É bastante provável que você já se tenha perguntado um dia sobre de que
forma seu cliente o encara. Será que seu atendimento é tão eficaz quanto
parece? Sua empresa supre todas as necessidades dos clientes? Estas e outras questões rondam a imaginação de qualquer empresário, vez por outra. Istoquando não permeiam seus sonhos e até seus pesadelos.
Como não existe bola de cristal no mundo dos negócios, o jeito é criar
soluções práticas para este desafio. Naturalmente, a preocupação constante em melhorar o atendimento, em busca da sempre desejada “satisfação do cliente”, requer ações criativas.
Trabalhar como um parceiro dos clientes passou a fazer parte da cultura de várias empresas. Mas o que poderia ser este “algo mais”? A VC — Votorantim Cimentos tem procurado alternativas, passou a observar o mercado do ponto de vista do cliente. Literalmente passou para o outro lado do balcão. Fez mais do que isso. Convidou revendedores para se colocarem na cadeira do diretor-presidente.
Assim, de uma idéia aparentemente simples, nasceu o Conselho de Clientes, um conceito que transformou o relacionamento entre o líder do setor cimenteiro e o dono da loja de materiais de construção do seu bairro, do nosso bairro.
A imagem daquela megacorporação, intocável, não era real. Isso foi comentado por um lojista, numa de nossas reuniões! Naquele momento, a Votorantim revelou-se a parceira de todas as horas, aqui, no chão da loja, no balcão do comprador.
O Conselho de Clientes foi criado em 2003 e vem sendo implementado passo a passo, em cada uma das regiões de atuação da nossa empresa. Devido ao seu sucesso, o conselho conquistou um papel estratégico dentro da VC.
Seu funcionamento é simples: fazemos reuniões com vinte clientes convidados de cada região. Podem ser grandes e pequenos lojistas. Todos têm o mesmo espaço democrático, a mesma importância. Por que? Porque é a sua experiência diária, são seus problemas cotidianos e suas sugestões que nos fazem criar soluções para os problemas de todos os nossos clientes. Esta é a real dimensão do conselho.
Um exemplo prático: criamos uma alternativa de crédito a pequenos lojistas, que se encontra em fase de piloto, a partir de sugestões tiradas do conselho. Foi uma reivindicação das revendas de menor porte, que assim ganham maior competitividade no mercado e podem atender melhor o cliente final.
Temos exemplos iguais a este nas mais diversas áreas: logística,
atendimento, marketing. A implantação de janelas de carregamento nas
unidades reduz o tempo de espera e garante pontualidade e estoque. O sistema informatizado oferece rapidez e clareza na troca de informações com clientes, que remotamente acompanham seus pedidos, programam carregamentos, verificam extratos, créditos e cobranças. O programa de fidelidade “Diga Sim à VC”, premia os pontos de vendas com melhores resultados. Tudo isso surgiu porque o nosso cliente tem total liberdade para expor suas críticas, sugestões e elogios aos produtos, serviços e profissionais da VC.
Maurício Luchetti*
* Diretor Executivo da Votorantim Cimentos
Categoria: Análise&Opinião
O valor da Semana Farroupilha
Roque Jacoby – Secretário da Cultura do Rio Grande do Sul
A Semana Farroupilha, no ano em que comemoramos os 170 anos da eclosão da epopéia dos farrapos, evoca-nos sentimentos muito profundos ligados ao amor que devotamos ao Rio Grande do Sul. Mesmo os gaúchos que migraram para outras querências, na busca de sobrevivência em outras terras, e são muitos os rio-grandenses que procuraram diferentes destinos, não esquecem seu pago, e o amam profundamente.
O amor ao Rio Grande do Sul não abandona os rio-grandenses, mesmo quando eles estão longe dos pampas. No município de Relvado, na região do Alto Taquari, por exemplo, a cada janeiro, em torno da realização de um rodeio, os exilados voluntários do Rio Grande do Sul que montaram churrascarias pelo mundo afora se reúnem para matar as saudades de suas famílias e dos costumes dos pampas, herdados por atavismo.
