Convidado para falar no Conexões Globais 2.0, evento que também integrou o Fórum Social Temático 2012, Gilberto Gil, compositor e ex-ministro da Cultura, fez uma exposição – quarta-feira, 25, na Travessa do Cataventos da Casa de Cultura Mário Quintana – complexa sobre a sociedade atual, tomando como referência a Primavera Árabe.
Na sua fala, lembrou uma composição sua, Futurível, feita quando, em 1969, foi prisioneiro da Ditadura Militar, e que traz versos como: […] “Seu corpo vai se transformar/Num raio vai se transportar/ No espaço vai se recompor/ Muitos anos-luz além/ Além daqui”.
Ou, mais adiante: […] “Seu corpo será mais brilhante/ A mente, mais inteligente/ Tudo em superdimensão/ O mutante é mais feliz/ Feliz porque/ Na nova mutação/ A felicidade é feita de metal”.
Gilberto Gil é uma das antenas do povo brasileiro. A cultura baiana é sólida e líquida, e gasosa, claro. De Gregório de Matos a Castro Alves, de Jorge Amado a Glauber Rocha, de João Gilberto a Gil e Caetano, lá se vão quatro séculos de uma exuberância que mesclou Grécia e África, projeto que Alexandre, o grande, já havia tentado alguns séculos antes de Cristo. Lá não deu certo.
Em Conexões Globais Gil dividiu o palco de debates com Vinicius Wu, coordenador do gabinete Digital do Governo RS; o jornalista Antônio Martins, do site Outras palavras, e, via web, de Madri, Olga Rodrigues, escritora e jornalista especializada em Oriente Médio.
Gil trajava um conjunto de roupas claras e leves que, combinadas as suas humildes sandálias, mais seu inseparável Mac book, davam ao bardo nordestino um ar zen de mochileiro das galáxias, pronto para dividir suas idéias com o público que na tarde morna, quase fresca, empilhava-se na Travessa dos Cataventos para escutá-lo.
A fala de Gil – na verdade, pensamentos falsamente avulsos, ou brain storm, como diria um velho publicitário – resumiu-se num discurso composto de frases curtas, que remetem a conceitos que, exceto uma citação de Heidegger, integram-se ao mainstream global e digital, e que ele define como a sua “filosofia barata, feita em casa”, diante da dificuldade em saber o que está dentro ou fora do sistema.
Vejamos algumas pérolas: “os relatos são elaborados no próprio centro da luta. Foi assim em toda a história da humanidade. Os significados das lutas do passado flutuam no presente e projetam o futuro. Vivemos um processo fragmentário, um tempo acelerado e múltiplo. Há um choque de valores e paradigmas caem por terra. No caso da Primavera árabe – com suas imagens avermelhadas, difusas, dramática –, assistiu-se a uma adesão a plataforma ocidental em questões como democracia, direitos da mulher. Trata-se de um processo antropofágico em relação à cultura ocidental, pois, ao mesmo tempo, há uma associação e uma rebeldia contra ela”.
E continua: “mundo quântico. Formações híbridas, revoltas fragmentárias. Minimalismo acelerador de partículas que virou a civilização. Proto-utopia, uma nova utopia. Revezamento das elites. O erro está em querer restaurar um mundo totalizante. Há um jogo global de xadrez jogado a muitas mãos. A internet pode se tornar uma atualização de conceitos. O sentimento de vários possíveis”.
O mano Caetano, caso estivesse presente, talvez incluísse, ao final da fala de Gil, a singela e filosófica sentença: “ou não!”
Depois de toda esta energia digital e barroca, Vinicius Wu, smartphone em punho, falou, entre outras elucubrações, sobre a “gaseificação” do poder, e da nova vanguarda, representada pelos hackers que, cumprindo a profecia de Marx, “são os coveiros do capitalismo”. Já Antônio Martins, entusiasmado, pregou uma jihad digital em prol da ética do bom jornalismo. Tudo sob o atento e reflexivo olhar do escritor e atual Secretário de Cultura do RS, Luis Antônio de Assis Brasil, que, sentado em sua cadeirinha, talvez procurasse relacionar aquelas falas com as dos personagens do século XIX de sua ficção.
O contraponto vinha do outro lado do Atlântico, onde uma bela e contida Olga Rodrigues, limitou-se a fazer explanações pontuais sobre a Primavera Árabe, da importância da internet como ferramenta de resistência em regimes ditatoriais, das redes sociais para organizar e difundir mensagens para o mundo inteiro, salientando que no mundo árabe apenas 20 por cento da população tem acesso a web, “mas é sempre uma minoria que faz as coisas”.
Ao final do debate, diante da possibilidade de hecatombe de todos os sistemas, devido ao excesso de velocidade, pelo menos virtualmente, Gil, sabiamente, ponderou que “a eternidade não se manifesta num momento, ocorre através dos tempos. A mobilização é permanente. A luta continua”.
Ainda mentalmente conectado, o público ao deixar o local do encontro e seguir pela Rua da Praia, deparou-se com a vida analógica e prosaica de gente tomando a sua cervejinha, comendo batatinhas e outros petiscos. No dia seguinte, em Canoas, boa parte se juntou as outras seis mil pessoas que prestigiaram o show do baiano, o da Refazenda e seu abacateiro, afinal, Gil estava em Porto Alegre, terra onde nascem os melhores abacates do mundo. Ou não?
Por Francisco Ribeiro
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A democracia tem que dialogar com os "indignados"
Para o representante Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, Francisco Whitaker, a democracia representativa está em crise. Cita o exemplo dos financiamentos privados de campanha de Vereador a Presidente da República.
