O fim das polícias militares

A Brigada Militar pode ser levada de roldão para a vala comum das rebeliões das polícias militares.
Embora seja uma instituição que mantém intactos os princípios do militarismo, a força armada gaúcha pode entrar pelo ralo no desmonte do princípio que justificou, no passado, a manutenção de uma polícia militarizada.
O objetivo, então, era manter as tais forças da ordem infensas às mobilizações corporativas das policias civis.
No momento em que se esvai o princípio da autoridade e da hierarquia, perde sentido o princípio que sustenta essas forças estaduais. A polícia militar deixa de ser militar.
Vira uma polícia civil, como no resto do mundo.
Como se recorda, as atuais PMs eram as antigas forças públicas, ou seja, exércitos estaduais. Depois do golpe de 1964 foram reconvertidos em polícias, com o objetivo de constituírem-se em garantias da ordem própria desse modelo.
Com as recentes rebeliões das mulheres dos soldados, os oficiais perderam sua autoridade e a hierarquia derreteu-se. Não são mais forças militares.
Com isto, perde-se o sentido de ter tais polícias. Fica para a sociedade só o ônus dos defeitos do militarismo para as atividades civis, sem as tais vantagens da disciplina cega. Com isto, deve ser desmontado o sistema inteiro.
Algumas corporações que tenham se escapado da deterioração serão levadas por diante, pois a regra terá de ser geral para o País.
A verdade é que mesmo no Rio Grande do Sul, com sua Brigada Militar considerada a melhor e mais disciplinada dessas forças, até pouco tempo comparada à célebre Legião Estrangeira da França, com nova lei extinguindo as polícias militares também chegará ao fim seu modelo de exército e se recomporá como uma polícia civil de alto nível.

A organização ou a morte

WALMARO PAZ
No ano de 2015 acompanhei o processo eleitoral do Haiti pessoalmente durante três meses. Tive a graça de conhecer a cultura riquíssima daquele povo e a erudição de diversas de suas lideranças.
Quem mais me impressionou foi o lider do Mouvement Paysan Papaye, Chavanes Jean Baptiste, que coordena as atividades de 60 mil famílias de camponeses na região do Platô Central.
Suas lutas vão desde a briga pela terra que ocupam, passando pela pesquisa aplicada em agroecologia, até a educação das crianças assumida pelo movimento que constrói e mantêm escolas.
Ao analisar a conjuntura em sua primeira entrevista Chavanes confessou não acreditar no processo eleitoral, para ele uma farsa ( une mascarade), mas que participaria da campanha para denunciar exatamente isso. “Estamos passando por um processo de recolonização que deverá se estender por toda a América Latina”.
Ele me fez entender a política neoliberal em sua experiência mais radical. No Haiti tudo foi privatizado, até a água potável e suas praias. Um trabalhador haitiano recebe cerca de 4 dólares por dia de trabalho e se for comprar água tratada gastara cerca de um dólar por litro.
No ensino publico se um pai não tiver 500 dólares não consegue matricular seu filho. Nos postos de saúde para se ter uma consulta médica é necessário dar ao médico plantonista cerca de 40 dólares.
A previdência social praticamente inexiste. Conheci uma pedagoga, diretora de escola aposentada que depois de 45 anos de trabalho vive da caridade de seus amigos e vizinhos e quase morreu de inanição depois do terremoto.
Conversei com ela, amarga, mas ao mesmo tempo com esperança nas lutas da juventude, Bobol, este é o seu apelido vive seus últimos dias num cortiço no meio de cabritos e porcos em Delmas, Porto Príncipe.
A energia elétrica é privada e a mesma empresa que gera e fornece energia durante cerca de dez horas na capital, vende geradores para quem tiver a necessidade de usá-la permanentemente.
São fatos que deixaram claro para mim, onde iremos com este processo. Mas porque estou falando nessa vivência? É simples, porque o processo de recolonização chegou ao Brasil e está sendo alavancado pelos golpistas de plantão.
Querem aprovar com rapidez medidas que terminarão com a previdência social trocando-a por uma privada sem a menor garantia; querem derrocar a CLT, colocando o contratado acima do legislado; já começaram a privatizar a água no Estado do Rio de Janeiro; já privatizaram a energia elétrica e estão entregando o que restou para as transnacionais abrindo o Pré-sal.

No Rio Grande do Sul entregarão o carvão mineral, o gás resultante de seu aproveitamento e o que restou da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). O Banrisul está sendo negociado e não demora serão a CORSAN ( Companhia Riograndense de Saneamento) e o DMAE ( Departamento Municipal de Águas e esgotos).