E é na Semana Farroupilha que o amor pelo Estado em que nascemos ou que nos acolheu com tanto carinho é expressado pelos desfiles em que cavalarianos, garbosos, traduzem, numa estética impecável, o orgulho de serem filhos do Rio Grande. E com que orgulho estufam o peito para proclamar que aqui nasceram…
Esse é o momento em que vamos às ruas para mostrar um sentimento arraigado ao nosso inconsciente coletivo: de gratidão, admiração e reconhecimento a todos os homens e mulheres que lutaram pelos ideais farroupilhas, de que fosse respeitada nossa terra e de que não houvesse, por parte do Império, um centralismo político e econômico, que aparecia, por exemplo, na cobrança escorchante de impostos, retirados da produção do charque. E o Governo do Estado, por inspiração do governador Germano Rigotto, busca ressaltar muito essa data histórica, tão importante no calendário histórico, estimulando e realizando eventos que a valorizem.
A bandeira do nosso Estado a que assistimos hasteada e desfraldada em todos nossos rincões é uma demonstração de que o pendão empunhado em 11 de setembro de 1836, quase um ano depois de iniciada a Revolução Farroupilha, pelo general Antônio de Souza Neto para marcá-la como símbolo da República Rio-grandense, continua vivo em nosso coração.
Pode ser vista como um sonho de liberdade e um anseio de que as decisões democráticas que os comandados do general Bento Gonçalves da Silva procuravam defender em suas batalhas sejam hoje ampliadas, promovendo-se a inclusão social de milhões de brasileiros aos benefícios da realidade econômica.
Que os ideais farroupilhas nos inspirem a lutarmos para que essa intenção construa, de fato, uma sociedade brasileira mais fraterna e solidária para todos.
Entre Namíbia e Noruega
Vilson Antonio Romero
No sudoeste da África, em cerca de 825 mil km2, vivem mais de 1,9 milhões de pessoas, compartilhando seu espaço com dois grandes desertos, o da Namíbia e o de Kahlahari. Fronteiriça com Angola, Botswana, África do Sul, Zimbabwe e Zâmbia, e banhada pelo Oceano Atlântico, a República da Namíbia, com um PIB de US$ 9 bilhões, é o segundo maior produtor mundial de chumbo e possui expressivas reservas de urânio e diamantes.
Mesmo tendo a menor densidade demográfica do planeta, é o país mais desigual do mundo, aliado à constatação de que aproximadamente 15% de sua população é soropositiva do HIV, chaga que assola o continente africano.
Com muitas montanhas e um terço de seu território situado ao norte do Círculo Polar Ártico, mais precisamente na península escandinava, localizamos os mais de 4,5 milhões de habitantes, que ocupam os 386 mil Km2 da monarquia constitucional da Noruega. Costeados pela Rússia, Finlândia e Suécia e banhados pelo Mar do Norte e Oceano Atlântico, vivem 4,5 milhões de noruegueses, produzindo um PIB de US$ 152 bilhões. O país dos fiordes, do bacalhau, do sol da meia-noite e da aurora boreal destaca-se como uma das indústrias pesqueiras mais importantes do mundo, bem como grande exportador de gás natural, petróleo e carvão.
Por que tudo isto? Porque a Namíbia foi apontada como a nação ocupante da 125ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, divulgado pela ONU e a Noruega continua, pela quinta vez consecutiva, liderando a classificação, que considera dados de 2003.
No meio destes dois países, encontramos o Brasil, na 63ª posição entre 177 nações analisadas. Em 8,5 milhões de Km2, mais de 184 milhões de pessoas produzem um PIB de mais de R$ 1,5 trilhão. Apesar disto, e sabedores que os números de 2004 e 2005, mais alvissareiros, com crescimento da economia, podem resultar em um novo e melhor enquadramento, há dados alarmantes: o Brasil “miserável” – 10% mais pobres – é o 6º mais pobre do mundo e a desigualdade nacional é a 8ª maior do planeta, somente superada, segundo a ONU, por Namíbia, Lesoto, Botswana, Serra Leoa, República Centro-Africana, Suazilândia e Guatemala.
