O incentivo fiscal – o imposto de que o governo abre mão para estimular o empreendedor privado – é inevitável instrumento de gestão pública no Brasil há mais de 40 anos. É crônica a guerra entre os Estados para ver quem dá mais pelos grandes projetos.
Agora, porém, com a situação de calamidade financeira em Estados como o Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais, os incentivos ou benefícios fiscais a grupos privados parecem indefensáveis.
Como podem Estados falidos continuar abrindo mão de bilhões em impostos para subsidiar projetos de grandes grupos privados? Em tempos de Lava Jato faz sentido perguntar: não tem propina ou Caixa 2 aí?
No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde o governo há mais de dois anos parcela o pagamento dos funcionários, foram concedidos algo como R$ 48 bilhões em isenções fiscais a projetos privados, nos últimos seis anos (2010-2016, dados do Afocefe). Dez por cento disso cobriria o déficit previsto no pior cenário deste ano.
Mais indefensável é a falta de claridade quanto à utilização desses recursos que afinal são públicos, pois são impostos que deixam de ser arrecadados.
No Mato Grosso uma CPI conseguiu obter R$ 2 bilhões de volta aos cofres públicos.
No Rio Grande do Sul, onde uma CPI não alcança as assinaturas necessárias na Assembleia, nem o procurador geral do Ministério Público de Contas conseguiu informações, a não ser dados gerais já conhecidos. Em tempos de Laja Jato faz sentido perguntar: não tem propina aí?
Mário Wunderlich, sub-secretário da Receita Estadual, rebateu a afirmação de que os programas de incentivos fiscais do governo do Estado “são uma caixa preta”, como diz a campanha que mobiliza 36 entidades de servidores públicos que colhe assinaturas para uma CPI sobre o assunto.
“As desonerações não são caixa preta. A Receita tem os dados centralizados dos benefícios. O sigilo é por determinação de lei”, disse Wunderlich no seminário promovido pelo sindicato dos fiscais de tributos do Estado na quarta-feira. A receita responde pela concessão, revisão, monitoramento, fiscalização dos contratos de desoneração fiscal.
Ele reconheceu que os quadros de fiscalização do Estado estão desfalcados. Entre os auditores fiscais e técnicos, por exemplo, há apenas 48% dos cargos preenchidos.
Foi feito um concurso, mas as nomeações não saem: “Estamos há dois anos para receber colegas novos”. E a situação tende a piorar, pois 40% dos que estão trabalhando têm mais de 50 anos, a caminho da aposentadoria.
Wunderlich disse que a proibição de revelar informações sobre isenções decorre de uma lei aprovada no Senado, há 15 anos: “Foi o PL 54 que estabeleceu a proibição”.
No ano passado, antes de cair, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao congresso o PL 280, para colocar as desonerações de impostos nas exceções em que pode ser quebrado o sigilo fiscal. Segundo ele, o projeto está parado no Senado.
“Achamos que devia ser excetuado”, disse o vice secretário. “Entendemos que devemos fornecer informações individualizadas”.
Autor: Elmar Bones
O carvão e o Japão
Com uma comitiva de 16 pessoas, o governador Sartori passou uma semana na Ásia, “em busca de investimentos para o Rio Grande do Sul”, como dizem os press releases.
Como se fosse simples, só pegar uma mala, reunir um grupo de assessores e ir ao Japão seduzir investidores com as irresistíveis oportunidades e potencialidades da “terra gaúcha”.
Todos os governadores fizeram isso e o resultado dessas viagens, para o Estado, é sempre discutível.
Desta vez, na mala de Sartori, de concreto foram apenas dois projetos privados na área do carvão: uma grande usina térmica e uma unidade de gaseificação de carvão, que na melhor hipótese pode se desdobrar num polo carboquímico.
O governo fez nada ou quase nada por esses projetos, mas agora os empreendedores privados precisavam mostrar a seus parceiros e possíveis investidores, no Japão e na China, que contam com o apoio das autoridades brasileiras. Que seus projetos estão alinhados com os programas de desenvolvimento do Estado, podem ser até estimulados com algum financiamento ou incentivo.
O problema é que não há uma política para o aproveitamento do carvão mineral. O governo do Estado, que tem mais de 80 por cento das reservas nacionais, não tem conseguido sequer vencer a má vontade das autoridades federais que sistematicamente têm deixado o carvão fora dos leilões de energia.
O estigma de vilão ambiental que, não sem motivos, pesa sobre o carvão tem inibido uma discussão mais sensata a respeito do seu aproveitamento, ignorando os grandes avanços da tecnologia, com redução expressiva dos impactos ambientais.