A pergunta que fica, conforme ele, é se os políticos representam aqueles que os financiam ou a população. “No Brasil a democracia sempre teve altos e baixos, com golpes durante todo o século 20, e sempre temos que recomeçar, mas assim mesmo vamos avançando”, afirma, otimista. Whitaker está participando do Fórum Social Temático, em Porto Alegre.
Whitaker lembra que os constituintes incluíram na Constituição de 1988 que todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Um exemplo prático disso foi a campanha Ficha Limpa que em 2011 que recolheu as 1,3 milhão de assinaturas necessárias para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular. O projeto veta a candidatura de pessoas com ficha suja nas eleições.
O julgamento de três ações pedindo a análise da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10) está no Supremo Tribunal Federal. A ação principal é da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que quer a legalidade de todos os pontos da lei, a fim de que ela seja aplicada sem restrições nas eleições municipais de 2012.
O PPS também entrou com uma ação para garantir a legalidade da norma no ponto que trata sobre a retroatividade, para atingir casos anteriores à edição da lei.
Segundo Whitaker, a democracia tem que ser de baixo para cima, com participação direta, referendo e plebiscito. “A população deveria decidir sobre assuntos importantes como energia nuclear, ou a indústria nuclear vai botar muito dinheiro mídia para parecer que tudo será uma maravilha.”
Por isso, acrescenta ele, “a sociedade em diversas partes do mundo não se satisfaz mais em só eleger políticos, mas quer participar de uma democracia horizontal. Estamos na geração dos indignados que ocupam as praças no mundo e começam a fazer propostas. É a sociedade civil querendo participar. A democracia horizontal acontece com a participação popular e não com oficialismos.”
Whitaker lembra que os indignados de Nova Iorque disseram que são 99% da população e o capital financeiro de Wall Street, 1%. Então, alguma coisa está errada. Na verdade, a população engajada, politizada, também é um 1% e sobram 98% que podem ser divididos em três:
“Um terço vive para comer e mais nada, outra parte tem tudo, o mundo dos consumidores vorazes que perguntam, para que um o mundo possível, se temos tudo neste? Sobra uma terça parte de jovens insatisfeitos, indignados que estão saindo nas ruas e reclamando. Por isso, o Fórum Social Mundial tem que mudar de estratégia.
Atualmente, nos reunimos em um pensamento único e saímos felizes das reuniões. Na verdade temos que dialogar com os insatisfeitos para trocar informações.
Para Boaventura a esquerda deixou de pensar faz tempo
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos afirmou que é fundamental mudar o ativismo político, a democracia e o desenvolvimento social para um modelo de autodeterminação. Um modelo ecologicamente sustentável que não é a economia verde. “O capitalismo nunca será verde exceto nas notas de dólar dos Estados Unidos”, ironizou. Para ele, alguns podem acreditar que tudo não passa de uma utopia.
“No entanto, todas as utopias têm seu horário, que vem da crise, das oportunidades que as tornam possível. Esse é o horário das utopias realistas para a transformação do mundo. Nesse horário não podemos faltar”, disse Santos.
Para ele, as instituições democráticas já não satisfazem as aspirações dos cidadãos, mas existe algo mais do que isso. Entende que é um momento de crise profunda das instituições democráticas, que pode levar a uma nova forma de barbarismo, mas de oportunidades também. “Como construir esse novo momento não é fácil porque a democracia representativa virou as costas para as populações.
A esquerda social democrática esqueceu-se da distinção entre esquerda e direita. Assim, não nos surpreende que o anarquismo seja a única tradição europeia que ainda sobreviva no movimento dos indignados, que os movimentos dos indígenas e dos quilombolas nesse Continente nos perguntem qual a diferença entre esquerda e direita se ambas os golpeiam da mesma forma.”
Segundo Santos, o continente americano é o único local que se pode falar de socialismo no século 21. “Em nenhum outro Continente se fala disso hoje. Mas é também aquele Continente onde o DNA da esquerda continua sendo o extrativismo, a destruição da nossa terra mãe. Isso golpeia pequenos agricultores, indígenas e quilombolas e a destruição é cada vez mais grave e mais séria.
Portanto, temos que encontrar outro modelo e não pode ser de maneira leviana. Hoje 60% na economia do Equador, por exemplo, é do extrativismo. Não pode mudar de um dia para outro. Precisamos de uma nova teoria de transição.
Contra teorias elitistas
Não é a transição do feudalismo para o capitalismo, absorvido pelos movimentos de esquerda e teoria marxista.” Souza acredita numa transição do desenvolvimento insustentável para um modelo que não é de desenvolvimento, mas de autodeterminação dos povos a nível local, regional e nacional. Uma forma de defesa da globalização neoliberal.
Para isso, a sociedade terá várias tarefas pela frente, conforme ele. A primeira é um novo ativismo político do século 21, contra teorias elitistas de democracia. Para ele, a maioria esmagadora dos cidadãos é da sociedade civil não organizada, desprezada pelos movimentos sociais durante muito tempo.
“Os únicos espaços públicos que não estão colonizados pelo capitalismo financeiro são as praças, as ruas da Europa, do norte da África e Estados Unidos. Sabemos que neste momento a alternativa não é de partidos e movimentos sem o envolvimento das presenças coletivas nos espaços públicos para mostrar que a democracia em muitos países está nas mãos de falsos democratas. Portanto, temos que encontrar outras formas de refundar a democracia e o próprio estado.
A grande maldição da esquerda no século 20 foi transformar os militantes em funcionários. Por isso, temos que pensar na refundação dos partidos e da democratização interna dos movimentos sociais. Ou a democracia começa dentro dos movimentos sociais e dos partidos ou não começa nunca. A direita não precisa pensar porque o sistema econômico mundial pensa por ela, mas a esquerda tem que pensar e deixou de pensar já há algum tempo.”