Isso me assusta, por isso , no início lembrei-me do Haiti e da previsão de seu líder camponês para o restante da América Latina. Mas resta a esperança que também vem da Pérola das Antilhas: a resistência de seu povo, sua organização em movimentos populares e camponeses. Por isso gostaria de lembrar o lema do MPP: “Loganization ou lamort” ( A Organização ou a morte).

Lula vai mudar o discurso

PINHEIRO DO VALE
A novidade política desta semana é que o ex-presidente Lula mandou parar com o bordão “Fora Temer” e retirar as expressões “golpe” e “golpismo” do discurso de seu partido.
Este novo posicionamento significaria, na prática, remeter a ex-presidente Dilma para o passado.
São passos de Lula para a retomada de sua iniciativa política, sacudindo a poeira da tragédia pessoal e do comando de seu partido com vistas ao grande desafio de 2018.
Um primeiro passo é recompor o discurso com palavras de ordens propositivas. O que passou, passou.
O passo seguinte será recompor alianças consequentes ao centro. Um dos alvos é o irrequieto PMDB, que também está sem candidato.
O último lance do PT pós impeachment foi a desobediência da bancada federal às ordens estratégicas de Lula.
O PT ficou chupando o dedo. Esta seria a imagem mais aproximada do resultado da atuação da bancada de deputados federais do PT nesse episódio tragicômico em que se converteu a atuação do partido na eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados.
Tamanha barbeiragem está sendo atribuída a uma consequência colateral da tragédia do derrame e morte de Dona Mariza Letícia.
Atucanado com o colapso da mulher, Lula abandonou a bancada à própria sorte e não pode evitar o desastre.
Uma parte significativa da bancada rebelou-se contra a ordem do presidente Lula de se compor com os grandes partidos e votou contra o deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ).
Sem resultado e o PT da Câmara Baixa ficou chupando o dedo, a reboque do Centrão.

