GERALDO HASSE
Seja lá como vai terminar esta estranhíssima campanha eleitoral, a liderança do deputado carioca Jair Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto nos faz lembrar de coriscos políticos que riscaram o céu da pátria em momentos críticos de nossa história.
Primeiro foi o histriônico Janio Quadros, eleito em 1960 e renunciante após sete meses em Brasília, onde colocou de lado a vassourinha anticorrupção e passou a buscar a saída dentro de uma garrafa.
Depois foi Fernando Collor, que renunciou para não ser demitido pelo Congresso após dois anos e meio (1990-1992) de um governo fissurado por medidas radicais como o confisco das contas de poupança popular, a abertura às importações e o fechamento de empresas estatais.
Dois anos atrás, a primeira mulher a presidir o Brasil foi tirada do cargo por um movimento político inspirado numa campanha de moralização da administração pública, cuja cúpula foi oportunisticamente acusada de se deixar contaminar pelo vírus da corrupção empresarial-privada. Nada de novo no tric tric do poder.
O nome oficial dessa campanha é Operação Lava Jato, liderada pelo Ministério Público, com apoio da Polícia Federal e o respaldo do Poder Judiciário e da Mídia.
Seus alvos principais são os governos do PT e seus aliados políticos (PMDB, PP e siglas menores) e parceiros empresariais, especialmente empreiteiras de obras públicas encomendadas por estatais.
Desde o início, a Operação Lava Jato foi comparada à Operação Mãos Limpas, realizada na Itália há cerca de 30 anos com o objetivo explícito de extirpar a influência da Máfia sobre a administração pública.
Muita gente boa (“tutti buonna gente”) foi presa na Itália mas, alguns anos depois, ascendeu ao poder a figura do empresário da mídia e cartola do futebol Luigi Berlusconi, ainda por cima envolvido em escândalos sexuais.
Segundo algumas interpretações veiculadas pela mídia, Berlusconi seria a ressaca após o porre moralista da Mãos Limpas.
Um risco semelhante ronda o Brasil na figura do deputado carioca Bolsonaro que, desde os ataques verbais à deputada gaúcha Maria do Rosário (“Não te estupro porque Você é feia”), passou a encarnar a figura emblemática do tosco, irado, primário, desequilibrado, machista, atrasado, racista etc.
Sua candidatura à Presidência parecia uma simples bravata de alguém buscando “aparecer”. Meses depois, ei-lo liderando as pesquisas de intenção de voto, ungido recentemente por um atentado que o manteve fora dos debates de TV.
Em resumo, o Brasil está na iminência de colocar no Planalto um corisco visivelmente despreparado para o cargo.
O fato emergente é que, agora começa a ficar claro, ele não está sozinho nessa parada. Por trás de sua campanha há um estado maior que pouco aparece enquanto seu candidato a vice, o general Mourão, solta faíscas em palestras pelo Brasil e o seu assessor econômico, Paulo Guedes, ameaça vender o que resta das estatais brasileiras.
A situação é tão paradoxal que, paralelamente à ascensão do ex-militar carioca, vem crescendo outra figura emblemática, o “promoter” paulista João Dória, que se elegeu prefeito de São Paulo e quer ser governador para, então, se lançar à Presidência — tudo isso em vôo solo, à revelia dos colegas de partido.
Alguém poderá argumentar que tais aberrações políticas são próprias do subdesenvolvimento cultural que caracteriza o Brasil, mas cabe perguntar se não está na hora de excluir do cenário essas figuras que, frequentemente ancoradas em alguma religião ou rede de TV, ocupam cargos públicos para alavancar posições no mundo dos negócios.
Afinal, a política é a convergência das melhores ideias em favor do bem comum. Pregar retrocessos, desprezando direitos elementares das pessoas, é o fim da picada.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Estamos vivendo um momento muito rico no Brasil: em pleno exercício da democracia, corremos o risco de cair no totalitarismo”
Donaldo Schüler, 86 anos, professor aposentado de literatura na UFRGS e autor de vários livros sobre as irradiações da cultura grega sobre o mundo moderno