Em 1997, quando foi privatizada a CEEE, ninguém sabia o que fazer com as usinas a carvão, superadas, ineficientes, mas que ainda eram indispensáveis na matriz energética do Estado.
A solução foi uma gambiarra federal. Criou-se a Companha de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), que assumiu as usinas a carvão – São Jerônimo e duas unidades em Candiota.
Dez anos depois, na esteira das boas relações dos governos petistas com a China, se construiu a terceira unidade de Candiota, com capital, mão de obra e tecnologia chineses. Foi um feito, pois Candiota III era uma novela (um escândalo) do tempo da ditadura. Mas a tecnologia dos chineses era velha e o projeto até hoje suscita críticas.
Hoje a CGTEE está em situação falimentar, com usinas fechadas, arrastando para o buraco a CRM, que lhe fornece o carvão e para a qual o governo do Estado não vê saída além da privatização.
Plebiscito: uma armadilha, para quem?
Pelo que se pode deduzir do noticiário, ainda ralo para a importância do tema, o governador Sartori caiu numa armadilha.
Vendo que, no parlamento, não teria os votos necessários para levar seu projeto de privatizações adiante, sem o plebiscito previsto na Constituição Estadual, Sartori decidiu enfrentar as urnas.
Tem o apoio do empresariado, da mídia e terá também sondagens de opinião pública que o encorajam.
O governador moveu suas peças nessa quarta-feira quando enviou à Assembleia o pedido para que o colégio de líderes encaminhe o processo do plebiscito.
A tendência é que os líderes aprovem. Quem vai ser contra uma consulta à população sobre temas tão relevantes?
O problema é que há um prazo. E um custo.
Para que o plebiscito seja realizado este ano, o pedido avalizado pelo Legislativo tem que chegar ao Tribunal Regional Eleitoral até 15 de junho, com seis meses de prazo para a preparação e uma data limite de 15 de novembro deste ano.
Depois disso, a consulta só poderá ser feita em outubro de 2018, junto com as eleições gerais.
Além do prazo exíguo, há muitas dúvidas. Ainda não se sabe, por exemplo, se o voto será obrigatório ou facultativo. Nem quanto vai custar todo o processo.
Manifestações do presidente da Assembleia e de lideres da oposição, indicam que não haverá tempo para toda a tramitação regulamentar dentro do prazo que interessa ao governo. Sinalizam que a oposição fará tudo para que não saia este ano.
Para Sartori aparentemente será um desastre. Sem as privatizações ele não fecha o acordo com a União que suspende o pagamento da dívida. Fica também sem o dinheiro das privatizações.
Terá, portanto, mais 18 meses nesta situação de desgaste permanente em que se arrasta desde o início. Talvez não tenha nem condições de se candidatar.
Por esse raciocínio, Sartori caiu na armadilha.
Mas, talvez, esse seja um raciocínio simplista. Quem sabe se não é a oposição que está caindo numa armadilha ao levar o debate das privatizações para o centro da campanha de 2018?
Não será exatamente isso que interessa, não só a Sartori, mas ao projeto que ele representa?
Reduzir o discurso à questão de “estatais ineficientes e deficitárias”, acenando com alívio ao contribuinte, passando-as para a iniciativa privada. Pode ser tudo o que Sartori precise para ter o que dizer em 2018.
Sartori vai para tudo ou nada
Sartori jogou seu governo nessa decisão de enfrentar o plebiscito para levar adiante seu projeto de privatizações.
Verdade que ele estava sem saída.
Para tirar o plebiscito da frente, faltaram-lhe cinco ou seis votos na Assembleia, apesar de toda sua disposição de negociar. Se fosse ao plenário, seu projeto seria derrotado.
Sem as privatizações da CEEE, CRM, Sulgás “e outros”, ele não atende aos requisitos básicos do Programa de Recuperação Financeira dos Estados, que, entre outras coisas, suspende o pagamento da dívida com a União por três anos.
A suspensão do pagamento da dívida representa mais de R$ 3 bilhões a menos, por ano, na coluna das despesas. Seriam R$ 6 bilhões, neste e no último ano de governo.
Com o que obteria das privatizações e vendas de imóveis, por baixo pode se estimar outros R$ 3 bilhões.
Com tudo isso, Sartori voltaria a pagar os salários do funcionalismo em dia, pagar os fornecedores e até fazer investimentos. Poderia dizer que seu plano deu certo e seria quase imbatível na reeleição.