“Saneamento” neoliberal e o desmonte do funcionalismo público

Andre Forastieri
“O Espírito Santo fez o dever de casa. O governador Paulo Hartung saneou o Estado. Equilibrou as contas públicas. É exemplo a ser seguido pelos outros Estados”. No ano passado esse era o discurso dos jornalistas, dos economistas, dos experts. Silenciaram nos últimos dias. Silenciaram também 87 pessoas, assassinadas desde a última sexta-feira.
A violência no Espírito Santo está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo estadual nos últimos anos. Como o crescimento da violência no Brasil – e do desemprego e do desespero – está diretamente ligada aos planos de austeridade impostos pelo governo federal desde 2014. Quando os arrochos nacional e local se somam, as vítimas se multiplicam.
O que os 10.300 policiais militares do Espírito Santo querem? É a PM com o mais baixo piso salarial do país, R$ 2460,00. A média do Brasil é R$ 3980,00. Eles não têm aumento há sete anos, e há três anos o governo estadual nem repõe as perdas da inflação. Os PMs também reivindicam a renovação da frota de veículos, a melhora das condições do hospital da polícia, e a compra de coletes à prova de bala, que estariam em falta.
É fácil de argumentar que não devia existir Polícia Militar, só civil. Mas vamos deixar isso para lá no momento, e reconhecer que o que os PMs do Espírito Santo pedem não é muito. É muito pouco: salário mais próximo da média nacional e condições mínimas para fazer seu trabalho, que é bem perigoso.
Em vez de negociar com a polícia militar, o governador pediu ao governo tropas do exército. Chegaram lá e tomaram tiros dos bandidos. Vitória segue paralisada, comércio e escolas fechadas, ônibus não circulam. Os turistas fogem das praias capixabas. Os corpos se acumulam no departamento médico legal, que não dá conta de tanta morte. A Polícia Civil está avaliando se adere à greve. E as esposas dos PMs seguem protestando nas portas dos quartéis.
Qual a proposta concreta do governo do Espírito Santo para a PM? Nenhuma. A questão é que se o governador cede aos PMs, terá que ceder aos policiais civis. E depois ao resto do funcionalismo.
O governador Paulo Hartung, do PMDB, começou essa política de arrocho já em 2015. Mesmo tendo os custos com funcionalismo bem abaixo do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Naturalmente não faltou dinheiro para outras atividades do governo – desonerações a grandes empresas, obras eleitoreiras etc. Foi louvado, e até considerado um bom candidato à presidência da República.
Tem outra questão. Se o governo começa a ceder às demandas dos funcionários do Estado, daqui a pouco vai ter que ceder às demandas da população que é atendida pelo Estado. Do povão em geral, que precisa de giz na sala de aula e merenda no intervalo, vaga e leito no hospital, paz para ir e voltar do trabalho, e outras coisas simples assim. E isso é exatamente o que os administradores do país, dos estados e das cidades se recusam a nos dar. Não que nada disso seria “dado”, porque que a gente já paga bem caro por isso tudo.
Nos últimos tempos ouvimos muito o argumento de que “o Brasil está quebrado” – o país, os estados, as cidades – o que exigiria medidas duras. “Herança Maldita” que exige cortar na carne, no osso. Nos salários, aposentadorias, direitos.