Boaventura de Souza Santos participou do debate Os Sentidos da Democratização, na sexta-feira, 27, no teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, com a presença do governador Tarso Genro; ministro da Secretária-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; diretor geral do Le Monde Diplomatique e um dos construtores do Fórum Social Mundial, Bernard Cassen; representante Comitê Internacional do FSM, Francisco Whitaker, e o deputado estadual do PT, Adão Villaverde.
Livro mapeia a violência no campo
Com a presença da ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos, foi lançado nesta manhã, no Memorial do Rio grande do Sul, a segunda edição do livro Retrato da Repressão Política no campo- Brasil 1962-1985, das jornalistas e pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ana Carneiro e Marta Cioccari, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Esta nova edição trás algumas correções e atualizações de dados, e introduz novas referências num trabalho que, em mais de trezentas páginas, torna público a violência, a censura e demais arbitrariedades perpetradas contra os trabalhadores do campo.
Para a realização do livro, as jornalistas – entre agosto e novembro de 2010 – fizeram um ampla pesquisa onde – além de contar com o apoio de uma rede de acadêmicos e pessoas ligadas aos problema fundiários – viajaram por todo o Brasil recolhendo depoimentos das vítimas, familiares, e outros testemunhos. O resultado, além de chocar pelas atrocidades apuradas, comprovou que a repressão no campo não ocorreu somente no período da ditadura militar.
Trata-se também, segundo a co-autora, Marta Cioccari, “de uma homenagem a saga de homens e mulheres que ergueram a bandeira da reforma agrária e lutaram pelos direitos dos trabalhadores da terra”. Agora, também patrocinado pelo MDA e pela Secretaria dos Direitos Humanos, elas darão continuidade ao trabalho publicando biografias individuais sobre os “heróis da luta pela reforma agrária no Brasil”.
Entre os homenageados, presentes no lançamento, estavam o cearense Francisco Blaudes de Souza Barros – filho de Pio Nogueira, um falecido líder camponês – e João Altair do Santos, filho de João Machado dos Santos, o João Sem Terra.
Blaudes, como é conhecido, sobreviveu ao conflito que ficou conhecido como a “chacina de Japuara”, ocorrida em Canindé, Ceará, em 1971, na qual foram mortos quatro agricultores. Para ele: “mais do que relembrar as injustiças, os sofrimentos, as humilhações feitas por latifundiários, jagunços, pistoleiros, e agentes governamentais da repressão, o livro também é um espelho de pessoas corajosas, um legado para as novas lutas de hoje”.
Já para João Altair dos Santos, cuja história do pai já foi retratada no livro A saga do João Sem Terra, de Carlos Wagner – a narrativa de um homem perseguido e torturado pela ditadura, cujo auto-exílio durou 25 anos –, este nova publicação ajuda a superar o trauma moral que, para ele, iniciou na infância, quando ainda não tinha defesas ou respostas. Santos conta que: “era proibido falar o nome do meu pai. Ele se escondeu no interior de Goiás, mudou de nome, casou novamente, assim como a minha mãe. Os dois já faleceram e, infelizmente, meu núcleo familiar original nunca mais se reagrupou”.
Presente também a oficina do FST – Direito a memória, a verdade e a justiça e o acesso as informações – que antecedeu ao lançamento do livro, a ministra Maria do Rosário salientou que o trabalho de Ana Carneiro e Marta Cioccari enfatiza lições de vida e trabalho, e que os camponeses, na luta pela terra e pela participação política, ainda não tiveram por parte do estado a atenção devida. Segundo a ministra:
“terra e poder sempre estiveram associados no Brasil. A repressão contra os trabalhadores rurais ocorre desde o período colonial. Este modo de agir, que persegue líderes sindicalistas, ainda esta em vigência, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, mas não só lá. São métodos que continuam a desafiar a democracia no Brasil. Mas não permanecerão. O povo também tem suas formas de enfrentamento. E o poder judiciário precisar ser mais efetivo em suas ações contra a impunidade”.
Por Francisco Ribeiro
CPI: “Assinaturas foram recolhidas em quatro dias”
O deputado Protógenes Queiroz, do PCdoB, encaminhou ao presidente da Câmara, Marco Maia, o pedido para a criação de uma CPI para investigar possíveis irregularidades em privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O requerimento foi assinado por 206 deputados. A intenção é averiguar as denúncias apresentadas no livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. O livro acusa, entre outras autoridades, o ex-governador de São Paulo José Serra de receber propinas de empresários que participaram das privatizações conduzidas pela gestão FHC.
Antes da realização doa debates, Protógenes Queiroz e Amaury Ribeiro Jr. conversaram com a imprensa gaúcha. Abaixo, um resumo dessa conversa.
JÁ – A CPI da Privataria pode acabar em pizza como tantas outras?
Protógenes Queiroz – Temos vários elementos para acreditar na seriedade desta CPI. Ela nasce com uma diferença em relação à CPI do Banestado, por exemplo. (*N.R. – A CPI do Banestado investigou o envio de remessa ilegal para o exterior, por meio das chamadas contas CC-5. De acordo com o relatório divulgado em dezembro de 2004, houve desvio de cerca de R$ 90 a R$ 150 bilhões.
Sugeriu o indiciamento de 91 pessoas). Nunca surgiu uma CPI no início da legislatura como agora. Em quatro dias recolhemos 206 assinaturas, com enorme interesse de vários parlamentares. Após o anuncio que eu estava com um requerimento abertura de uma CPI baseada no livro do Amaury Ribeiro, não precisei me esforçar muito para conseguir as assinaturas.
Vários deputados de oposição ao governo Dilma não têm nenhum compromisso histórico com o conteúdo do livro. Por isso, querem participar do debate. Não é uma simples CPI, mas um debate público nacional dos erros e acertos das privatizações no Brasil. Mais erros do que acertos. Normalmente era uma pauta política esquecida depois das eleições.