O governo certamente fez uma sondagem da opinião pública antes de bater o martelo sobre o plebiscito.
Não por acaso, intensificaram-se as mensagens do governo nos jornais, rádios e nos horários nobres da televisão.
O poder de convencimento dessas mensagens é baixo, mas o que importa é a boa vontade que os cifrões injetados produzem na mídia e que se reflete no noticiário, nos editoriais, nos comentários.
Com o apoio do empresariado e da mídia corporativa para sustentar seu discurso, Sartori faz uma aposta calculada.
Se ganhar, será como a reeleição um ano antes. Se perder não terá condições nem de ser candidato.
Temer no comando
Convém não iludir-se. Temer está mais forte do que parece e não perdeu a iniciativa.
Tem dado provas a seus patrocinadores de que não está imobilizado e pode cumprir os objetivos pelos quais foi colocado na Presidência – a reforma da Previdência, a reforma trabalhista e as privatizações (para satisfazer o capital), e o esvaziamento da Lava Jato, (para tranquilizar a bandidagem).
As reformas patinam, mas Rodrigo e Eunício, na Câmara e no Senado, estão sob controle dele. Ele é o chefe para “estancar essa porra” na qual todos estão metidos.
Ao trocar o ministro da Justiça, Temer atende a uma demanda citada por Aécio, no grampo da JBS, quando ele diz que Osmar Serraglio era um fraco no ministério, que não tinha influência sobre a Polícia Federal.
Na calada deste domingo, Temer fez um movimento de xadrez e permutou Serraglio por Torquato Jardim, que estava no Ministério da Transparência. Torquato, jurista, especializado em Direito Eleitoral, é uma estrela em ascensão.
Vejam o que disse a Globo:
“Com a decisão do presidente Michel Temer de colocar Torquato Jardim no comando do Ministério da Justiça, a expectativa do Palácio do Planalto é retomar a influência sobre a Polícia Federal. Não está descartada nem mesmo a substituição do diretor-geral da PF, Leandro Daiello.”
“Investigadores da Lava Jato já demonstram preocupação com as mudanças no Ministério da Justiça. Serraglio era considerado um ministro fraco, e que, por isso mesmo, não tinha influência no comando da PF e não conseguia interferir nos rumos da Lava Jato. O Planalto optou por Torquato por considera-lo com personalidade suficiente para retomar o controle da PF”.
“Além disso, ele é considerado um nome com boa interlocução com tribunais superiores, inclusive no Tribunal Superior Eleitoral, que julgará na próxima semana a cassação da chapa Dilma-Temer. Torquato já foi ministro do TSE”.
“Osmar Serraglio já foi convidado para permanecer no governo no lugar de Torquato, no Ministério da Transparência. Com isso, o deputado Rocha Loures, que foi flagrado recebendo uma mala de R$ 500 mil, mantém a prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal”.
Quero dizer: só as ruas tiram Temer.
Procura-se um nome
ELMAR BONES
As premissas estão estabelecidas. Já foram vazadas para a Globo, todos estão seguindo ordeiramente.
Temer perdeu as condições por sua “conversa nada republicana” com Joesley Batista. Tem que cair fora, mas o movimento não pode comprometer a “agenda de reformas”. É preciso ganhar tempo.
Para o lugar dele, tem que ser alguém que se comprometa a dar prioridade às “reformas modernizantes” (o pessoal das letras podia fazer uma análise dessa volta do “moderno” ao discurso político).
Leia-se aqui: cortes na Previdência e relaxamento das leis trabalhistas, para baixar o custo da assistência social e da “mão de obra”, ou seja, o custo do trabalho.
Meirelles assomou num primeiro delírio, mas logo esvaneceu. Foi presidente do Conselho de Administração do JBS entre 2012 e 2016. Iam dizer que além de derrubar Temer, Joesley Batista havia nomeado o sucessor.
Nelson Jobim é um nome que sempre aparece nessas horas nebulosas. Mas, por alguma razão, não consegue se firmar, como alguém que pudesse oferecer um rumo.
Agora, no final desta segunda-feira, despontou o nome da ministra Cármen Lúcia, trazido por ninguém menos do que Lauro Jardim, o repórter de O Globo a quem foi dada a primazia da gravação de Joesley Batista com Michel Temer.
Os entraves jurídicos ou constitucionais serão filigranas, se a ministra se mostrar confíável.
Tira Temer, mantém a equipe econômica, conclui as reformas
Essa é a estratégia traçada pelo que se percebe da leitura daqueles que constroem o discurso dominante.
