Luciana Kaross*
A tradução teatral, assim como a tradução de poesia, é a que tem proporcionado maiores oportunidades de debate. As divergências em relação à adequação dos textos traduzidos, quando comparados ao original, demonstram o quanto ainda é preciso estabelecer parâmetros para avaliar as traduções de textos teatrais. As críticas mais contundentes parecem esquecer que a tradução teatral tem dois objetivos distintos: a publicação e a encenação.
A peça The Merry Wives of Windsor, de William Shakespeare, que a coleção L&PM Pockets disponibilizou em meados no ano passado com tradução de Millôr Fernandes parece perfeita para ilustrar o que acabei de afirmar. Poder-se-ia começar uma análise comparativa pelo título escolhido pelo tradutor: as Wives (esposas em inglês) ganharam muitos e muitos quilos e tornaram-se matronas em seu As Alegres Matronas de Windsor, mas a questão do título é a menos intrigante.
De todas as diferenças – e elas foram muitas – que pude anotar entre o texto original e a tradução, o que mais chama atenção foi a citação de personagens historicamente distantes no tempo. A personagem Simple se apresenta invocando o nome de Henrique Oitavo. Ora, esta peça é protagonizada por John Falstaff, contemporâneo de Henrique IV, pois Falstaff aparece na peça que leva o nome do rei. Da coroação de Henrique IV à coroação de Henrique VIII há um lapso de tempo de 110 anos. Sendo assim, a personagem não só não conhecia a fama de Henrique VIII como também não poderia supor sua futura existência.
Apesar disso, a tradução é bem escrita e tem coerência interna. As piadas remontam ao gosto brasileiro, ainda que haja dois ou três exageros na comicidade. Quando observada com lupa, a tradução de Millôr Fernandes está recheada de pequenos pecados que não comprometem a publicação. Talvez o pecado maior tenha sido colocar o termo tradução na capa quando o mais adequado seria adaptação.