Na verdade, a conta é outra. O Brasil não está quebrado. O que o Brasil não pode mais se permitir é ter 99% dos brasileiros pagando muitos impostos, e o 1% dos brasileiros mais ricos pagando quase nada de impostos. Nossos milionários pagam pouco imposto de renda como pessoa física, pagam pouco imposto de herança, e como pessoa jurídica pagam também pouquíssimo imposto. Além disso as grandes empresas têm toda espécie de benefícios do Tesouro Nacional. Empréstimos de pai para filho do BNDES e BB, dívidas perdoadas, “desonerações” etc.
Ontem o Espírito Santo já contava 75 assassinatos, depois de três dias de greve da PM. Ontem o Itaú, o maior banco do Brasil, publicou o seu balanço. No ano de 2016, com a maior recessão que o país já viveu, o Itaú lucrou R$ 22 bilhões. Se esse lucro fosse taxado em 50%, ainda assim seria um belíssimo lucro. O que dá para fazer com R$ 11 bilhões? Escola, estrada, esgoto.
Esse é só um de muitos exemplos possíveis. Se o Brasil não der um presente bilionário às empresas de telecomunicações, como quer o governo, também teremos um bom dinheiro para pagar policiais, professores, enfermeiras. É a Lei Geral das Telecomunicações, que está para ser aprovada, e transfere para Oi e outras teles um valor tão grande, que nem se sabe exatamente quanto é. O governo diz que é R$ 17 bilhões, o Tribunal de Contas da União diz que é R$ 105 bilhões…
E por aí vai.
Ainda podemos botar na conta o tanto que se desvia na corrupção, que sabemos não é pouco. E o que se sonega, que sabemos que é muito. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, a sonegação de impostos no Brasil pode chegar a R$ 500 bilhões por ano. Para você comparar: o Bolsa-Família custa R$ 27 bilhões por ano.
A próxima vítima será o Rio de Janeiro. O estado está para assinar um acordo com o governo federal que inclui um pacotão de arrocho para cima dos funcionários públicos do estado, inclusive policiais. Uma das exigências do governo é a privatização da Cedae, a companhia estadual de águas e esgotos, o que será feita por Pezão, vice de Sérgio Cabral…
As políticas de “austeridade” no mundo todo deram errado e estão dando muito errado aqui também. Em 2017 o Brasil não vai crescer nada. O que o poder público nos oferece são serviços públicos cada vez piores, chegando à insanidade de termos 87 mortos em quatro dias no Espírito Santo.
Na prática, os brasileiros pobres e da classe média sustentam as benesses dos brasileiros super ricos, a mamata dos sonegadores e a sujeira da corrupção. Então falta dinheiro para cobrir as necessidades básicas da população. Se a gente parar de sustentar os ricos, o Brasil equilibra as contas rápido.
E se além disso os ricos passarem a pagar a sua parte, o Brasil rapidamente vai ser tornar… rico.
Vamos encarar a realidade: tem dinheiro de sobra para o Brasil ser um país melhor para todos. Esta é a única pauta que importa, a pauta que precisamos impôr a cada dia, e também a cada nova eleição. Basta cobrar mais imposto de quem pode pagar mais, o que nunca aconteceu. Bater forte na sonegação e nos sonegadores, o que nunca aconteceu. E bater forte na corrupção e nos corruptores, o que começou a acontecer – mas só começou e agora, pelo jeito, parou.
Na prática, o que está sendo feito pelos nossos governantes, e apoiado pelos economistas, colunistas, especialistas, é o contrário do que precisa ser feito. O Espírito Santo de hoje é o Brasil de amanhã. E a próxima vítima é você”.
 

