um desmatamento irregular, nocivo e lamentável. A pecuária na Amazônia foi implantada de forma desordenada, mas do ponto de vista de política pública era impossível fazer diferente.

Cirne Lima no parque de exposições / Foto Divulgação ABCD
Cirne Lima no parque de exposições / Foto Divulgação ABCD

No cerrado a ocupação agrícola também foi feita de maneira predatória.
CIRNE LIMA – Na floresta amazônica houve abusos e os solos foram degradados porque os projetos eram menos tecnificados. No cerrado, os solos foram melhorados pela agricultura. A integração gado-soja é tremendamente importante. A soja faz uma rotação extraordinária.
O senhor considera positiva a entrada da soja em áreas de arroz do Rio Grande do Sul?
CIRNE LIMA – Eu como agrônomo não tenho vergonha de dizer que ainda não sei plantar soja. Na minha fazenda, que já passei para os filhos, produzimos 40 a 50 sacas de soja por hectare em terras de coxilha. Em terras baixas ainda não temos a tecnologia adequada, mas a Embrapa de Pelotas está mergulhada nisso. A gente precisa escolher a variedade certa, plantar na época correta, corrigir o solo… Há pouco fui dar uma palestra para agricultores em Santa Rosa, o berço da soja no Brasil. Na conversa depois do almoço, perguntei qual a expectativa deles para o rendimento da soja. Um produtor disse que um agrônomo que  produza menos de 70 sacas por hectare baixa a cabeça pra não passar vergonha. Esse mesmo produtor disse que a meta em Santa Rosa é chegar a 100 sacas por hectare ou, seja, 6 mil quilos.
Isso é o dobro da média regional.
CIRNE LIMA – No oeste do Mato Grosso, onde chove muito bem, estão colhendo 60 sacas por hectare, o que é mais do que se produz em Illinois e Iowa. Mas não podemos esquecer que os Estados Unidos produzem 330 milhões de toneladas de milho. Ou, seja, só de milho produzem quase o dobro do que o Brasil produz de grãos. E um terço do milho americano é usado para fazer etanol. Enfim, o Brasil se consolida como a segunda maior produção do mundo e tem áreas a incorporar ao processo produtivo. Todo isso sem tocar no bioma amazônico.
O Brasil não se tornou por demais dependente da soja?
CIRNE LIMA – De 180 milhões de toneladas de grãos que produzimos, 90 milhões são de soja. Sim, mais de 50% do valor é soja. Mas não vejo riscos. A mesma coisa acontece nos EUA, com o milho. A China, nosso grande mercado para soja, tem optado por produzir mais milho do que soja. Todos os programas de governo da China seguem anunciando compras de 10, 20, 30 milhões de toneladas por ano de soja. Os chineses não querem ficar dependentes dos EUA em milho. Em relação à China, acho que o Brasil tem 10 a 20 anos de tranquilidade. Se você considerar que todo ano 30 milhões de chineses entram no mercado consumidor, não há dúvida de que a soja brasileira vai continuar sendo comprada.
O Brasil vai continuar avançando na exportação de carne?
CIRNE LIMA – O Brasil é o maior exportador do mundo. Vende para 130 países. Conquistamos mercado vendendo carne barata mas estamos nos preparando para exportar carne mais cara. Em 1970 o rebanho brasileiro era de 80/90 milhões de cabeças. Chegamos a 190 milhões de cabeças graças a três elementos. Primeiro, a capacidade desbravadora do criador brasileiro. Segundo, os capins do gênero brachiaria tremendamente adaptados a quase todas as latitudes brasileiras. Terceiro, a raça bovina nelore, que se adaptou ao clima brasileiro e cruzou bem com todas as raças existentes no Brasil. O gado pé duro do Brasil Central ao norte, cruzado com o nelore, em duas gerações passou a produzir carne de boa qualidade.
Nesse contexto, qual o papel da pecuária do Sul?
CIRNE LIMA – O Rio Grande do Sul é uma região subtemperada dentro de um país tropical e se especializou em produzir uma carne diferenciada. Trabalhar sob extremos climáticos oferece dificuldades, mas o produtor gaúcho tem conseguido desenvolver coisas próprias como o trigo, a maçã, carnes, laticínios e a integração lavoura-pecuária, que começou no Rio Grande e virou um modelo para todo o Brasil. A experiência do Rio Grande do Sul mostra o quanto é importante a diversidade genética para produzir carne de boa qualidade. Veja o que aconteceu com as galinhas. Nos aviários industriais não se cria mais uma raça definida e, sim, o resultado de cruzamentos genéticos altamente sofisticados. Hoje você importa ovos de avós dos elementos produtivos. Nesses cruzamentos entram raças como a nossa carijó, nome nacional de uma raça inglesa chamado Plymouth Rock Barrach. A carijó tem alguns gens que fazem parte de um segredo comercial da avicultura. Quando a Embrapa foi fundada, um frango comia 4,5 quilos de ração para engordar um quilo. Hoje tem frango que come 1,1 kg para engordar um quilo. O progresso que houve nisso é uma coisa extraordinária. Nas raças bovinas é a mesma coisa.