Por mais que o primeiro mandatário da Nação, impassível aos escândalos que pululam à sua volta, tenha dito, no dia da Pátria, que a economia, a indústria, o comércio, as exportações, o emprego, o salário, a transferência de renda para os mais pobres, tudo cresce em seu governo, paralelamente às quedas da inflação e do custo da cesta, muito ainda há a nos preocupar no desfraldar diário de nossa bandeira.
Embora estejamos longe da Namíbia, com seus safáris, 300 dias de sol anuais e sua desigualdade, falta muito para chegarmos próximos ao reino da Noruega, suas 75 mil ilhas e o vento cortante das ruas de Oslo, a capital. O abismo entre ricos e pobres perdura como uma das maiores pragas a serem enfrentadas pelos governos e muito há a ser construído na direção de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, como demonstram a ONU e suas estatísticas.
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(*) jornalista, administrador público, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa e consultor da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social – E-mail: Vilson.romero@terra.com.br
Carta de Barcelona
Escrevi umas cartas de minha viajem a Itália, mas parece que o correio andou arisco e só uma delas chegou ao seu destino. De todas formas, o desocupado leitor não perdeu grande coisa.
De volta a casa, retornam também as aventuras do cotidiano e o mês de setembro traz um pouco de tudo. É o começo do ano por aqui. A agenda política, por exemplo, está lotada. A luta contra o terrorismo (estamos no país de ETA) e a reforma dos estatutos das comunidades autônomas (sobretudo a catalana) são os dois assuntos predominantes nos debates e que não encontram nenhum tipo de consenso entre o governo socialista de Zapatero e a oposição conservadora-liberal liderada por Rajoy.
A primeira reunião do ano entre os dois líderes acabou em rodas de imprensa em que cada qual reclamava das posturas alheias, sem espaço para a tão saludar autocrítica. O governo apoia que as comunidades autônomas, como Catalunha e País Vasco, aumentem a sua autonomia em relação ao governo de Madri (que a bem da verdade não é pequena) e mantém uma postura de ouvir ao governo vasco la luta para exterminar ao ETA. A oposição discorda disso por medo de que se rompa a unidade do estado espanhol e de tudo o mais que o governo tente colocar na agenda.
Debates espanholes a parte, importantes países europeus estão as portas de suas eleições presidenciais. Alemanha escolhe, no próximo fim-de-semana, entre a manutenção da coalizão de centro-esquerda de verdes e os sociais-democratas de Schröder, e os democratas cristianos capitaneados pela favorita nas pesquisa de opinião Angela Merkel.
Enquando Itália vai às urnas em outubro para optar entre o conservador Beslusconi e o ex-presidente da Comissão Européia, Romano Prodi que reúne um “frentão” de centro-esquerda. No outro lado da Europa, Ucrania está envolvida em uma crise de governo provocada pela corrupção galopante em todos os seus níveis. O presidente Yúshenko demitiu toda a equipe de assessores que haviam sido os protagonistas da recente Revolução Laranja. Lembram de um caso semelhante em algum outro país aí pela América?
Rivadavia Severo, Jornalista
Gaivotas para a crônica
Marcos Sosa, Professor de Literatura
Fazia falta um livro assim na minha estante. Um livro pequeno, meio artesanal, que tivesse fotos bonitas. Um livro bonito. Em “Crônica: o vôo da palavra”, de Walter Galvani, lançado na primeira semana de agosto pela editora porto-alegrense Mediação, as páginas de leitura têm suspensões, por meio de fotografias, que versam sobre o horizonte, o mar, barcos e reflexos de sol. E gaivotas. Muitas. Ora sozinhas ou em bandos, ora em revoada ou em comunhão. Gaivotas para a medida exata da metáfora levada a efeito pelo autor, sugerindo que, enfim, o ato de escrever precisa e exige um movimento rente às ondas, para fisgar o alimento e, justo depois, voar mais e mais.
Resultado de um curso para aspirantes a cronista ministrado pelo autor, o
livro desenvolve-se a partir de uma adequação de comentário prático e de uma linguagem acessível, menos técnica do que aquela presente em livros de crítica literária. Não por acaso, uma linguagem que aposta na simplicidade para falar desta manifestação de literatura que come o pó das ruas, bebe os cafés dos bares, cantarola versos de canção popular e vive dividindo espaço com a ficção.
