1917 – Um Ano Vermelho Também no Brasil

Mário Maestri, historiador e professor da UPF.
A Primeira Guerra mundial ensejou expansão das exportações primárias e da produção industrial no Brasil. A conjuntura internacional favorável aos grandes proprietários foi acompanhada por grave deterioração das já duras condições de existência das classes populares, agoniadas pela carestia dos alimentos, dirigidos à exportação, ou dos manufaturados, escassos devido à militarização da indústria européia e estadunidense e produzidos no país a preço elevados.
Em 1917, ocorreram através do Brasil e do Rio Grande do Sul importantes greves dos trabalhadores urbanos. Em 31 de julho, em Santa Maria, com apoio da combativa Federação Operária do Rio Grande do Sul [FORGS], eclodiu paralisação dos trabalhadores da Viação Férrea do Rio Grande do Sul por aumento de salários, semana inglesa e jornada de oito horas. Ao envolver todos os municípios servidos pela rede, o movimento tornou-se a primeira greve estadual sulina.
Em 1° de agosto, após reunião patrocinada pela FORGS, milhares de operários da capital [alfaiates, carpinteiros, chapeleiros, comerciários, eletricitários, estivadores, motorneiros, tecelões, tipógrafos, etc.] entraram em greve, sobretudo por melhores salários e pelas oito horas de trabalho. Ajudados pela paralisação dos ferroviários, o movimento parou a capital rio-grandense, então com uns 150 mil habitantes.
A assembléia de 1º de agosto da FORGS formou Liga de Defesa Popular que lançou manifesto reivindicando diminuição do preço dos alimentos; mercados livres populares; matadouro público; tabelamento do pão; aumento de salário; oito horas de trabalho para homens e seis, para crianças e mulheres, etc. Por primeira vez, o movimento operário capitaneava programa reivindicativo do conjunto das classes subalternizadas e intermediárias sulinas.
Em 2 de agosto, delegação da Liga de Defesa Popular foi recebida por Borges de Medeiros e autoridades, que se comprometeram a elevar o salário dos funcionários públicos e restringir a exportação dos alimentos. Os empresários porto-alegrenses aceitaram as reivindicações e o intendente da capital determinou medidas em defesa da economia popular. O medo da generalização do movimento aos demais setores das classes subalternizadas teria contribuído ao fim vitorioso do movimento, em 5 de agosto.
Também em agosto eclodiram movimentos paredistas em Pelotas e, possivelmente, em Montenegro (A.J.Renner), em Caxias (Amadeu Rossi) e em Jaguarão (estivadores). Em Pelotas, também capitaneado por Liga de Defesa Popular, o movimento grevista estendeu-se a diversas categorias e motivou importantes choques com as forças repressivas, concluindo-se sem resultados tangíveis.
Os ferroviários criticavam o arrendamento das estradas de ferro sulinas à Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil, parte do sindicato estadunidense Brazil Railway. Os serviços deficientes da companhia eram também criticados por comerciantes, industrialistas, criadores e agricultores que tinham os negócios dificultados pela baixa qualidade e algo preços do transporte ferroviário.
Em 16 de outubro de 1917, em Santa Maria, os ferroviários entraram novamente em greve, paralisando o tráfego no Estado: o acordo de agosto fora descumprido e os salários não eram pagos havia dois meses! Declaração dos grevistas propunha que a parede não era contra o “querido” RS, mas para “libertá-lo da garra do estrangeiro que não respeita um povo, seu comércio, sua indústria, suas leis e nem seu governo!”
A paralisação foi duro, com depredação de oficinas e instalações e destruição, com dinamite e fogo, de pontes, pontilhões e bueiros. Em Santa Maria, forças militares federais dispararam e mataram operários que manifestavam. Sob o patrocínio de Borges de Medeiros e do governo do Estado, comissão foi formada para estudar soluções para a greve.
Em 4 de novembro, publicou-se acordo que garantia, entre outras conquistas, aumento de salários, assistência média, salário enfermidade integral, 8 ½ horas de trabalho; cinqüenta por cento de acréscimo das horas extraordinárias. A crise na VFRGS só seria superada com sua encampação, a seguir, pelo governo do Estado, que transformaria o serviço em padrão de qualidade em todo o Brasil.

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