O que está por trás da dívida dos Estados

J. Carlos de Assis
A praça de guerra e de pilhagem em que se transformou Vitória, no Espírito Santo, é o novo normal da sociedade brasileira.
É a própria expressão da falência dos Estados, dos quais nada menos que 12 viram seu PIB retroceder até 2010, de acordo com a consultoria Tendências citada pelo jornal O Globo.
O que o jornal não diz é o que está provocando essa tragédia econômica e social da qual não se vislumbra nenhuma sinal de recuperação no horizonte. Parece que é obra da ira divina, e não culpa dos homens.
Tenho repetido com frequência que a razão última da crise dos Estados é a dívida que lhes foi imputada pelo Governo Federal. É uma dívida que nunca existiu, pois foi paga na origem pelo Governo Federal em nome dos Estados.
Numa Federação, se a União paga uma dívida do conjunto dos Estados, quem está pagando, em última análise, é o contribuinte lá na base da pirâmide federativa, isto é, no município. Ele não pode ser cobrado duas vezes. E, tendo sido cobrado, os pagamentos indevidos devem ser ressarcidos.
Muitas pessoas tem se perturbado com o fato de que apenas agora, quase 30 anos depois que a dívida dos Estados junto à União foi consolidada, descobriu-se que ela é simplesmente nula.
Expliquei as razões em artigos anteriores, sendo o principal motivo o fato de que, quando a dívida foi constituída, ninguém estava preocupado com sua origem, mas com sua aplicação na forma de superávit primário.
Tenho porém constatado uma razão mais forte. As pessoas deixam-se levar por conceitos contábeis que não se aplicam ao caso.
Na verdade, o que está por trás da dívida dos Estados (e de alguns municípios) são elementos da relação federativa, não de relações contábeis entre entes abstratos.
Do ponto de vista federativo, União, Estados e Municípios se superpõem. É o munícipe, na base da pirâmide, que responde por toda a escala tributária, dividida com os outros dois entes federativos segundo tributos diferenciados.
Quando a União paga uma dívida de Estado ou de Município, ela os está substituindo com dinheiro tirado do contribuinte na base da pirâmide.
No caso, a União não pagou a dívida original dos Estados com tributos, mas com títulos da dívida pública dados aos bancos. Aí a relação federativa fica mais clara. De quem é o débito relativo ao título, se não do cidadão brasileiro em geral?
Se é este cidadão que, em última instância, pagou a dívida assumida pela União, por que cobrar dele novamente como contribuinte estadual? A dívida está paga. A União decidiu pagá-la porque quis, atendendo a pressões do FMI para fechar os bancos oficiais estaduais. Isso é indiscutível.
Cálculos que citei anteriormente demonstram que R$ 277 bilhões a título de prestações da dívida foram pagos indevidamente. Isso deve ser restituído. Se for restituído, digamos, em cinco parcelas de R$ 54,5 bilhões por ano poderia formar a base de um tremendo programa keynesiano de retomada da economia via Estados.
Obviamente, como estamos em depressão e a receita tributária está caindo, seria necessário emitir títulos nesse montante para bancar a restituição. É uma quantia ínfima de títulos em relação ao que se paga de juros.
De fato, a dívida pública no ano passado cresceu nada menos do que aproximadamente R$ 350 bilhões, nove vezes o montante que seria resgatado anualmente aos Estados ao longo de cinco anos.
A diferença é que o dinheiro devolvido aos Estados serviria para investimentos e gastos púbicos essenciais, levando à retomada da economia, enquanto os títulos que o Governo emitiu no ano passado não financiaram gastos na economia real, mas giraram na fornalha da especulação financeira, enriquecendo banqueiros e financistas.
Só existe um obstáculo para a solução da crise  financeira dos Estados a partir do reconhecimento da nulidade da dívida, cancelando pagamentos da ordem de R$ 476 bilhões nos próximos anos: a covardia dos governadores em enfrentar o Governo Federal.
Ignorando que a o estrangulamento de seus Estados faz parte de um plano internacional para liquidar o setor público e criar espaço para sua privatização, os governadores se limitam a mendigar em Brasília, vendendo ativos de seus Estados e, em última análise, traindo seus constituintes.
Que saudade de Magalhães Pinto em Minas, Carlos Lacerda no Rio e Ademar de Barros em São Paulo: a federação estaria salva, independentemente de ideologias!