PELA PRIMEIRA VEZ O ANGUS VENDEU MAIS SÊMEN DO QUE O NELORE
Mas como se explica o recente sucesso comercial da raça angus?
CIRNE LIMA – A explicação para o sucesso da raça aberdeen angus está no esforço brasileiro para deixar de vender carne barata e vender carne mais cara. No ano passado pela primeira vez no Brasil o angus passou o nelore em venda de sêmen. É quase inacreditável. Há dez anos atrás ninguém seria capaz de imaginar isso. As raças angus, devon e hereford predominam nos cruzamentos que buscam carne mais macia. Mas, das raças inglesas, o angus é especializado em produção de carne de alta qualidade. Ele não tem o tamanho do hereford, a conformação perfeita do shortorn, não tem a velocidade de crescimento do charolês. Mas a qualidade de carcaça é o apanágio do angus, que levou 100 anos para chegar nisso.
Há quem diga que é mais um fenômeno de marketing.
CIRNE LIMA – Os pioneiros do angus pareciam visionários há 50 ou 60 anos, quando eu comecei minha vida profissional. Eles diziam que um dia o angus teria qualidade de carne e ia vender bem. Hoje já existem preços diferenciados para essas carcaças – cruza angus, cruza devon, cruza hereford.
O que aconteceu no Brasil com aquela beleza – o shortHorn?
CIRNE LIMA – É o mais perfeito, na conformação, mas é pouco rústico, acumula muita gordura, não tem a fertilidade dos outros…
E por que o charolês saiu de moda?
CIRNE LIMA – O charolês tem velocidade de crescimento e peso vivo. Não acumula gordura. Sua carne seca não dá bom assado de grelha ou de fritura. A carne de charolês é boa pra caçarola, especialidade da cozinha francesa.
Mas o charolês esteve na moda no Rio Grande do Sul…
CIRNE LIMA – Houve um momento em que o charolês vendia mais do que o angus para cruzar com o nelore. Na década de 70, sem dúvida. Naquela ocasião se queria carne e tamanho. Hoje se quer qualidade de carne para vender por preço melhor. O charolês está esquecido, mas vamos matar tudo que é gado branco? Nada disso, é uma genética para dar tamanho que, amanhã ou depois, pode ser útil.
É verdade que a vaca charolesa tem maior dificuldade para parir?
CIRNE LIMA – Sim, por causa do tamanho dos filhotes, por isso é preciso selecionar animais de cabeça pequena para não dar problema de parto. No Mato Grosso do norte, aquelas criações de 10 mil vacas no pasto…Imagine ter de atender vaca, puxar bezerro. Impossível. Aqui no Rio Grande do Sul, numa fazenda de 30 vacas, o proprietário vai lá e puxa o bezerro, mas lá em cima morrem a vaca e a cria, não é? Como zootecnista, digo que o charolês tem que ser conservado porque pode ser necessário. Porque décadas atrás o angus estava numa situação muito pior do que o charolês hoje. Muito pior. O angus parecia um deleite de meia dúzia de fazendeiros ricos que criavam aqueles animais apostando que um dia haveria remuneração por qualidade de carne. E houve.
LEMBRETE HISTÓRICO
LF Cirne Lima
“A pecuária brasileira começa em 1532 com a introdução por Martim Afonso de Souza das primeiras cabeças de gado trazidas de Portugal para a capitania de São Vicente, de onde Álvaro Nunez Cabeza de Vaca difunde o gado para o interior do continente. No Rio Grande do Sul a pecuária começa com os jesuítas em 1632. Os padres Cristóvão Jacques e Pedro Mendonça atravessam gado vicentino da Argentina para as Missões. A pecuária se expande graças às boas condições mesológicas da metade sul do Rio Grande do Sul e se espalha por esse território que vai até as margens do Prata, hoje o Uruguai. As lutas fronteiriças tinham por objetivo o gado, que era o alimento para as tropas. Daí a noção de que muitos dos nossos guerreiros eram ladrões de gado. Na verdade o gado era o grande produto econômico da região. E os cavalos eram armas de guerra, máquinas vivas. Cavalos e gado são os móveis da Expointer.”

