50 Tons de Rosa, referência para jornalistas do mundo todo

José Antonio Severo
Segunda metade dos anos 70. O Brasil ferve com a “abertura lenta, gradual e segura” da dupla gauchesca Geisel/Golbery. A juventude esperneia e vai empurrando a censura. A imprensa alternativa atinge seu auge. Jornaizinhos críticos, mal-humorados ou satíricos dão dor de cabeça ao governo. Dentre todos, o nanico mais surpreendente não saiu do Rio ou São Paulo, foi mais arrojado que o celebrado Pato Macho, de Porto Alegre: assim era o improvável “Triz”, escrito e editado em Pelotas em outubro de 1976.
Triz até hoje é um espanto e uma referência. Ribombou em todo o País: foi matéria de página inteira na Veja. Esse jornal foi o epicentro de um vulcão cultural que jorrou uma geração de brasileiros notáveis.
É isto que mostra o livro recém-lançado com um título desafiante: 50 Tons de Rosa. Pelotas no tempo da ditadura.
Entretanto, não é uma obra saudosista. Pelo contrário: compõe uma coletânea de relatos vivos de uma geração. Seus autores são as próprias personagens.
Centrado na cidade de Pelotas, nas vidas e vivências de um grupo de jovens, 50 Tons é um trabalho de alcance nacional. Ali está o Brasil daqueles tempos, emergindo de uma mocidade bem-humorada e confiante.
Apesar do que sugeriria o título, recupera tempos inesquecíveis, memórias joviais, tempos de irreverência, de otimismo, de confiança no futuro.
Seus autores-personagens trazem de volta aqueles tempos com recordações bem-humoradas, sem mágoas. As páginas transbordam com a jovialidade, com as peripécias dessa rapaziada que enfrentava os costumes e as repressões inúteis daqueles tempos de chumbo. Chumbo dourado.
A maior parte dos autores-personagens converteram-se em referências nacionais em suas áreas de atuação, a maior parte, evidentemente, na imprensa. Nos velhos tempos eram estudantes universitários das universidades locais, Federal e Católica.
Os primeiros passos dos que vieram do jornalismo foram na redação do vetusto Diário Popular, naqueles tempos comandado por uma figura fascinante, seu chefe de redação e professor do curso de Jornalismo da UCPel, Joaquim Salvador Coelho Pinho.
Pinho, como era chamado por seus alunos e funcionários, é uma figura emblemática da imprensa daquela fase em que a imprensa se renovava sob a batuta de grandes condottieres: Mino Carta em São Paulo, Alberto Dines no Rio, a famosa reportagem da Folha da Tarde dos estagiários do Walter Galvani. Pinho foi um desses reformadores da imprensa, tão carismático, renovador e valente como seus colegas dos chamados grandes centros, conforme o relato.
Esses testemunhos são valiosos e críveis, devido à projeção que a turminha da gurizada de Pelotas veio ter nas diversas áreas em que atuaram dali por diante, nos grandes centros brasileiros. Embora a maior parte fossem jornalistas, outros saíram por outros caminhos e foram profissionais de grande destaque nos seus mercados.
Não seria justo destacar nenhum dos autores, por ser injustiça com os demais. Neste espaço exíguo de um veículo de internet não se pode alongar.  Citamos apenas o organizador (e autor de várias partes do livro), Lourenço Cazarré. Entretanto, não se pode omitir seus nomes. Portanto, por ordem de entrada em campo: Lourenço Cazarré, Vitor Minas, Rubens amador Filho, Geraldo Hasse, Luiz Lanzetta, Ayrton Centeno, Ênio Squeff, Carlos Morais, Marcius Cortez, Lúcio Vaz, Kledir Ramil, José de Abreu, José Cruz, Marcos Macedo e, um autor oculto, pois sua presença emana do livro, Laerte Mário Pedrosa.
É muita gente boa. Pelotas deve tremer na base até hoje, pois não é fácil para uma comunidade ter uma galera destas em campo ao mesmo tempo.
O livro tem de tudo. É a história de um grupo de rapazes, é a reportagem sobre uma cidade nos tempos da ditadura, é o Rio Grande e, além de tudo, um quadro do Brasil, com pinceladas de arte, racismo, ditadura, imprensa, vida acadêmica, frescura e todos os temas que se possa imaginar.
A vontade é escrever sem parar, pois a leitura é veloz devido ao texto escorreito dessa turma. O livro é lindo, uma obra de arte gráfica. A capa é de um dos redatores, Ênio Squeff. 50 Tons de Rosa é um livro de referência para jornalistas de todo o mundo, uma obra imperdível para brasileiros, essencial para gaúchos e uma ameaça aos pelotenses.
Belo livro, em todos os sentidos. Leitura obrigatória.

Um comentário em “50 Tons de Rosa, referência para jornalistas do mundo todo”

  1. Seu texto vem ao encontro de tudo que tenho escrito nas redes sociais e publiquei no Diário Popular, logo que terminei de ler o livro, completamente entusiasmada. Como pelotense, jornalista e amiga de boa parte da turma de autores, considero que esta obra merece ocupar um lugar de honra na História de Pelotas e do Brasil, para mostrar o foram os anos 70, pela visão de jovens idealistas, anarquistas, sonhadores e que, sessentões, fizeram de sua terra o retrato do próprio país.

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