Marisa Letícia, Lula, a mulher e o Brasil – um depoimento

Benedito Tadeu César
Só tive poucos e rápidos contatos com Marisa Letícia Lula da Silva, todos na campanha eleitoral de Lula à Presidência da República, em 1989, na qual participei como coordenador da assessoria de planejamento.
O primeiro, quando pedi para Denise Paraná Santos (que depois escreveria a biografia Lula, um brasileiro) acompanhar Marisa em uma entrevista de TV e, depois, para comprar um terno para Lula participar do debate dos presidenciáveis na TV Bandeirantes.
Para que Marisa aceitasse dar a entrevista, que fazia parte de uma série na qual foram entrevistadas todas as esposas dos candidatos a presidente,  Denise teve que conversar muito com ela e garantir que ela deveria ser apenas ela mesma: uma mulher simples, com ideias próprias, que se dedicava prioritariamente aos filhos e ao marido e que não teria que necessariamente ter respostas prontas sobre como Lula governaria o Brasil ou sobre qual seria o destino da Rússia pós Perestroika (então em curso). Ao final da entrevista, a caminho dá loja onde comprariam o termo de Lula, Marisa disse à Denise que aquela tinha sido a primeira vez que ela tinha ido a uma entrevista sem que tivessem lhe enchido de informações e recomendações sobre o PT, o Brasil e o socialismo.
O segundo encontro ocorreu dias depois, quando fui à casa de Lula e de Marisa para dali acompanhar Lula ao debate na Band. Lula não queria vestir o termo que Mariza e Denise, a meu pedido, tinham comprado para que ele fosse ao debate. Lula afirmava que ele era um operário, um metalúrgico, e que, por esse motivo, não deveria usar terno. Marisa insistia que ele era um operário-metalúrgico-candidato-à-presidente-da-República e que um presidente da República, mesmo operário-metalúrgico, quando exerce o mandato presidencial ou quando fala ao país usa terno e gravata e não a camiseta suada do trabalho. Nada o convencia, entretanto. Ele dizia que o terno azul claro, ideal para contrastar com o fundo do cenário e as luzes do estúdio, fazia com que ele esclarecesse com um periquito. Marisa, então, foi até a cozinha e chamou a vó (na verdade a mãe do seu primeiro marido e vó apenas de Marcos Cláudio), que arrumava a louça, para que ela olhasse Lula, vestido a contra gosto no terno e na gravata, e desse seu veredito. A pressão de Marisa e da vó foram decisivas: Lula vestiu terno pela primeira vez em um programa de TV e, nem por isso, deixou de ser o operário metalúrgico que sempre foi – que continuou sendo durante os dois mandatos na Presidência da República e que é até hoje.

O dilema do PT nas eleições do Congresso

Pinheiro do Vale
O PT está com pé de cada lado do muro na sucessão do Senado Federal.
Com o pé direito o partido de Lula se mantém no jogo participando da mesa diretora da Casa.  Com o pé esquerdo reafirma sua oposição ao governo golpista de Michel Temer.
Para a esquerda o importante é ter voz no processo legislativo.  É este o sentido para composição com o PMDB para ter a Secretaria Geral da Mesa e não o objetivo menor, como diz a imprensa, de assegurar entre 20 e 30 vagas para assessores parlamentares para correligionários.
Participando da Mesa o PT terá lugar nas comissões. De outro lado, um grupo se manifesta dissidente, que defendeu não integrar um colegiado que será comandado pelos partidos governistas.
Trinta por cento da bancada petista rejeitou votar em Eunício Oliveira (PMDB/CE). OU seja, de 10 senadores, três não aceitaram o acordo: Lindbergh Faria. Gleise Hoffmann e Fátima Bezerra.
Os demais, incluindo o gaúcho Paulo Paim marcharam com o situacionismo.
A mesa diretora fica assim: PMDB com a Presidência.2ª Vice-presidência e uma 1ª Suplência; PSDB, 1ª Vice-presidência e 4ª Secretaria; PT, 1ª Secretaria (ou secretaria geral); P 2ª Secretaria; PSB 3ª Secretaria. As demais três suplências ficam com PR, PSD e DEM.
O secretário geral, José Pimentel (PT/PE), vai administrar um orçamento de 4,2 bilhões de reais. É muito poder.
Um ponto obscuro desse desdobramento ainda é o mencionado “acordão”, fechado na calada da noite de 31 de agosto, quando foi selada a sorte da ex-presidente Dilma Rousseff, nos últimos minutos do mês fatídico.
Em troca do fatiamento da pena da mandatária os golpistas cederiam a primeira secretaria das duas casas do Congresso ao PT, garantindo, assim, uma parcela de poder ao partido defenestrado. Em troca, os petistas votariam no candidato do PMDB. O acordo foi cumprido.
Mas há outra nuance no acordo: é do interesse dos grandes partidos varrer o chamado “Centrão” do picadeiro, reservando a arena somente às grandes forças, quais sejam; PMDB PSDB e PT.
Esses três partidos protagonistas comandarão o espaço político.
Em resumo: os grandes asseguram a governabilidade. O irrequieto e imprevisível ”Centrão” fica excluído, perdendo seu poder de barganha.
O que hoje se chama “centrão” não é a mesma coisa que um bloco com essa denominação representou na Constituinte de 1988.
Naquela época formou-se um grande bloco conservador para se opor ideologicamente à esquerda e, também, a uma extrema direita que expressava, por exemplo, a antiga UDR (União Democrática Ruralista) do deputado goiano Ronaldo Caiado.
Atualmente o “centrão” é uma força ideologicamente difusa integrada pelos partidos integrados por quadros fisiológicos, cuja atuação se caracteriza pelo posicionamento caso a caso diante das demandas do governo.
Este “centrão”, no governo Dilma, era comandado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e foi a principal causa da sua desestabilização.
São as chamadas “legendas de aluguel”, engrossada por dissidentes e descontentes dos grandes partidos, como era o caso do próprio Cunha.
Na Câmara, onde esse bloco informal é poderoso, o “centrão” ameaça a candidatura oficial do deputado Rodrigo Maia DEM/RJ), alinhado com o Palácio do Planalto e com apoio das três grandes forças.
No entanto, não obstante as orientações do ex-presidente Lula, o PT está relutando para cumprir o acordo. Os parlamentares do partido temem ser crucificados na próxima eleição em 2018.
A bancada petista na Câmara dos Deputados vive seu dilema: se ficar no bloco dos grandes pode ser execrado por seu eleitorado. Se refugar corre o risco de ser incluído como inocente útil no exdruxulo bloco do “centrão”.
Como diria o velho Blau: “é duro nadar de poncho”.
 