JÁ – Existe a possibilidade de alguns retirarem suas assinaturas?
Protógenes – Já conseguimos as assinaturas de 206 deputados e são necessárias 171 para a aprovação da CPI. Um número sugestivo dentro do Congresso, já que o artigo 171 do Código Penal refere-se ao estelionato (risos). Regimentalmente na Câmara não se pode retirar as assinaturas, diferente ao Senado, depois de protocolar o pedido. Até agora não teve ninguém pressionando para retirar assinatura.
Já – Do que vai tratar a CPI mais especificamente?
Protógenes – Não se trata de um processo revisional das estatizações, mas apurar os prejuízos. Tem gente que ficou bilionária da noite para o dia no País e nada aconteceu. Outras empobreceram, muitos se suicidaram, perderam seus empregos, acionistas que tiveram prejuízos, ações de antigas estatais que estão virando pó.
Tem que haver uma recomposição dos prejuízos. Tem que ressarcir aquelas pessoas que acreditaram na propaganda enganosa que as privatizações dariam ganhos para todos. Praticamente todo o sistema bancário estatal foi privatizado com o argumento que seria melhor e que funcionários e correntistas seriam beneficiados. Na verdade, piorou.
JÁ – Como será ressarcimento?
Protógenes – Ao identificarmos no final da CPI as irregularidades e os ilícitos vamos sugerir a recomposição dos prejuízos. A União vai ter que estudar uma forma de compor dentro do Orçamento a indenização devida a essas pessoas. Outro ponto é que em determinados casos se a fraude for tão imensa, desproporcional, aí a estatal tem que voltar para o Estado.
JÁ – No caso do Banestado a CPI acabou em pizza…
Protógenes – A concepção da CPI do Banestado é diferente dessa. A CPI da Privataria está nascendo com exigências e debates públicos muito fortes e velocidade muito grande. O compromisso é maior. Os movimentos sociais, sindicais estão debatendo. O assunto está nas ruas.
Amaury Ribeiro Jr.- Na CPI do Banestado houve um acordão. O deputado Protógenes, ainda como delegado da Polícia Federal, começou a investigação e depois outros delegados continuaram as investigações. O acordo aconteceu quando descobriram indícios que o presidente do Banco Central (Gustavo Franco) e do Banco do Brasil (Cássio Casseb) operavam com doleiros que lavavam dinheiro da máfia dos fiscais e não pelos meios legais. Alias, faltou incluir isso no livro. Então blindaram e houve um acordão. O medo atual não é esse.
O acordo depois de instalar a CPI não vai adiantar, porque se abrir a casa vai cair. O que eu mostrei é pequeninho, só o que consegui descobrir. O roubo foi muito maior. Almocei com governador Tarso Genro hoje (25/01) e ele que disse que o livro mudou o fato político nacional. Concordo. Até a publicação do livro os “tucanos” ficavam caçando ministros todo o dia.
A partir do livro, mudou tudo. Fiquei nervoso porque a gente sabe que a grande imprensa joga sujo. No entanto, ao perceber que eram tão fracas as acusações contra o livro divulgadas pela imprensa e o outro lado não veio com nada significativo, que tive a sensação de nocaute. Outra coisa que notei é que o livro serviu também para setores de esquerda ficarem mais unidos. Tenho viajado e percebido isso.
JÁ – Por onde a CPI da Privataria pode começar a investigar?
Amaury – Levantei que existiam três ações de improbidade administrativa e uma criminal no Rio de Janeiro contra as pessoas citadas no livro e outros personagens. Todas prescreveram sem ser analisadas, a Justiça simplesmente sentou em cima. O delegado da Polícia Federal, Deuler Rocha, foi afastado das investigações.
Agora, temos fatos novos no livro. Precisa de um novo inquérito na Polícia Federal e Ministério Público Federal. Parte dos papeis entreguei na Polícia Federal. Se não acontecer a CPI, o caminho é como cidadão entrar com uma representação e levar esses documentos ao Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal.
JÁ – Como está a repercussão do livro?
Amaury – A repercussão do livro é um fenômeno. Primeiro o papel das redes sociais foi muito importante. Agora a grande imprensa está começando a publicar. De duas semanas para cá, viajando pelo Brasil para o lançamento do livro, estou percebendo que o assunto não está distante das pessoas, pois muita gente perdeu com a privatização, ficou seu emprego. As tarifas aumentaram muito acima da inflação.
Não melhorou em nada e só prejudicou a vida das pessoas. Por isso, é um tema que atinge a todos, mesmo para o operário, na zona rural, em rincões distantes do País o livro chega.
JÁ – Qual a participação dos grandes grupos de Comunicação durante o processo das privatizações na década de 1990?
Amaury – Nas privatizações tiveram as digitais dos grandes grupos da imprensa. O negócio da grande imprensa não era ideológico, mas defendiam as privatizações porque poderiam ganhar muito dinheiro. Os próprios “tucanos” estão me revelando novos fatos.
Tem um grande grupo de Comunicação de São Paulo, que não posso dar o nome porque não tenho provas ainda, que só não conquistou estatal durante os leilões porque queriam cobrar pelo lobby. Quem revelou isso foi o pessoal do consórcio que participou desse leilão. Então o medo da CPI da Privataria é que todas essas histórias cheguem ao público.
JÁ – Será lançado o segundo livro?
Amaury – Estou trabalhando nisso, conseguindo mais documentos, seguindo o rastro do dinheiro roubado. Não será só sobre as privatizações. Tem, por exemplo, a Lista de Furnas, com os nomes dos políticos que usaram dinheiro público em eleições, que dizem que é falsa, mas tem um laudo da Polícia Federal que diz que é verdadeiro. Quem teria pego dinheiro da estatal para pagar propina de campanha?