Essa opção de linguagem abre espaço não só para o candidato a cronista, mas também para o leitor de crônicas – este sujeito que, da outra ponta do processo, encontra neste gênero um ponto de fuga cotidiano, entre uma fila de banco ou o intervalo do almoço. Em muitas passagens, Galvani dá atenção a este leitor que busca a fresta do dia, ávido de entrosamento com essa natureza flexível, explosiva e um tanto arbitrária que norteia a razão de ser do texto cronístico.
De onde se conclui por um caminho excelente de inserção no universo dos livros e do conhecimento. Ao ter em mãos um trabalho que aborda este caminho, o leitor agrega a seu repertório um saber que se encontra no meio-fio entre a crítica e a produção, seja no recorte histórico evocado pelo autor ao comentar, por exemplo, a literatura dos viajantes e o natural desdobramento desta à produção jornalística posterior, seja visitando, de modo especial, o quadro específico, moderno e brasileiro, da crônica.
Paradoxalmente, é justo aqui, num país com graves deficiências de leitura, que a crônica se apresenta como uma grande feira, com sabores para todos os gostos.
Carta de Barcelona
Rivadavia Severo
Este ano comemora-se os 400 anos da publicação de Don Quijote de la Mancha. Data com especial devoção, em terras espanholas, ao livro que inaugurou a narrativa moderna e que dizem por aqui que é o mais editado e traduzido depois da bíblia. O romance escrito por Miguel de Cervantes conta as aventuras do engenhoso fidalgo Don Quijote em princípios do século XVII, durante o reinado de Felipe III, quando Espanha estava perdendo sua condição de potência global que lhe seria finalmente arrebatada, escassos anos depois, com a assinatura do Tratado de Westphalia, em 1648, que prefigurou o mundo dos estados nacionais que vivemos até hoje. Cervantes, como todo grande novelista, tece as suas 1.200 páginas sobre este pano de fundo, onde deixa transparecer as transformações da sociedade e de seu sistema de valores e crenças
Quijote é um personagem que alterna momentos de profunda reflexão, com disparates. Diz o prêmio nobel português, José Saramago, que Alonso Quijano, o fidalgo que transforma-se em Quijote para poder viver suas aventuras, não era um louco, simplesmente buscava moldar a realidade a sua maneira para poder buscar o seu próprio eu. Coisas de homens de letras. Também interessante era o seu fiel escudeiro, que acompanhava o Cavaleiro da Triste Figura, não para salvar donzelas, nem para fazer justiça como seu amo, só queria a sua porção de terras a que governar e claro, enriquecer. E tanto queria que uns duques de Aragão lhe presentearam, mesmo que por burla, uma pequena ínsula. Como a boa literatura imita a realidade, nem 400 anos puderam separar o que aconteceu com Sancho Panza e o que ainda hoje ocorre em algumas repúblicas por aí. O escudeiro era um homem baixo, gordinho e barbudo que viu-se envolvido em uma série de artimanhas engendradas por seus súditos que o levaram a demitir de seu governo. Suas reflexões sobre os meandros do ato de governar são dignas de registro. “Agora verdadeiramente entendo que os juízes e governadores devem ser de bronze para não sentir a inoportunidade dos negociantes” e logo adiante justifica a sua demissão “…subi nas torres da ambição e da soberba…”
Naquela época, os governadores eram responsáveis pelos atos de seus vassalos e só deviam obediência ao Rei e a Deus. Hoje seus pares parecem que não são responsáveis por nada e nem devem explicações a ninguém. Talvez o exemplo deste simples escudeiro que demitiu de seu governo por ter entendido não haver sido capaz de governar a seu povo deva voltar às rodas palaciegas.
Cidade não é mercadoria
Margarete Moraes, Vereadora
Art. 92. As Áreas de Interesse Cultural são áreas que apresentam ocorrência de Patrimônio Cultural que deve ser preservado a fim de evitar a perda ou o desaparecimento das características que lhes conferem peculiaridade.
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre, Lei Complementar 434 de 1999.