 
 

Os segredos de Dona Laila

Cláudia Rodrigues
Dona Laila não vive mais,  mas deixou na memória de suas filhas e filhos uma lembrança alegre de tempos tristes de enfastio. “Mamãe se esforçava ao máximo para que a comida durasse o mês inteiro, mas não havia jeito, sempre chegava o dia do passeio ao Bosque de Rio Preto. Para nós aquilo era pura alegria, chegávamos famintos da escola e ela já estava com a panela enrolada em um pano dizendo: hoje é dia de piquenique! Esquecíamos a fome e seguíamos debaixo do sol ardente até o Bosque. No Bosque, além de ver os animais, podíamos correr e brincar nos balanços e escorregadores, enquanto ela estendia o pano no chão e começava a moldar bolinhas de arroz que comíamos indo em vindo, numa verdadeira labuta de lava a mão, come o bolinho, brinca mais um pouco, suja a mão, lava a mão, outro bolinho. A água do bebedouro era gelada no ponto, não chegava a doer a testa, mas era muito refrescante, a tarde passava lenta e à noite, muito cansados, era hora do bolinho frito. Ganhava um bolinho a mais quem encontrasse um ovo no quintal para dar liga. Levei anos para desconfiar que só havia arroz, o único alimento que não faltava em casa, além de ovos.
ClaudiaRodrigues27012017E assim passei a infância acreditando que minha vida era ótima, não nos faltava nada e podíamos ir sempre ao Bosque, passeio que muitos de nossos amigos não faziam porque era passeio de rico. Sobre comprar coisas e comidas prontas, ela lamentava pelos outros: coitados, não olhem, eles não sabem fazer piquenique, ficam com ciúme da gente! Ela era assim, minha mãe, se chovesse ela inventava banho de chuva, se faltava luz brincava de teatro de sombras e quando a coisa encrencava, ela era o Sr Sargentão e nós os soldados enfileirados para entrar no banho um a um. Hoje, quando fico brava com meus filhos por causa de nada, por causa de pressa, eu, uma senhora que tem máquinas e faxineira, uma imagem que me vem é dela no tanque lavando roupa a mão a me chamar: vem cá, criança, vem escutar o barulho que faz essa espuma quando aperto bem e quando aperto menos. Ela era assim, até passeio nos trilhos do antigo trem ela inventava, uma simples pena de galinha nas suas mãos, contra o sol, virava foco de admiração em mil cores. Ela não dava conta de ver a gente triste por causa de uma prova ou qualquer rusga no colégio, então sempre tinha o que dizer, mostrar e nos faz sentir para esquecermos os pensamentos ruins.”
Dona Laila, na sua simplicidade, buscava uma solução ótima para que a responsabilidade e os problemas da vida de adultos pobres com uma família de sete pessoas não pesasse sobre as crianças. Mais do que isso, fez altas viagens sem sair do mesmo lugar, soube ser sem ter, fez literatura sem escrever, foi artista e poeta sem nunca ter visto o mar, conhecido pântanos, montanhas, cânions ou cachoeiras.
No seu aniversário de 80 anos os filhos e filhas a levaram para comemorar em um hotel fazenda. Foi a primeira vez dela em um hotel, ficou muito alegre quando subiram um pequeno monte para fazer um piquenique perfeito, de cinema, ideia da filha caçula. Foi lá em cima, com a família toda, todos os filhos, filhas, noras, genros e crianças netas que ela contou, rindo muito, sobre a razão dos piqueniques no Bosque, os banhos de chuva, os passeios sobre os trilhos, o teatro do corte de luz.
Provocada pela filha mais velha, que a aconselhou a ter uma ajudante em casa e descansar porque teve uma vida dura, Dona Laila fez um pequeno discurso.
“Vocês acham que um tive uma vida dura, mas eu levei a vida que é minha e ainda levo. Vocês acham que se divertir é só ir para hotel e ficar sem fazer nada, fazer viagens longas para ver paisagens, isso tudo é bonito também, eu vejo nas fotos que vocês mandam, eu vejo agora aqui como tem coisa bonita para ser ver no mundo, mas se vocês somarem as férias de vocês, os feriados e toda vida que eu tive, eu me diverti mais porque a vida minha é eu que faço todo dia e todo dia nasce novinho em folha só para a gente se distrair até a noite chegar. Amanhã de manhã vocês vão estar correndo da vida a postar fotos do dia de hoje sem prestar atenção no dia de hoje de vocês, que é amanhã. Para mim o dia de hoje vai morrer hoje e amanhã eu vou estar lá olhando as galinhas se estão bem e vou ficar tão feliz se nenhuma estiver empesteada, vou lá no fundo do pátio ver se o cacho de banana já está bom, se não estiver vou ficar animada para voltar dois dias depois, se estiver bem bom eu já vou colher e isso vai ser tão alegre. Depois do almoço, em vez de costurar as roupas de madame, como eu fazia quando era jovem para sustentar a casa, vou fazer as roupinhas de boneca para as minhas clientes da feira, as meninas de 8 anos que pedem vestidos de bruxa, noivas e dançarinas espanholas sem jamais reclamar do feitio, só exclamando que tudo é tão fofo e lindo”
Mamãe, diz o filho mais velho, é que nós nos preocupamos com sua saúde, seu bem-estar…
“Bem lembrado, gostaria de falar para vocês que qualquer dia eu vou morrer porque a vida acaba e a minha já está no fim, vocês que são doutores e tão inteligentes em matemática devem saber fazer as contas e calcular que uma pessoa de 80 anos já está no fim da vida, então não me venham socorrer com ambulância caso me falte o ar. Me deixem ir, façam um piquenique bem lindo para as crianças, nem que seja com bolo de arroz e prezem por esse tal de meu bem-estar me deixando ir. Se vou subir ou vou descer, isso é preocupação minha de adulta mais velha, não é da conta de vocês para onde vão os que morrem. A função de vocês é distraírem-se do tédio trabalhoso da vida, seja em hotel ou no bosque, aqui mesmo em Rio Preto, na Pindaíba ou em Paris porque em qualquer lugar do mundo haverá uma criança para banhar, alimentar e fazer dormir, nem que essa criança seja cada um de vocês sozinhos por conta própria.
Então, se acham ruim eu morrer vão se distraindo disso desde já com qualquer coisa melhor para sentir, que pode ser água fria ou água morna, sol ou sombra, a maior das piscinas dos parques aquáticos ou qualquer bacia no pátio porque o poder de sentir boas sensações não depende só da visão, do que aparenta, do que aparece, do que parece, é uma coisa de dentro da pessoa. Querem que eu prove?
Me digam vocês, que já experimentaram tantas dessas comidas de chefs; quando alguém fala em melhor arroz do mundo, que arroz é que os riquinhos lembram?”