JÁ – Deputado, desde policial federal, o senhor acompanha esse s inquéritos. Como analisa tudo isso?
Protógenes – Toda a ação ou investigação policial que envolvia privatização de estatal e telefonia sofria um andamento demorado e inexplicavelmente a maioria era arquivada. Um exemplo é o banqueiro Daniel Dantas que tinha aproximadamente 20 investigações arquivadas na superintendência do Rio de Janeiro da Polícia Federal.
O sistema é tão cruel e dominador que mantem dentro da estrutura de Estado, de poder, todo o domínio para impedir qualquer investigação dessa natureza. Agora, qualquer ação que o PSDB faça em termos de estruturação de suas ações políticas eles esbarram nessa metodologia criminosa.
Temos o caso atualíssimo de reintegração de posse da área ocupada pela comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, São Paulo. Desde o dia 23 de janeiro, a área vem sendo alvo de ações da Polícia Militar de São Paulo para a reintegração de posse. Cerca de 1,8 mil homens da PM foram acionados para retirar as nove mil pessoas que viviam há sete anos na área.
Recebi informações que o terreno teria sido grilado no passado, e decidi acionar a Câmara dos Deputados para pedir que seja investigada a situação da propriedade. Quero saber como a posse da área, que mede cerca de um milhão de metros quadrados, chegou até a empresa Selecta S/A, do investidor libanês Naji Nahas. Hoje, o Pinheirinho pertence à massa falida da Selecta.
JÁ – Já estão jogando ovos podres no prefeito de São Paulo Gilberto Kassab…
Protógenes – Estamos vivendo um momento muito delicado. Digo no plenário da Câmara que a República está ameaçada e os deputados ficam atônitos. E está mesmo e não falo como bravata, mas com conteúdo. É só andar pelas ruas e perguntar: acredita na Justiça brasileira. Quase a unanimidade da população não acredita. Quer ver sua demanda resolvida por um acordo e não pelo judiciário. Ele quer evitar o máximo chegar a Justiça porque sabe que terá muita dificuldade para recompor seu direito.
Na maioria das vezes a Justiça funciona para proteger esse sistema que se apropriou da estrutura do Estado. Os bilionários foram produzidos por essa República, pelo roubo a céu aberto. E continua. O exemplo é o caso de Pinheirinho, em São Paulo. Noticia-se uma desocupação de várias famílias que teriam invadido um terreno ilegalmente, ameaçaram o direito de propriedade.
Ao se buscar o histórico sobre a legitimidade de quem está reivindicando chega-se a uma surpreendente informação: a origem do terreno remonta ao ano de 1969, quando os donos eram uma família alemã, que foi chacinada e não deixou herdeiros.
Um amigo da família, mesmo sem direito sobre o bem, teria tomado posse e, mais tarde, repassado o terreno para uma terceira família. Esses novos donos, por sua vez, teriam vendido o terreno para Naji Nahas.
A dúvida que tenho, já que comandei na Polícia Federal a Operação Satiagraha, responsável pelo indiciamento de Nahas por evasão de divisas, operação de instituição financeira sem autorização, falsidade ideológica, fraude e formação de quadrilha, é sobre a possível falsificação da escritura do terreno. Em algum momento, foi fabricado um documento totalmente fraudulento. Coincidentemente, essa titularidade aparece na mão de um fraudador. É fraude em cima de fraude.
A utopia do socialismo resiste através da Economia Solidária
Coerente ao principal lema do FST, Um novo mundo é possível, a oficina proposta pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Educação e cultura na construção de uma economia solidária – realizada durante a tarde na Faculdade de Educação da UFRGS – atraiu cerca de 50 participantes provenientes de dez estados brasileiros. Trata-se, segundo os organizadores, de um número surpreendente, e mostra a força do movimento na sua luta para coletar um milhão e meio de assinaturas em todo o país para a criação, via Congresso Nacional, da Lei da Economia Solidária.
Durante a oficina o ponto crítico das discussões foi estabelecer uma relação entre educação e cultura, pois, afinal, como se vive uma economia solidária? “Autogestão, colaboração, e troca de conhecimentos, tecnologia, saberes e experiências entre os trabalhadores”, explicou uma das organizadoras do evento, a cientista social Rosana Kirsh, da Cáritas Brasileira.
Kirsh – que em 2007 apresentou uma dissertação de mestrado em Sociologia na Universidade de Brasília intitulada Incubação de empreendimentos da economia solidária e as implicações das relações de reciprocidade – salienta que a estratégia do FBES é “a implantação de uma sociedade socialista, via processo democrático, que tenha outros valores que não sejam o consumo desenfreado e a exploração, que estão destruindo o planeta”.
Para tanto, segundo Kirsh, a tática está em fomentar políticas públicas que incrementem uma educação e uma cultura que reforcem os valores coletivos, e a sustentabilidade na produção econômica: “no Brasil a autogestão é um sistema forte. Os casos de empreendimentos vitoriosos – associações e cooperativas, ou até mesmo empresas falidas que, uma vez assumidas pelos trabalhadores, se tornaram rentáveis – são inúmeros”.
Um desses exemplos é o singelo Grupo de beijuzeiras da Tapera Melão, de Irará, Bahia, narrado pela professora Andrea Marques, formado por típicas quitandeiras de uma comunidade quilombola que, organizadas, passaram a fornecer beijus para a merenda escolar. Esta ação ocorreu dentro de uma política reforçar a territorialização cultural, agregando no cardápio alimentar pratos da culinária local. “Elas também souberam diversificar os beijus (panqueca de tapioca), oferecendo várias combinações de molhos e recheios, como o presunto, apreciadíssimos pelos estudantes”, salientou, com ar de gulosidade, a sorridente professora que, pela aparência, parece ser boa de garfo.