As cidades vivenciam uma elaboração cultural em movimento constante, a partir da cidade real, procurando compatibilizar o novo com o existente. A partir desta concepção, estudo realizado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), da Secretaria Municipal da Cultura, em 2003, em conjunto com a Faculdade de Arquitetura do Centro Universitário Ritter dos Reis, dentro de convênio firmado pelas duas instituições, considera as raízes de Porto Alegre de nossos dias, uma cidade que se mantém um tanto provinciana, um tanto cosmopolita, mas sempre hospitaleira e fiel as suas vinte e cinco etnias.
Um estudo que pretenda alçar alguns bens culturais ao patamar de patrimônio deve guardar coerência com o passado e com o presente. Sobretudo, deve ter um comprometimento ético com um futuro saudável e sustentável para as próximas gerações. Partindo destes princípios, a pesquisa apurou a necessidade de tratamento especial em oitenta áreas, divididas em quatro macro-regiões. Essas áreas, verdadeiros nichos patrimoniais, concentram-se na orla do Guaíba, no Centro, no interior da malha urbana e na área rural, neste caso, já prevista nos próprios parâmetros do Plano Diretor. Segundo as propostas, é possível construir, demolir e reestruturar edificações seguindo normas definidas universalmente que orientam a ocupação dos espaços privados e oferecem diretrizes para o espaço público, respeitando a vocação e as peculiaridades de cada área.
A Agenda 21 da Cultura, assinada por mais de 200 autoridades locais, em Barcelona, 2004, recomenda: “Os governos locais desenvolverão estudos e legislações específicas que objetivem a proteção de bens imóveis, conjuntos arquitetônicos incomuns, espaços de sociabilidade pública, bairros, quarteirões ou ruas e avenidas, lugares e ambientes que guardem relação de identidade histórica ou social com as populações, prevendo a necessidade de impedir suas descaracterizações e/ou a agressão aos mesmos pelo mercado imobiliário”.
Os porto-alegrenses podem se orgulhar do trabalho, que já vinha sendo realizado pela Administração Popular na valorização da memória e da história, incluindo o patrimônio urbano edificado. O Orçamento Participativo aprovou a restauração e reciclagem do Mercado Público, amparados por trabalho da pesquisa histórica da EPAHC, garantindo o significado e a mística daquele espaço referencial à sociedade. Em 1993, teve início a restauração da Casa Torelly, sede da Secretaria Municipal da Cultura. Antes disso, o Conselho do Orçamento Participativo aprovou a reciclagem da Escola Apelles Porto Alegre, transformada no arquivo municipal Moisés Vellinho, equipado com reserva técnica totalmente climatizada e informatizada, compatível com as normas internacionais, espaço freqüentado por escolas e pela comunidade. Já o Solar da Travessa Paraíso, talvez o exemplar “vivo” da casa mais antiga de Porto Alegre, tornou-se um centro de educação patrimonial e ambiental, desde 1997, aberto às escolas e à comunidade, com oferta de oficinas, mostras e cursos, depois de salvo pelos bombeiros de incêndio, provavelmente criminoso, e efetivada sua restauração pelo poder público. O governo municipal devolveu à cidade o viaduto Otávio Rocha restaurado, comprou e reconstruiu a cobertura da Casa Godoy, exemplar raro de arquitetura art nouveau, restaurou a Fonte Talavera e o Paço Municipal, tombou o Parque Farroupilha. A Usina do Gasômetro, um bem tombado e restaurado pelo poder público, foi reciclado como um centro cultural plural, reconhecido internacionalmente, e abriga a Galeria Iberê Camargo, o cinema P.F. Gastal, o espaço Vasco Prado.
São exemplos de trabalhos que ilustram a função constitucional do poder público, em diversos âmbitos, para valorizar, preservar e difundir a memória das comunidades expressas em sua materialidade. Os critérios de intervenção propostos pelos EPAHC, em 1994, foram respeitados pelo governo municipal, até 2004.