O muro de Natal e os territórios da criminalidade

PINHEIRO DO VALE
O “Muro da Vergonha” assenta seus primeiros tijolos.
Não se trata do muro da vergonha do Donald Trump para separar os Estados Unidos do México, mas refere-se ao “muro” do Michel Temer, que seu ministro da Justiça, Alexandre Morais, mandou levantar dentro da Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, para separar o país do Primeiro Comando da Capital (PCC) da nação do Comando Vermelho (CV).
Do lado de fora das muralhas da penitenciária, a Força Nacional (também chamada de “farsa nacional”, devido à sua inutilidade prática) assegura a Constituição da República Federativa do Brasil.
Em espaço exíguo temos três estados diferentes, numa área inferior aos 0,44 km² do Vaticano, até então o menor país do mundo.
PCC e CV constituem, nos subúrbios de Natal, frações dos “estados do crime”, como se definem em suas constituições escritas, territórios demarcados, com força para serem reconhecidos, pois têm povo, limites, legislações e pleno domínio dos territórios.
O CV, no Rio de Janeiro, é senhor absoluto e indiscutível de territórios e tem sob sua legislação uma população de mais de dois milhões de pessoas.
O PCC, em São Paulo, tem um a área maior e uma população de três milhões de habitantes. Em outros lugares, os estados do crime têm outro tanto ou mais.
Esses “países” têm uma população maior que o Uruguai, mais gente que o Paraguai; detêm cerca de 0,5% da população da República Federativa do Brasil. Não é pouco.
Com isto, chega à América do Sul um modelo legal semelhante ao implantado pelo pelos fundamentalistas do Estado Islâmico nas porções do Iraque e Síria, em que tribunais próprios implantaram um código penal baseado da sharia primitiva do Século IX, com degolas e suplícios aos incréus.
Nos países do PCC e CV os “tribunais da criminalidade” impõem seu código penal nos moldes da Europa nos tempos bárbaros do Século V. Com suas tábuas de leis escritas, esses tribunais do crime têm um colegiado de juízes, defensores e acusadores, absolvendo os inocentes ou condenando os culpados a penas de morte cruel, esquartejamento, tortura ou mutilação.
Assim como no cenário político partidário do Brasil, as grandes facções criminosas abrigam mini facções que, tal qual as legendas de aluguel, gravitam em torno dos grandes comandos. Só PCC e CV têm diretórios em todos os estados.
Recentemente surgiu uma nova federação, a Família Do Norte (FDN), que atua na Bacia Amazônica e em alguns estados do Nordeste.
A FDN traz uma novidade, que é a articulação internacional, pois vem associada aos remanescentes das FARC da Colômbia que, recusando-se à pacificação política, decidiram se manter no tráfico de drogas.
A FDN e os dissidentes das FARC abriram a “rota do Solimões”. Esta rota abriu-se com a fragilização da ligação direta dos carteis colombianos com os mercados consumidores da América do Norte e Europa.
No Sul, sob coordenação do PCC, estabeleceu-se o Narcosur, que, segundo o jornal uruguaio El País, tem sede em Montevidéu, associando cartéis Argentinos, Bolivianos, Brasileiros, Paraguaios e Uruguaios.
O Narcosur é comandado pelo brasileiro Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola.
Segundo denunciou a polícia paraguaia dia 25 de janeiro, o crime multilateral está operando seu suprimento numa ação conjunta do PCC com a facção gaúcha Bala na Cara, que tem seus escritórios no Presídio Central de Porto Alegre.
O Muro da Vergonha do presidente Trump visa impedir não só a imigração ilegal, mas também o contrabando (de drogas e mercadorias) do México para os Estados Unidos. É uma providência de resultados duvidosos.
No fim do século XIX sugeriu-se que se fizesse uma muralha humana entre o Rio
Grande do Sul e o Uruguai, ao que reagiu, incrédulo, o senador Gaspar Silveira Martins: “Se botar um soldado ao lado do outro por toda a fronteira, a contrabando passa pelo meio das pernas”.

Sempre a dúvida

WALMARO PAZ
Foi acidente ou foi sabotagem para queima do maior arquivo vivo da cena política brasileira? A Globo e todo o restante da grande imprensa tem repetido que “tudo leva a crer que foi um acidente”. Já as dúvidas foram levantadas pela família da mais importante das vítimas e possível alvo de atentado.
O filho do ministro Teori, Francisco Zavascki, foi o primeiro. Quer uma investigação profunda sobre a morte do pai. “ Não quero ser órfão de um ministro assassinado”, expressou claramente.
Sua tia, a irmã do ministro morto, em entrevista ao Estadão, afirmou “ deve haver coisa grande por trás disso”. Ela lembrou que ele sempre tranquilizava a família afirmando estar sempre cercado de seguranças. A pergunta que ela deixa no ar é: “ onde estavam os seguranças do ministro Zavascki quando ele embarcou naquele avião?
Outra questão que ninguém levanta: a quem serviu a morte de Teori? Quantos indiciados pelas delações da lava jato ganharão mais tempo, como disse o ministro Eliseu Padilha. Alguém já especulou: “ este avião caiu que nem uma luva”.
Creio, sem sombra de dúvida, que esta morte e suas investigações terão o mesmo destino de outras que a antecederam. O acidente do avião que matou o marechal Castello Branco, no Ceará; o acidente de automóvel de Juscelino Kubistchek; a morte em acidente de carro  de Zuzu Angel durante da ditadura; a morte súbita de Carlos Lacerda; a morte de João Goulart; a queda do helicóptero com Ulysses Guimarães, também em Parati…
Enfim são várias dúvidas que permanecem em um curto espaço de tempo na história política deste Brasil. Sem falar com as de centenas de desaparecidos menos ilustres durante a ditadura que até hoje suas famílias andam atrás dos corpos.