Esse discurso diz: Temer está rifado. Mas é preciso preservar as “conquistas”, manter a politica privativista e o programa de reformas que reduzem os custos sociais.
É o que se pode chamar de “O golpe dentro do golpe”. Muda o ator, mas o enredo segue o mesmo.
Só as ruas podem fazer a diferença.
O fator Cunha, outra vez
Eduardo Cunha, como presidente da Câmara, foi o artífice do golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff.
E agora, com a delação dos homens da JBS, fica claro que o golpe precisa (va) do silêncio de Cunha para se sustentar. (Ou os nossos sempre abalizados colunistas e analistas políticos continuarão a dizer que não foi golpe?)
Fica claro também que Temer é um presidente ilegítimo, que a mídia corporativa vinha sustentando (e faturando alto com as verbas generosas).
“Deixem o homem trabalhar” foi o título da coluna de Ricardo Noblat, no Globo, quando Temer completou um ano na presidência.
As cenas da colunista Eliane Cantanhêde, do Estadão, na entrevista com ele, chegam a ser comoventes!
Toda a mídia ensaiava um mutirão de apoio ao seu mandato e às suas “reformas”, com manchetes sobre a retomada da economia, a redução do desemprego e outros quetais.
Mas eis que o mesmo Eduardo Cunha, hoje trancado numa cela da Polícia Federal, leva Temer à lona.
Foi por medo de que ele abrisse o bico que Temer tratou com o empresário Joesley Batista da mesada de R$ 500 mil : “Isso tem que ser mantido, viu?”
A Globo pediu desculpas por ter apoiado o golpe militar de 1964. E agora? E os demais, que nem isso fizeram?
Continuarão a se apresentar como os certificadores da informação, a salvaguarda do leitor contra as noticias falsas que inundam a internet?
Provavelmente, estarão na primeira linha apoiando o golpe dentro do golpe, que já se desenha com uma eleição indireta. E, como sempre, dizendo que não é golpe.
Porto Alegre merece mais
às vésperas de completar cem dias no cargo, o prefeito Nelson Marchezan Junior ainda está devendo um plano de governo aos portoalegrenses.
Ele já descobriu que o caixa da prefeitura está raspado. Já paralisou obras por falta de recursos, suspendeu contratos de prestadores de serviços e até anunciou que pode atrasar os salários dos funcionários públicos.
Tudo isso é compreensível, diante do quadro de crise que se vive no país. Nada disso, porém, justifica que o prefeito, a estas alturas, não tenha sequer completado sua equipe de governo.
Mesmo a grande novidade apresentada pela nova gestão, a criação de um “banco de talentos”, para escapar das pressões partidárias por cargos, permanece sendo uma incógnita. Pouco se sabe dessa instituição que até agora parece apenas uma cortina de fumaça para encobrir a velha prática de troca de cargos por apoio político.
Porto Alegre merece mais e certamente foi esperando outra atitude que a população rompeu com o continuísmo e elegeu um jovem político, com perfil de administrador.
Recado do Espírito Santo: “Eu sou você amanhã”
ELMAR BONES
O Espírito Santo tem menos de 4 milhões de habitantes, 2% da população brasileira, 0,5% do território nacional.
O que ocorre lá há uma semana é, em escala piloto, o que pode ocorrer em todo o país, se a crise política e econômica continuar se aprofundando.
O atraso nos salários e as más condições de trabalho que levaram os policiais militares à greve…a onda da violência que se desencadeou na região metropolitana da capital, Vitória, com a falta de policiamento nas ruas…
São ingredientes de uma situação latente em todas as capitais brasileiras, em muitas delas, o Rio, por exemplo, com potencial explosivo ainda maior.
O saldo neste sábado à tarde era de 138 mortos, 300 casas comerciais arrombadas, 200 carros roubados, saques a lojas e supermercados na periferia de Vitória.
Uma relativa normalidade era garantida por cerca de 3.200 homens do Exército, que desde a quarta-feira patrulham as áreas mais movimentadas da capital e cidades do entorno.
Como num laboratório social, no Espírito Santo misturou-se a falência do poder público, que não consegue garantir nem o básico policiamento das ruas, o esfacelamento da cidadania, desamparada e ameaçada pelo desemprego e a pobreza, o crime organizado cada vez mais armado e poderoso…
O resultado é uma situação explosiva que leva sempre à mesma solução: intervenção das Forças Armadas.
Como naquela propaganda, o recado que o Espírito Santo parece mandar ao Brasil é esse: “Eu sou você amanhã”.