Infelizmente, é preciso registrar, que hoje a Casa da Travessa Paraíso encontra-se fechada ao público, para uso administrativo, portanto, espaço cultural público perdido pela cidade. A Usina do Gasômetro está loteada entre diversos grupos artísticos, sem cuidados com a preservação patrimonial e respeito às diretrizes da EPAHC. Também no Paço Municipal reformado, áreas destinadas a galerias de arte foram tomadas ao público para uso administrativo.
Não se preserva para o passado, mas para o futuro. Uma lição simples, mas difícil de ser compreendida por alguns setores. Valores culturais, morfológicos, funcionais e paisagísticos se repetem em algumas situações, mas sempre se articulam e se complementam. Em uma época em que a tendência avassaladora da globalização coloca em perigo a sobrevivência da diversidade cultural planetária, a preservação das identidades é um dever de todos aqueles que se comprometem com o futuro. Só assim Porto Alegre será saudável e sustentável.
Carta de Barcelona
Rivadávia Severo, Jornalista
Acontece que na Espanha a xenofobia segue em alta. Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS) divulgada esta semana, indica que o principal problema para os espanhóis é o desemprego, seguido do terrorismo e em terceiro lugar está a imigração. Isso que a imigração é o que permitiu o crescimento econômico espanhol que elevou o PIB per cápita do país para cerca de 20 mil euros por ano e aumentou a população para 44 mil pessoas. Esse impulso econômico está sustentado pelo trabalho de árabes e latinoamericanos na construção civil. Segundo o jornal El Pais, quatro das oito maiores empresas mundiais do setor são espanholas.
O que está ocorrendo no bairro onde vivo aqui em Barcelona, Poblenou, um antigo distrito industrial do princípio do século passado – no tempo em que Barcelona era conhecida como a “Manchester espanhola” pela pujança de suas fábricas – é um bom exemplo do que ocorre nas grandes cidades do país. O bairro está sendo reconvertido em um centro de tecnologia e serviços.
As chamines foram substituídas por gruas, retrato da Espanha atual, um país que se financia com a construção civil que sustenta o seu crecimento econômico na casa dos 5% anuais, os melhores índices da União Européia. O preço pago eu e os meus vizinhos, gente simples da Catalunha e imigrantes de todas as partes do mundo que temos que suportar além do calor do verão, o barulho de britadeiras, escavadeiras, gritos de operários, etc.
Mas a vida também oferece momentos de descontração e prazer. Nesta semana, jantando com um casal de professores da Universidade de Barcelona, em um aprazível chiringuito – restaurante simples à beira mar – nos comentavam da situação política do Brasil. O lodaçal de Brasília, esse que o Zé Dirceu meteu o PT, também é notícia por aqui, embora em páginas internas.
Eles conhecem bem as nossas idiosincrasias, trabalharam em projetos de educação do PT, inclusive em Porto Alegre e têm amigos próximos ao governo de Lula. Segundo o relato desses amigos, que parecem conscientes da lama que envolve o Partido dos Trabalhadores, é até bom que ocorra isso, porque obrigará o PT a apresentar programa nas próximas eleições e não comparecer somente com a plataforma política da ética. É, pode ser.
Zero Hora e os jornais de bairro
Por Elmar Bones
Zero Hora está lançando quatro cadernos de bairro em Porto Alegre – Bom Fim, Moinhos de Vento, Bela Vista e Zona Sul.
Para nós é uma vitória ver que o maior jornal do Estado reconhece a importância desses mercados.
Há quase duas décadas nós apostamos no micro-jornalismo e defendemos a importância da informação local, da cobertura aos fatos e à vida das comunidades, geralmente abandonadas pelos grandes veículos.
Agora, eles se voltam para o mercado local. A concorrência é sempre saudável e informação nunca é demais. Diversidade é a palavra chave quando se trata de comunicação.
Mas é preciso atentar para o seguinte: não é a primeira tentativa que Zero Hora faz no jornalismo de bairro em Porto Alegre. A primeira, há dez anos mais ou menos, durou dois anos e meio, o tempo suficiente para aniquilar um florescente grupo de pequenos jornais, que se firmavam nos principais bairros da cidade.
O nosso JÁ Bom Fim foi um dos poucos que sobreviveu e levou anos para se recuperar. Hoje há uma segunda leva de jornais comunitários florescendo na cidade. Serão novamente arrasados?