Parcão de Esteio: no meio do jogo político

As PPPs (parcerias público-privadas) propostas pelo governo gaúcho para dinamizar o Parque Assis Brasil, palco da Expointer, em Esteio, devem ficar em banho-maria até o desfecho das eleições de 5 de outubro ou, quem sabe, até que tome posse o novo governo, em janeiro.
Nitidamente, os protagonistas das mudanças estão pisando em ovos.
Os dois contratos de longo prazo (25 anos) assinados este ano entre o Parque e seus dois principais usuários – a Associação dos Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) e o Sindicato da Industria de Máquinas (Simers) — foram passos importantes no sentido de um novo modelo operacional. Mas só redundarão em obras a partir de 2015, pois dependem de investimentos em infraestrutura do governo estadual.
Por baixo das mudanças já iniciadas pelo subsecretário Adeli Sell, diretor do parque, há uma polarização política mal disfarçada pelo PT e seus adversários, especialmente o PP, cuja candidata Ana Amélia Lemos lidera as pesquisas de intenção de voto para o Palácio Piratini.
Se o governador for reeleito, é provável que as PPPs decolem definitivamente e, em 2018, o Parque Assis Brasil já tenha se tornado o Parcão de Esteio, com funcionamento o tempo todo e não apenas na época da Expointer. Se vingar outro nome na disputa, a troteada pode mudar de ritmo. E de rumo.   (Geraldo Hasse)

Expointer 2014: na era das parcerias público privadas

Desde o início do ano dirigido pelo ex-vereador portoalegrense Adeli Sell, o Parque Assis Brasil, que abriga a tradicional Expointer, está sendo remodelado para funcionar sob gestão público-privada.
Já foram fechados dois contratos de concessão de longo prazo (25 anos) com os dois principais usuários do parque — a Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) e o Sindicato da Indústria de Máquinas (Simers).
Além da cobertura da arena de provas da ABCCC, os principais projetos previstos para o parque incluem um hotel, um agroshopping, um centro de eventos, um centro agrotecnológico e um centro agroeducacional.
Nesta terça-feira, 5, será o lançamento oficial da Expointer 2014.
Iniciada em 1901 nos quatro hectares do parque Menino Deus em Porto Alegre, a Expointer ganhou dimensão internacional no final dos anos 1960 quando foi transferida para os 141 hectares do Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, em Esteio.
Este ano serão expostos cerca de seis mil animais, predominando os equinos e os bovinos de corte e leite. Mantém-se a área de exposição de máquinas e implementos agrícolas, cujas vendas recordes de R$ 3,2 bilhões, em 2013, refletiram o otimismo dos produtores de grãos e criadores de gado.
Os temas predominantes em palestras e seminários serão a melhoria da infraestrutura viária e da logística de exportação, o controle da sanidade animal e o problema das fraudes no transporte de leite.

Fabricantes de máquinas estão rindo à toa

Como de costume, o almoço de lançamento da 36ª Expointer no Restaurante Galpão Crioulo de Porto Alegre, nesta quarta-feira (24/7), foi marcado por discursos otimistas, mas nenhum foi capaz de superar o de Claudio Bier, presidente do Sindicato da Indústria de Máquinas do Estado (Simers), um dos patrocinadores do evento mais tradicional do agronegócio gaúcho.
“Para este ano estamos prevendo vendas de 2,5 bilhões de reais”, disse Bier, dirigindo-se ao governador Tarso Genro, que encaminha a privatização do Parque de Exposições de Esteio, local da Expointer. O otimismo bilionário do Simers baseia-se na supersafra de 2012/13, que forrou o poncho da maioria dos agricultores. (GH)