Tais coletivos, segundo a pedagoga matogrossense Marta Rodrigues, “são um bom exemplo de uma harmoniosa cadeia produtiva, sem exploradores ou explorados, que começa nos agricultores e termina nos estudantes, reforçando a interação entre educadores e educandos”.
Marta Rodrigues é uma cabocla forte, de coxas grossas, que, aos 36 anos, parece ter saído de um quadro de Cândido Portinari. Originária do MST, ela possui uma pequena propriedade rural no Mato Grosso, onde é professora, e integra a Associação dando às mãos, que reúne produtores rurais em prol da Economia Solidária. Orgulhosa, contou que, antes de vir para o FST, “pegou na enxada e capinou bastante, deixando tudo bonitinho para a sua volta para casa, a escola, os filhos e o marido”. Aqui, disse estar pronta para encontrar a presidente Dilma Rousseff: “a nossa identidade é a nossa força”, sentenciou, esbanjando energia, Marta Rodrigues, uma moderna camponesa brasileira.
Por Francisco Ribeiro
CPI da privataria pronta para sair do papel
Privataria Tucana, do jornalista Amaury Jr., com denúncias de corrupção nos governos do PSDB, não rendeu apenas o título de obra de não-ficção mais vendida do país. O livro que tem por objetivo, segundo o autor, passar a limpo este capítulo da história do Brasil, está sendo decisivo para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados.
Depois de afirmar que a CPI da Privataria tem “condições reais” de ser instalada, o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB/SP), que colheu as assinaturas necessárias para pedir a comissão, advertiu que as ruas e as redes sociais devem se mobilizar. Uma sugestão é de que sejam criados comitês regionais por centrais sindicais, sindicatos e associações da sociedade civil para manter o assunto na agenda e cobrar providências do Congresso. Ele previu que a decisão sobre a CPI não ocorrerá antes de março. As declarações foram feitas hoje (25), em Porto Alegre, após debate sobre o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., na sede do Sindicato dos Bancários/RS, evento incluído da pauta do Fórum Social Temático.
Protógenes entende que a postura de cobrança poderá definir a instalação da CPI destinada a investigar a suspeita de fraudes nas privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). O ex-presidente do Sindicato dos Bancários/RS, Jubelei Bacelo, e atual diretor da Federação dos Trabalhadores da Área Financeira, avisou que os bancários estão dispostos a participar do comitê. “Podemos nos mobilizar, realizar atos e montar banquinhas”, antecipou.
“Erro estratégico”
Duzentas pessoas lotaram o auditório do sindicato na tarde de quarta-feira. O que fez com que a organização do evento tivesse que instalar um telão em outra sala para acolher o público o restante do público. Outros cem internautas acompanharam o debate e formularam perguntas aos debatedores em uma sala virtual. Entre os convidados, além do deputado do PCdoB e do autor, também estavam o economista Luiz Gonzaga Beluzzo e a jornalista Maria Inês Nassif, ambos do site Carta Maior.
Beluzzo reparou que a “febre da privatização” nos anos 1980 e 1990 “nasceu da idéia de que o mercado é mais eficiente do que o Estado”. Notou que, antes de vender as empresas estatais, o governo federal as fragilizou, baixando as tarifas que cobravam e levando-as a tomar empréstimos no exterior. Tachou as privatizações como “um erro estratégico cometido por uma fração da classe dominante brasileira”.
“Poder de agenda”
Abordando o tema pelo viés do comportamento da grande imprensa, Maria Inês Nassif lembrou que, na década de 1990, a discussão sobre o assunto “foi interditada pela mídia neoliberal”, que acusava os opositores da desestatização de serem “dinossauros”. Acentuou que A Privataria Tucana “reintroduz um debate que foi interditado na época”.
Mesmo ressaltando o “poder de agenda” da mídia empresarial observou que, em alguns momentos, este bloqueio pode ser rompido. Como exemplos, citou o caso das Diretas Já – uma pauta que a imprensa de então “teve que engolir sem água” –, do episódio da reintegração de posse em Pinheirinho, em São José dos Campos/SP – cujas imagens de barbárie foram mostradas pela internet e “não precisamos da Rede Globo” – e o livro de Amaury Ribeiro Jr., um best-seller ignorado por quase todos os jornais, rádios e TVs mas com veiculação maciça nos blogs e sites.
Lista de Furnas
Para coibir a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, Amaury Ribeiro Jr. propôs uma nova legislação. Explicou que, atualmente, a lei brasileira só investiga lavagem de dinheiro após confirmar o crime que a antecedeu, o que impede o Estado de avançar na repressão. “É uma lei de segunda geração”, comentou. Indagado sobre o número de processos que está respondendo por conta do livro, foi sucinto: “Nenhum”. Também não sofreu ameaças de morte. Apenas ataques de alguns blogueiros. E do colunista Merval Pereira, de O Globo, há pouco entronizado membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Pereira disse que seu livro era “ficção”. Em troca, Ribeiro Jr. definiu o livro de Pereira, O Lulismo no poder, uma coletânea de textos, como “o maior encalhe editorial do mercado brasileiro”.
Ele reiterou que, de posse muita documentação, planeja um “Privataria II”. Proposta que ainda ganhará mais fôlego com a instalação da CPI. “Temos que contar a história do que aconteceu (nas privatizações)”. Mudando de tema, mas permanecendo na questão do desvio de dinheiro público, assinalou que “a lista de Furnas (com os nomes de políticos favorecidos com valores irregularmente entregues pela direção da estatal de energia elétrica durante o governo FHC) é verdadeira” e que “já existe um laudo da Polícia Federal que comprova isso”.
