ANDRES VINCE/ Chile: e se meio século de neoliberalismo desembocar no comunismo?

Outubro de 2019. Tudo parecia correr bem no Chile, o “paraíso neoliberal” do continente.

No Brasil, o ministro da economia, Paulo Guedes, vendia o “modelo chileno”, a começar pelo sistema de capitalização na Previdência, como saída para a crise das finanças públicas.

Na verdade, desde o golpe militar de setembro de 1973, o país andino viveu, sem anestesia, as agruras da transição, de uma economia estatizada para uma economia privatizada.

Resultado: anos de recessão e desemprego. Alguns economistas afirmam que só houve alguma recuperação na economia por volta de 1978. Meia década sangrando, literalmente.

A partir daí, mesmo em ritmo lento, a economia cresceu por décadas. Até que os  chilenos começaram a se perguntar: “Se o país cresce ano a ano e nós continuamos na mesma situação ou pior, pra onde está indo esse crescimento?”

Um sentimento de vazio e abandono começou a pipocar aqui e ali, em movimentos isolados. E foi se avolumando, até que o terceiro aumento seguido da tarifa do metrô de Santiago levou gigantescas manifestações às ruas.

Insensível. o ministro da Economia Juan Andrés Fontaine lembrou que a tarifa do metro era flutuante, variando conforme a demanda, e aconselhou: “El que madruga será ayudado con una tarifa más baja”. Traduzindo: “acordem mais cedo pra economizar”.

Claro que não foi só o metrô, foi a água,  a educação,  a saúde,  a previdência, foi a diferença no tratamento de gêneros, o abuso contra os povos originários, foi uma lista de abandonos sociais. Em resumo, foi o Estado mínimo.

Mas, o que se viu em Santiago, foi a materialização do que poderíamos chamar de a profecia de Allende: “Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.”

O povo nas ruas jogou o sistema político chileno nas cordas.  Os manifestantes mantiveram as forças de segurança de joelhos por mais de seis meses e toda repressão policial era repelida com mais violência.

A tentativa de controlar as manifestações via forças armadas talvez tenha sido o maior erro do governo. O toque de recolher despertava velhas lembranças. A repulsa foi generalizada. Os soldados não conseguiam nem descer do caminhão de transporte devido à chuva de pedras.

A popularidade do presidente Piñera caiu a 15%. Recolheu as tropas. Azar dos carabineiros, que foram levados ao limite da exaustão.

As manifestações só foram freadas pela pandemia e pela promessa do plebiscito sobre uma nova constituição, que acabou sendo aprovada em 25 de outubro de 2020 por 78,3% da população que compareceu às urnas. Algo em torno de 7,5 milhões de chilenos, aproximadamente 51% da população apta ao votar no referendo.

A assembleia constituinte foi eleita entre 15 e 16 de maio de 2021 e sua composição dos 155 membros ficou definida da seguinte forma: 17 cadeiras para os povos originários, cerca de 50 cadeiras para os independentes e as cerca de 90 cadeiras restantes mais ou menos divididos entre a esquerda, o centro e a direita, com uma ligeira vantagem para a esquerda.

Essa composição sinaliza claramente que o Chile terá a Constituição mais moderna do mundo, não apenas pela contemporaneidade, mas pela sua representatividade.

Será a primeira assembleia constituinte do mundo com paridade de gênero garantida por lei. E, ao contrário do que se possa imaginar, foram as mulheres que tiveram que ceder 11 cadeiras aos homens, porque elas, simplesmente, arrasaram nas urnas.

Mas, conseguirá o Chile construir um novo modelo de sociedade sobre os pilares do neoliberalismo, que por sua vez, foi construído sobre os escombros do socialismo?

Algo indica que não e talvez a marca mais significativa nesse sentido tenha sido a eleição de uma sub-prefeita comunista para Santiago, uma das 32 subprefeituras (chamadas de comunas) que formam a capital chilena.

A economista santiaguense Irací Hassler tem apenas 30 anos e tomará posse no próximo dia 28 de junho e será a primeira comunista a administrar a comuna de Santiago, que tem cerca de 200 mil habitantes.

Seu colega de partido, Daniel Jadue, reeleito subprefeito de Recoleta, uma comuna vizinha a Santiago, está tentando se gabaritar às eleições presidenciais.

As pesquisas indicam que ele tem chance e a história permite o sonho comunista de chegar ao poder pelo voto: o Chile já elegeu um presidente socialista e foi o primeiro país da américa latina a eleger uma mulher para a presidência, Michelle Bachelet.

E se, agora, meio século de neoliberalismo desembocar no comunismo? Corram para as montanhas, dos Andes, é claro!

Um comentário em “ANDRES VINCE/ Chile: e se meio século de neoliberalismo desembocar no comunismo?”

  1. O pesadelo comuno socialista já assombrou o Chile várias vezes em sua história, mas a partir do momento em que o povo não tem mais o que comer, o “paraíso socialista” volta ao seu lugar, a lata do lixo.

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