Acredito que as condições são muito diferentes hoje e pode ocorrer o contrário: com seu poderio, ZH chamar atenção para os mercados dos bairros, valorizando não só os seus cadernos mas toda essa rede de pequenos jornais locais – são mais de vinte.
Se a iniciativa deriva do espírito monopolista e a intenção for apenas limpar o mercado de “ervas daninhas”, pode ser mais um tiro no pé. Os jornais de bairro hoje são pequenos arbustos, bem enraizados.
Se for uma iniciativa consciente, voltada para os interesses das comunidades, poderá representar o amadurecimento e a profissionalização do jornalismo de bairro em Porto Alegre. Quem viver verá.
Cardume de invencionices
Há seis ou oito anos, no bar da Feira do Livro, ali ao lado do Museu de Artes do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, tive a honra de compartilhar de uma mesa, onde se reuniam, em alarido juvenil, o Walter Galvani, o Cídio Salatino e o Rivadávia de Souza, o nego Riva, para os mais íntimos.
Um pouco antes, a Editora Sulina havia publicado as memórias do Rivadávia de Souza, que li avidamente, surpreso com a vida multifacetada do seu autor, reconstruída, pela memória, desde os seus tempos de guri, em Uruguaiana. Ali, ao redor da mesa, envolvida pela agitação feérica da noite, eu olhava para o Rivadávia e lembrava as passagens mais encantadoras de suas memórias, que deveriam ser leitura obrigatória para os jornalistas gaúchos, entre os quais ele disputava o primeiríssimo lugar.
Acompanhado pelo amigo e fiel escudeiro Cídio Salatino e pela esposa, uma espanhola de alma libertária, que conheceu em Paris, após a Segunda Guerra Mundial, Rivadávia, já entrado em anos, mas com a memória faiscante, me contou ter sido o autor da primeira entrevista publicada na imprensa gaúcha com o Lupicínio Rodrigues.
Mais tarde, quando ele e a esposa já haviam voltado para Brasília, onde moravam, me mandou um cartão agradecendo os comentários elogiosos que fiz a respeito do seu livro de memórias. Foi, na verdade, o último contato que tive com o Rivadávia de Souza, que faleceu em Brasília, deixando na saudade uma legião de amigos.
Pois, há duas semanas, reencontrei o Rivadávia de Souza num sebo da rua Riachuelo, espargindo simpatia, ao lado do presidente Getúlio Vargas, na capa do seu livro, intitulado “Botando os Pingos nos Is – As Inverdades nas Memórias de Samuel Wainer”. Os pingos nos is, colocados por Rivadávia de Souza, nasceram da sua indignação ao ler “Minha Razão de Viver”, contendo as memórias de Wainer, organizadas e editadas pelo jornalista Augusto Nunes.
Rivadávia de Souza
Defensor incansável do jornalismo íntegro, a serviço da verdade, Rivadávia de Souza fez questão de escrever o livro para esclarecer erros imperdoáveis de informação contidos nas memórias. Editado pela Record e publicado em 1989, o livro de Rivadávia de Souza é um manancial de informações preciosas a respeito dos bastidores da política brasileira contemporânea, que ele conheceu como poucos, na condição de repórter e, mais tarde, de amigo e assessor de imprensa do presidente Vargas, após a eleição de 1950.
A seriedade com que Rivadávia de Souza encarou a profissão de jornalista não permitiu que ele silenciasse diante dos escorregões do ego inflado de Wainer. Não se conhece na história do jornalismo brasileiro obra tão demolidora, realizada com o único propósito de restabelecer a verdade dos fatos contados e imaginados.
Algumas invencionices do Samuel Wainer receberam tratamento de choque. Afinal de contas, segundo Rivadávia de Souza, as memórias do criador da Última Hora contém “um cardume de invencionices, que pulam e pululam no seu leito”. Eu gostaria de conhecer a opinião do Augusto Nunes a respeito do livro do Rivadávia de Souza. Sempre há tempo para servir à verdade. E, acima de tudo, sempre há tempo para impedir que a história se misture com a ficção.