Por Ayrton Centeno e Sérgio Lagranha
Colaborou Carlos Matsubara
Fotos Ayrton Centeno e Sérgio Lagranha
ONGs debatem suas relações com o governo
Nesta quarta-feira, entre os 33 grupos temáticos distribuídos, na parte da manhã, pelas faculdades do campus central da UFRGS, destacou-se o proposto pela entidade Fórum de ONG AIDS RS, que, na sala 25 da Faculdade de Economia, reuniu cerca de 20 representantes de ONGs de todo o Brasil – vinculadas a problemática da Saúde e, em especial, a AIDS – em torno do tema O paradoxo das relações entre as ONGs e os governos populares.
Em duas horas de exposições e debates, os representantes se posicionaram sobre a necessidade de um diálogo franco e aberto com o Ministério da Saúde e demais órgãos governamentais da área, para definir e implementar políticas públicas, sobretudo em relação a AIDS. Urge, segundo eles, a necessidade de uma mobilização nacional para a fixação de um marco regulatório coerente com aquilo que se espera ser uma política de saúde publica num governo popular.
Para Gérson Guimarães, do Instituto de Tecnologia Social de São Paulo, o paradoxo é que “após, em nível federal, três governos ditos populares, as políticas de prevenção a AIDS – a começar pela simples distribuição de camisinhas – estão muito tímidas. O atendimento ambulatorial, que passou a ser efetuado pelo SUS, caiu drasticamente”.
Segundo Guimarães, as ONGs precisam ter acesso aos canais governamentais de financiamento, pois prestam um trabalho essencial a população, principalmente aos que estão em situação de rua, e que, geralmente, não tem cartão do SUS: “as ONGs não burocratizam o atendimento. Além da prevenção – no caso da distribuição de camisinhas e da orientação para a prática de sexo seguro –, distribuem medicamentos, encaminhamentos ambulatoriais e, em casos extremos, hospitalização”.
Por Francisco Ribeiro
Grupo do Ceará viajou 72 horas para chegar ao Fórum
A marcha do FST começou sob um calor escaldante, 36 graus, minimizado por grossas nuvens que, às 16 horas, pairavam sob o Largo Glênio Peres. Estavam todos lá: partidos políticos de esquerda, como o PC do B; centrais de trabalhadores e organizações sindicais, como a CUT, CTB, e os petroleiros; e grupos organizados de mulheres, homossexuais, negros, ambientalistas. Todos bastante animados.
Alguns viajaram 72 horas para participar do Fórum, como o Grupo Crítica Radical, do Ceará, um total de 20 pessoas formado, em sua maioria, por estudantes, como a universitária Luana Carolina Monteiro, que cursa o segundo semestre de Ciências Sociais, e que definiu, assim, a proposta do coletivo: “não somos socialistas ou, tampouco, anarquistas, mas um grupo, fundado há 15 anos, antifetichista em relação ao materialismo, e somos pela construção de uma sociedade solidária e anticapital”.
Na altura da Avenida Borges de Medeiros com a Salgado Filho, o confronto sonoro entre a musica regionalista, do carro de som da CUT, e o pagode da CTB, ganhou seu ápice, com a vitória dos gaudérios – dois gaiteiros e um violonista – e suas músicas de protesto, falando sobre as condições do campo e reivindicações trabalhistas.
Mais a frente, um grupo de mulheres – congregando feministas e homossexuais – batucavam latas coloridas. Outras, diante de conservadores e perplexos olhares provenientes da fila de passageiros da linha Intendente Azevedo, empunhavam cartazes com palavras de ordem como: “Tirem os rosários dos nossos ovários”, ou “Sou mulher que gosta de mulher”. Na frente do grupo, Claudia Prates, militante da Marcha Mundial das Mulheres, salientava a importância do FST para alertar sobre o possível aumento da prostituição, devido ao turismo sexual, durante a Copa de 2014. Já Ana Naiara Malavolto, da Liga Brasileira de Lésbicas, vê o Fórum como mais uma plataforma contra a lesofobia e o machismo, “de reafirmação de uma longa luta por direitos igualitários e pela construção de uma sociedade mais justa”.
Entre os participantes estrangeiros, destaque para os argentinos da Alba de los movimientos, e em especial ao grupo Juventud Rebelde, de Buenos Aires, do qual participa Cecília Córdoba, estudante de Educação que, num quase portunhol, afirmava que eventos como o FST são fundamentais para “discutir questões relevantes, tais como o ensino, formas de produção, ecologia, pois são problemas que concernem a todos os povos latino americanos”.
Prefeito de Porto Alegre durante a realização do 1º Fórum Social Mundial, o deputado petista Raul Pont ressaltou que as abordagens propostas pelos participantes do FST ajudam, através da troca de experiências, na reflexão do momento atual da sociedade. E que também “contribuem para criação de fóruns nacionais e internacionais em torno de temas como a sustentabilidade, materializando as reivindicações”.
Já o prefeito atual, José Fortunati, e o governador, Tarso Genro, em desabalada correria, destacaram o pioneirismo de Porto Alegre em sediar eventos de tal ordem. Isso, segundo Fortunati, “contribuirá para tornar a capital gaúcha à sede permanente do Fórum Mundial Social”.
Por volta das 17h40min, quando a multidão cruzava o Largo dos Açorianos, um forte temporal refrescou os cerca de 12 mil suarentos participantes da Marcha. Foram poucos os que procuraram refúgio junto às paradas de ônibus ou prédios públicos. A maioria, devido ao calorão, viu o aguaceiro como um sinal de boas vindas aos participantes do FST, e um motivo a mais para reforçar a batucada em tom de carnaval.
Mas era só mais uma chuva de verão. Vinte minutos depois o sol brilhava forte e a Marcha seguiu tranquilamente rumo ao destino final, o Anfiteatro Pôr-do-Sol.
Ali, com a temperatura amenizada pela brisa fresca do Guaíba, vendedores de cachorro-quente, milho verde, pipoca e, principalmente, cerveja, atendiam a um público esfomeado e sedento pelas duas horas de caminhada. O cheiro do carvão em brasa proveniente das bancas de churrasquinho, mais a fumaça, misturava-se aos odores dos diversos tipos de cigarros acendidos pelas pessoas que se acomodavam no gramado ainda molhado, sob o zunido de cigarras que saudavam mais um verão.
O carioca Paulo Silva, junto a Débora, namorada mineira, ambos estudantes de Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, balançavam os corpos jovens e sarados em harmonia com os ritmos afro que o DJ, no palco do anfiteatro, procurava esquentar o público. Era apenas uma palhinha para os shows ao vivo que seguiriam noite adentro. “Isso é só começo”, dizia Paulo, acrescentando: “Nos próximos quatro dias a luta continua”.
Por Franciso Ribeiro
Militantes do Ocupe Wall Street e da Primavera Árabe debatem no Fórum
Um generoso espaço na grade de programação do Fórum Social Temático 2012, que ocorre entre 24 e 29 de janeiro na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi destinado a dar visibilidade ao pensamento que levou milhares de pessoas a unirem-se em protestos contra o sistema político e econômico atual nas praças públicas no Oriente Médio, norte da África, Europa e Estados Unidos.
A partir dessa quarta-feira, 25 de janeiro, até o sábado, entre 12h e 14h na UFRGS e, mais tarde, às 18h na Casa de Cultura Mario Quintana, os participantes do evento poderão ouvir e trocar experiências com integrantes de movimentos como Ocupe Wall Street, Indignados, estudantes chilenos e manifestantes da Primavera Árabe.
Serão os encontros intitulados “diálogos e narrativas”, nos quais, explica um dos coordenadores do FST, Mauri Cruz, a intenção é proporcionar um intercâmbio de ideias. “O Fórum é o espaço para que essas experiências se encontrem e para que seus integrantes, se tiverem interesse, construam uma identidade em comum. O papel do Fórum é ser o espaço da cidadania internacional”, entende Cruz.
Ele chama esses convidados de “novas lideranças” dos movimentos sociais e garante que os nomes possuem protagonismo internacional, ainda que formem parte de manifestações caracterizadas pela não existência de teóricos ou figuras destacadas.
“São cidadãos comuns, não são ícones. Mas isso é importante, o próprio Fórum tem um pouco essa dinâmica: várias vezes já tentaram definir quem é o dono do Fórum, o coordenador-geral ou o chefe. Mas a cada evento ele tem uma dinâmica de lideranças e uma lógica de organização diferente. Então está bem no espírito do Fórum!”, anima-se o coordenador do evento.
Os diálogos servirão, inclusive, para que o ocidente possa compreender melhor quais as reivindicações de cada grupo, além de ter a prerrogativa de mostrar o que há em comum entre muçulmanos da Tunísia e católicos espanhóis ou estudantes chilenos e desempregados gregos.
“O que acontece nesses movimentos é que eles realmente não têm uma matiz ideológica definida. No geral, há um discurso anticapitalista e uma crítica à forma como o Estado faz a gestão da sociedade, mas não existe um recorte ideológico de esquerda”, analisa.
Diante da diversidade de pensamentos políticos – e inclusive religiosos –, o desafio será justamente encontrar as intersecções desses grupos, que na opinião de Mauri Cruz, residem no fato de possuírem uma organização autônoma de pessoas e não de entidades.
“A ideia da participação direta da sociedade na gestão dos interesses comuns é a linha que os une e isso é uma coisa que o Fórum defende desde o princípio. Agora, estar junto não quer dizer pensar a mesma coisa ou ter a mesma opinião. Esse é o desafio: construir alternativas práticas e viáveis para todos”, observa.
Alguns dos conferencistas já estiveram em Porto Alegre em outubro participando de um seminário sobre a metodologia do Fórum Social Temático. Outros virão pela primeira vez e há os que podem inclusive não conseguir sair de seus países de origem por pressão política.
É o caso de uma convidada dos Camarões, que até a quarta-feira não tinha obtido a permissão para viajar a Porto Alegre. “Mas fora isso, foi tudo muito tranquilo. Acredito que essas manifestações ganharam uma importância tão grande que não podem mais ser questionadas ou perseguidas”, avalia Mauri Cruz.
Evento tenta construir vínculos com árabes
Mesmo para um movimento como o Fórum Social Mundial, que abriga debaixo de seu guarda-chuva centenas de entidades com distintos interesses – eventualmente até divergentes – e que ao longo dos seus 11 anos construiu pontes entres movimentos de todos os continentes, a Primavera Árabe foi uma surpresa.
“Nós já tínhamos uma relação forte com as redes da Palestina, agora os países árabes é que talvez sejam a grande novidade em termos de vínculo”, esclarece Mauri.
Segundo o organizador do Fórum, alguns segmentos do Fórum – especialmente aqueles que acompanham debates sobre as periferias e a juventude – estavam atentos à efervescência que mais tarde levou à queda dos ditadores do Egito, Hosni Mubarak, e da Líbia, Muammar Kadhafi, ao longo de 2011. “Para outros segmentos, talvez isso não aparecesse tanto”, admite.
“É difícil dizer se o Fórum previu (que essas manifestações iram acontecer). Ficamos contentes porque mostra que esse sentimento de que é preciso reinventar o mundo é comum, forte e que tem base social. A nossa tarefa, neste caso, aumenta”, conclui.
Por Naira Hofmeister